Opinião

Novas regras e procedimentos para obtenção da nacionalidade portuguesa

Autores

  • Karinne Mendes de Oliveira Cardoso

    é advogada inscrita na OAB-GO pós-graduada lato sensu em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Direito (ESD) participante do Curso de Direito de Estrangeiros: O Direito de Asilo Imigração e Nacionalidade promovido pela Nova School of Law.

  • Gabriel Rodrigues Silva

    é advogado atuante no Brasil e em Portugal graduado pela Faculdade de Direito da PUC-GO pós-graduado em Direito Civil com especialização em Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD) mestrando em Direito com especialização em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique UPT.

26 de abril de 2022, 18h08

Recentemente, foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei nº 26/2022, de 18 de março, que procede à quarta alteração ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. As novas regras e procedimentos entraram em vigor no dia 15 de abril.

A regulamentação prevista para ter acontecido num prazo de 90 dias, desde a publicação da nona alteração da Lei da Nacionalidade Portuguesa, em 10 de novembro de 2020, foi finalmente aprovada e agora devidamente atualizada possibilitará a efetiva aplicação das últimas mudanças introduzidas à Lei da Nacionalidade, bem como uma maior compatibilização com o disposto em outros diplomas do ordenamento jurídico português, tal como o regime do maior acompanhado.

No diploma regulamentaram-se matérias como a clarificação dos requisitos para a atribuição da nacionalidade originária aos netos de portugueses, a ratificação da aplicação dos efeitos retroativos para os nascidos em território português, filhos de estrangeiros residentes há no mínimo um ano em Portugal e que nasceram após a Lei da Nacionalidade de 1981, e também à aquisição da nacionalidade por adoção.

Para além disso, houve alguns aditamentos nas modalidades de aquisição da nacionalidade por efeito da naturalização. Neste âmbito, destaque para a previsão expressa no texto legal dos requisitos gerais para conceder a nacionalidade portuguesa por naturalização à crianças e jovens menores acolhidos em instituições, à naturalização de estrangeiros nascidos em Portugal, aos estrangeiros ascendentes de cidadãos portugueses originários e de estrangeiros que não conservaram a nacionalidade portuguesa por residirem em Portugal há menos de cinco anos em 25 de abril de 1974 e dos seus filhos nascidos em território português, demandas essas que careciam há tempos de regulamentação.

Boas inovações também no que diz respeito à possibilidade de tramitação eletrônica dos processos de nacionalidade, a apensação de processos, a dispensa de traduções de documentos escritos em espanhol, inglês e francês, e outros importantes acréscimos no regime de oposição à aquisição, nulidade e consolidação da nacionalidade portuguesa.

Por último, mas não menos importante, as tão comentadas modificações nas condições para concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas que também foram regulamentadas pelo governo e que acabaram por tornar o acesso a esta modalidade mais restrita, dada às polêmicas exigências de comprovações adicionais de ligação à comunidade portuguesa.

Vejamos então, as principais novidades introduzidas e como o novo regulamento afeta na prática alguns dos principais pedidos de nacionalidade portuguesa.

Atribuição da nacionalidade para netos de portugueses
Ocorrida em novembro de 2020 na Lei da Nacionalidade Portuguesa, a modificação beneficiou principalmente os netos de cidadãos portugueses originários. Isto porque antes da mencionada alteração era indispensável, dentre outros requisitos, a comprovação de laços de efetiva ligação à comunidade portuguesa para a concessão da nacionalidade, laços esses de caráter subjetivo e circunstanciais, que envolviam desde deslocamentos regulares a Portugal por parte do requerente, até mesmo em alguns casos ter residência legal ou propriedades em Portugal.

Atualmente, a demonstração desses vínculos se dá por meio de critérios objetivos, em que a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional é aferida pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa, sendo essa presumida nos casos de requerentes oriundos de países de língua oficial portuguesa, além da não condenação a pena de prisão igual ou superior a três anos, com trânsito em julgado da sentença, por crime punível segundo a lei portuguesa, e da não existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática de terrorismo, nos termos da respectiva lei. Assim, para aqueles que são nacionais de países de língua oficial portuguesa, como é o caso dos brasileiros, presume-se existir essa ligação.

Então o que mudou com o novo regulamento?
Qual a sua importância?

Muito embora a Conservatória dos Registros Centrais já estivesse admitindo, desde a entrada em vigor da nona alteração à Lei da Nacionalidade, os novos critérios para atribuição da nacionalidade a netos de nacional português, agora, com a regulamentação na sua redação atual, deixa de ser obrigatório que a declaração esteja instruída com documentos que atestem a residência legal do requerente ou sua deslocação regular a Portugal, títulos de propriedades no país ou, ainda, certificados de ligação a uma comunidade histórica portuguesa no estrangeiro, entre outros, que antes serviam para comprovar vínculos.

Do ponto de vista legal, o novo regulamento, portanto, revoga as alíneas c) do nº 1 e e) do nº 3, e ainda os números 5, 6, 7, 8 e 9, todos do artigo 10-A, simplificando o procedimento nos requerimentos para a nacionalidade aos netos de portugueses.

Descendentes de judeus sefarditas
Alegria para alguns, para outros nem tanto. No que tange a naturalização de descendentes de judeus sefarditas, o novo regulamento estabelece como sendo um requisito essencial a apresentação de fatos e documentos que demonstrem uma ligação efetiva e duradoura com Portugal para aquisição da nacionalidade.

A "descendência direta ou relação familiar" de um judeu sefardita terá de ser provada por "documento autenticado, emitido por comunidade judaica com tradição a que o interessado pertença" para atestar, "de modo fundamentado" que o requerente usa "expressões em português em ritos judaicos ou, como língua falada por si no seio dessa comunidade, do ladino", língua falada pelas comunidades sefarditas da península ibérica.

Para este efeito, deverá o requerimento da nacionalidade ser instruído também com uma uma Certidão ou outro documento comprovativo:

1) Da titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas em Portugal; ou

2) De deslocações regulares ao longo da vida do requerente a Portugal.

Depreende-se do texto legal que os direitos mencionados no ponto 1) devem ter sido adquiridos pelo requerente a título mortis causa, ou seja, por herança. Em outras palavras, significa dizer que a compra de um bem, por exemplo, não será capaz de satisfazer este requisito.

Já em relação ao ponto 2), trata-se data máxima vênia de um verdadeiro retrocesso na lei, já que traz de volta um conceito jurídico genérico e indeterminado e, como tal, sujeito a interpretação e discricionariedade por parte das Conservatórias.

Dada a subjetividade, muitas dúvidas surgem em relação ao referido dispositivo da norma acrescentado pela alteração, sobretudo quanto à própria constitucionalidade de tais requisitos. Sobre o tema, vale a leitura do esclarecedor artigo do ilustre colega Alex Guedes dos Anjos, o qual retrata bem o tratamento desigual que a mesma Lei confere para a mesma finalidade, qual seja a comprovação de efetiva ligação à comunidade nacional.

Certamente, essas novas exigências restringirão substancialmente o acesso à este tipo de aquisição atendendo, de certa forma, a um clamor popular para resolver uma questão política, nascida e criada com a notícia da concessão da nacionalidade portuguesa a Roman Abramovich e, por outro lado, criando controvérsias ao próprio objetivo da norma de permitir o exercício do direito ao retorno dos descendentes judeus sefarditas.

Ressalta-se que o Decreto-Lei determina que as novas regras para concessão da nacionalidade aos descendentes de judeus sefarditas, somente entrará em vigor no primeiro dia do sexto mês seguinte ao da sua publicação. Portanto, no que respeita à nacionalidade por origem sefardita, tais regras passarão a valer a partir de 1 de Setembro de 2022.

Tramitação eletrônica mais abrangente
Consoante descrito no próprio preâmbulo do decreto lei, aproveita-se ainda esta alteração para adaptar o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de forma a possibilitar uma tramitação integralmente eletrônica dos procedimentos da nacionalidade, o que considera-se um avanço.

No que tange à tramitação eletrônica dos procedimentos de nacionalidade, refere o texto:

"No que respeita, em particular, à tramitação eletrónica dos procedimentos de nacionalidade, prevê-se que advogados e solicitadores pratiquem os atos em causa obrigatoriamente por via eletrónica e sejam notificados por essa mesma via, sendo facultativo para os requerentes não representados por estes profissionais o recurso à via eletrónica. Também as comunicações entre a Conservatória dos Registos Centrais e outros serviços ou entidades passam a efetuar-se, sempre que possível, por via eletrónica. Ao mesmo tempo, permite-se a consulta dos procedimentos por via eletrónica, quer pelos respetivos requerentes quer pelos advogados e solicitadores que os representem."

Contudo, segundo a Conservatória dos Registos Centrais, não há uma previsão de quando ocorrerá a implementação da plataforma informática para tramitação eletrônica dos processos, expectando que possa ocorrer de forma gradual ainda este ano.

Apensamento de processos e outras melhorias
Outra importante e muito aguardada novidade no Regulamento, foi a inclusão da possibilidade de processos de requerentes da mesma família passarem a tramitar em simultâneo, possibilitando inclusive o aproveitamento de documentos comuns, atos e diligências já praticados.

Com efeito, tal previsão encontra-se no artigo 40-A do novo Regulamento, o qual determina que "quando sejam apresentados no mesmo dia declarações ou requerimentos que deem início a processos para fins de nacionalidade por declarantes ou requerentes ligados entre si pelo casamento ou união de facto, pela adoção ou por parentesco até ao terceiro grau, em linha reta ou colateral, os respetivos processos podem ser apensados, a requerimento de qualquer um dos declarantes ou requerentes, de forma a permitir o aproveitamento de atos, diligências e documentos comuns".

Vale destacar ainda a inclusão dos artigos 30-A, B e C, que melhor legislam acerca das nulidades e consolidação da nacionalidade portuguesa que passam também a ser averbados ao respectivo assento de nascimento. Segundo essas regras, a nacionalidade que não esteja consolidada e tenha sido obtida com fundamento em documentos falsos ou certificativos de fatos inverídicos ou inexistentes, ou ainda falsas declarações, podem ser anuladas.

Conclusão
Conclui-se que a harmonização deste conjunto de novas regras e procedimentos em grande medida acabam por facilitar a execução da Lei da Nacionalidade, bem como traz maior transparência na tramitação dos processos e, por fim, parafraseando o ilustre dr. Paulo Porto, é inegável que as alterações trazidas ao Regulamento da Nacionalidade agregam incontornáveis ganhos com a desburocratização dos processos, trazendo mais celeridade e segurança jurídica, com exceção aos descendentes de judeus sefarditas que terão até setembro para valer-se dos requisitos anteriores.

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    é advogada inscrita na OAB-GO, pós-graduada lato sensu em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Direito (ESD), participante do Curso de Direito de Estrangeiros: O Direito de Asilo, Imigração e Nacionalidade promovido pela Nova School of Law.

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    é advogado atuante no Brasil e em Portugal, graduado pela Faculdade de Direito da PUC-GO, pós-graduado em Direito Civil, com especialização em Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD), mestrando em Direito, com especialização em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique UPT.

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