LIA impacta decisões do TCU em casos de desconsideração de personalidade jurídica
25 de abril de 2022, 18h01
As mudanças da Lei de Improbidade Administrativa (promovidas pela Lei 14.230/21) impactam processos e procedimentos para além das ações judiciais de improbidade. Entre esses "efeitos colaterais" da mudança da lei, estão as decisões tomadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) promovendo a desconsideração da personalidade jurídica de empresas por ele acusadas de terem causado danos ao erário.
O TCU costumeiramente fiscaliza não apenas os órgãos e agentes públicos, mas também responsabiliza pessoas físicas e jurídicas privadas que se relacionam com esses órgãos. A Corte de Contas, porém, por vezes vai além e pretende responsabilizar também terceiros (desconsiderando a personalidade jurídica de empresas).Essas decisões são afetadas pelas mudanças promovidas na Lei de Improbidade. A coerência do sistema de controles (com seus múltiplos autores) impõe ajustes na forma e nos limites da atuação do TCU.
Prática e mudanças
Atualmente, o TCU simplesmente inclui em suas decisões um tópico justificando a desconsideração das personalidades jurídicas e determina a citação de sócios, administradores e controladores das empresas que se relacionaram com o poder público.
Ocorre que a mudança da LIA aborda expressamente o tema da desconsideração da personalidade jurídica determinando que "se a imputação envolver a desconsideração de pessoa jurídica, serão observadas as regras previstas" no Código de Processo Civil, especificamente dos artigos 133 a 137 do CPC.
Esses artigos deixam claro que nem mesmo o Poder Judiciário pode decretar a desconsideração da personalidade jurídica sem observar, previamente, o contraditório e a ampla defesa.
Não é demais recordar que, de acordo com o Código Civil, a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores (artigo 49-A) e que apenas em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial essa separação pode ser desconsiderada para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso (artigo 50).
Para bem tutelar esse direito é que se exige que a exceção, ou seja, que a confusão em atos praticados por uma empresa que justificam em tese a responsabilização de outra pessoa (física ou jurídica) seja objeto da instauração de um incidente específico e prévio voltado exclusivamente a essa demonstração do suposto abuso. Não é lícito que essa exceção seja objeto de demonstração no curso do processo ou da ação.
Se nem mesmo o Poder Judiciário pode adotar um procedimento sumário de desconsideração preliminar da personalidade jurídica, não se vislumbra qualquer justificativa para considerar que o TCU teria supostos poderes implícitos. Tratar-se-ia de atribuir à corte de contas prerrogativas superiores às do órgão de controle por excelência que é o Poder Judiciário.
Competências
Cabe dizer, ainda que de passagem, que o TCU também não deve pretender responsabilizar diretamente empresas e pessoas sem relação direta com a administração, o que se configuraria como odioso subterfúgio para atalhar as garantias legais aos acusados.
Relembre-se, por fim, que a missão do TCU, expressa, dentre outros documentos, no "Plano Estratégico do Tribunal de Contas da União 2015-2021", é "aprimorar a Administração Pública em benefício da sociedade por meio do controle externo". Para fazê-lo, entende-se que a corte necessariamente precisa responsabilizar, também, aqueles que "derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário" (artigo 1º, I da Lei Orgânica do TCU). Assim, para identificar irregularidades e para apurar material e objetivamente a existência de danos ao erário, o TCU efetivamente tem sob sua "jurisdição" as pessoas jurídicas que se relacionam com a administração e proferir decisões imputando débito ou multa que têm eficácia de título executivo (artigo 71, §3ºda Constituição Federal). O TCU, porém, não executa tais decisões. Não é dele essa atribuição.
A desconsideração da personalidade jurídica não é instrumento vocacionado à identificação e quantificação de danos, mas sim instrumento para que "os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso" (artigo 50 do Código Civil), ou seja, tem viés relacionado à execução estendida, como diz a lei, a terceiros. Se não cabe ao TCU executar as decisões, sequer é razoável que a ele incumba medida típica da extensão do alcance da decisão.
Assim, diante das alterações da Lei de Improbidade, será natural uma alteração nas práticas do TCU, a fim de que a corte dedique seus esforços à sua missão e às suas competências. Isso significa, nesse tema, que caso o tribunal não opte por se abster de adotar medidas voltadas a ampliar o alcance subjetivo de suas futuras decisões, o que seria mais consentâneo com seu papel institucional, deixe de adotar procedimentos que solapem as garantias individuais e suprimam o contraditório prévio exigido em lei, até mesmo do Poder Judiciário.
Com esse tema o Supremo Tribunal Federal tem encontro marcado, especialmente em função de encontrar-se em curso o julgamento de caso que aborda, dentre outros, o tema da desconsideração da personalidade jurídica. O julgamento do MS 35.506 foi iniciado antes das alterações na Lei de Improbidade, e até já recebeu votos sob o cenário antigo, sendo possível à corte que enfrente o tema considerando a superveniência desse novo marco legal.
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