Opinião

Precisamos falar sobre o Grau de Risco e Integridade

Autor

  • Flavio Amaral Garcia

    é sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown professor de Direito Administrativo da FGV-RJ e procurador do Estado do Rio de Janeiro.

25 de abril de 2022, 11h19

A Petrobras adotou como política nas suas contratações a possibilidade de excluir das licitações as sociedades empresárias que apresentem Grau de Risco e Integridade (GRI) alto. A previsão encontra fundamento expresso no artigo 4° do seu Regulamento de Licitações e Contratos.

Após os problemas decorrentes da operação "lava jato" e em observância à Lei nº 13.303/2016, a Petrobras aprimorou os seus programas de compliance e integridade, adotando regras, estruturas e práticas de gestão de riscos.  Trata-se de medida meritória e que tem por objetivo combater desvios e atos de corrupção, encontrando respaldo jurídico no artigo 9°, caput e §1° c/c artigo 32, inciso V, da Lei n° 13.303/06 (Lei das Estatais) e na própria Lei n° 12.846/13 (Lei Anticorrupção). Portanto, não se põe em causa que a adoção de políticas de integridade pelas estatais é legítima, inclusive para exigir obrigações de compliance para os licitantes.            

Ocorre que, no caso do GRI, a dosagem do remédio foi excessiva e pode gerar mais malefícios do que benefícios, porquanto a Petrobras tem afastado as sociedades empresárias às quais seja atribuído GRI alto da participação nas suas licitações. 

Ora, a política de compliance não pode ter como consequência o banimento do licitante. O emprego do GRI com efeito excludente de certames funciona como um requisito de habilitação não previsto em lei, afrontando diretamente o artigo 58 da Lei das Estatais, que estabelece rol exaustivo dos parâmetros pata habilitação dos licitantes, dentre os quais são se encontra um grau de risco atribuído pela empresa estatal, e o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, segundo o qual somente se permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O que vem acontecendo é que, na prática, o processo de atribuição do GRI, além de pouco transparente e excessivamente subjetivo, vem sendo utilizado para evidente restrição ao livre exercício da atividade econômica, assumindo efeitos sancionadores e não acauteladores.

As medidas decorrentes de avaliação de riscos devem ser materializadas no estabelecimento de mecanismos de supervisão e controle que mitiguem os riscos de inconformidade e não para servir de anteparo para ilegal imposição unilateral de sanções restritivas de direitos. 

Para além disso, o banimento das sociedades empresárias das licitações gera prejuízos para a própria Petrobras, haja vista que limita substancialmente  a competição, militando em desfavor da obtenção de propostas mais vantajosas que atendam os seus interesses.

O Tribunal de Contas da União, por ocasião do Acórdão 426/2019 [1], que teve como relator o ministro Benjamin Zymiler, apontou todas essas incongruências. A matéria, inclusive, está sendo objeto de nova análise pela Corte de Contas [2] em auditoria na qual se busca "avaliar a legalidade e a legitimidade dos procedimentos utilizados pela Petrobras para a aferição do Grau de Risco de Integridade GRI de empresas e da utilização desse parâmetro como critério de qualificação para participação em certames, os riscos dessa aferição e seu tratamento".

Em suma, a Petrobras avançou na velocidade e na direção corretas para implementação do seu Programa de Integridade e no combate à corrupção, que tanto mal faz ao país. Entretanto, claramente errou na dose ao se arvorar na prerrogativa de atribuir ao GRI efeitos restritivos de direitos, notadamente o afastamento de agentes econômicos das suas licitações, o que constitui disfarçada sanção, imposta unilateralmente e sem o devido processo legal.

Lamentavelmente, o que era para ser proteção e tutela da integridade convola-se em discricionariedade e subjetividade em detrimento da competição nas contratações públicas, estabelecida para Constituição Federal e pela legislação como mecanismo de isonomia entre os agentes econômicos e economicidade para a Administração Pública contratante.

 A atribuição de GRI é, inegavelmente, importante ferramenta de gestão de riscos das contratações da Petrobras, que deveria ter por efeito a adoção de medidas adicionais mitigadoras de riscos, como por exemplo, a exigência de adoção de programas de compliance pelos licitantes, mas não pode produzir o efeito extremado de excluir sociedades empresárias das licitações públicas.

Espera-se que a Petrobras reconsidere a ilegal previsão no seu Regulamento de Licitações, passando a usar o GRI como efetivo instrumento de gestão de risco, para exigir medidas de compliance das sociedades empresárias licitantes, sem atribuir o caráter restritivo de participação em licitações, que acabou por se transmudar em instrumento com efeitos sancionadores sem o devido processo legal.


[1] Acórdão  426/2019 – Plenário. Representação nº 003.560/2019-8, relator: ministro Benjamin Zymler.  Disponível aqui.

[2] Relatório de Auditoria nº 037.015/2020-6, relator: ministro Walton Alencar Rodrigues. Disponível aqui.

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