Opinião

Os problemas em torno do decreto de indulto individual do último dia 21 de abril

Autor

  • Diego de Azevedo Simão

    é autor do livro "Lei de Execução Penal comentada e anotada" publicado pela editora D'Plácido. Defensor público em Rondônia. Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir. Especialista em direito processual penal. Especialista em Direitos Humanos. Especialista em Direito de Execução Penal. Membro do Ibep (Instituto Brasileiro de Execução Penal). Membro do IDPR (Instituto de Direito Processual de Rondônia). Membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

25 de abril de 2022, 21h15

No último dia 21, o presidente da República concedeu indulto individual (graça) a deputado federal condenado pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do processo-crime nº 1.044, pela prática dos crimes previstos no artigo 18, da Lei n. 7.170/1983 (em virtude da ultra-atividade da lei penal mais benéfica em relação ao artigo 359-L do Código Penal) e no art. 344 do Código Penal, à pena final de oito anos e nove meses de reclusão em regime inicial fechado.

Neste texto, apresento alguns problemas referente ao indulto individual (graça) concedido pelo Decreto de 21 de abril de 2022.

O primeiro aspecto diz respeito a ausência de trânsito em julgado para a acusação, na medida em que o indulto individual foi concedido após a notícia da condenação, sem nem sequer ter havido a preclusão do prazo recursal. O indulto individual, entretanto, exige que a decisão penal seja irrecorrível, razão pela qual é pressuposto para sua concessão ao menos o trânsito em julgado para a acusação.

O segundo problema diz respeito a iniciativa do procedimento. É que o indulto individual deve ser provocado, não cabendo ao Presidente da República concedê-lo ex ofício, conforme ocorre nos casos do indulto coletivo.

Embora o indulto concedido ao deputado federal tenha sido fundamentado no artigo 734 do CPP (Decreto-Lei nº 3.689/1941), o instituto do indulto individual foi totalmente disciplinado pela LEP (Lei 7.210/1984), lei posterior que passou a disciplinar a matéria, e que exige, para concessão da graça, a provocação da pessoa condenada, por petição, ou a iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa (artigo 188, LEP). Ainda de acordo com a LEP (artigo 189), a petição apresentada por quaisquer dos legitimados, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário, para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça. Em seguida, o Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo e do prontuário, promoverá as diligências que entender necessárias e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento deste depois da prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito do pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstâncias omitidas na petição (artigo 189, LEP). Processada no Ministério da Justiça com documentos e o relatório do Conselho Penitenciário, a petição será submetida a despacho do Presidente da República, a quem serão presentes os autos do processo ou a certidão de qualquer de suas peças, se ele o determinar. Por fim, após todo o trâmite processual que inicia com a provocação por uma das partes legitimadas, da posse dos autos, o Chefe do Poder Executivo concederá ou não o indulto. Concedido o indulto e anexada aos autos cópia do decreto, o Juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação (art. 192, LEP). Portanto, embora possua o poder de conceder indulto individual, o chefe do Poder Executivo não possui legitimidade para conceder a clemência individual ex ofício.

O terceiro aspecto diz respeito ao motivo do ato. Em relação a esse aspecto, é bom destacar antes de tudo que, conforme já decidiu o STF, "3. A concessão de indulto não está vinculada à política criminal estabelecida pelo legislativo, tampouco adstrita à jurisprudência formada pela aplicação da legislação penal, muito menos ao prévio parecer consultivo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob pena de total esvaziamento do instituto, que configura tradicional mecanismo de freios e contrapesos na tripartição de poderes. 4. Possibilidade de o Poder Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão da clementia principis, e não o mérito, que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá́, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse público no âmbito da Justiça Criminal." (STF, ADI 5.874).

Assim, embora não caiba ao judiciário invadir a esfera de mérito do indulto, é possível a análise sobre a constitucionalidade da medida.

É justamente aqui, no aspecto da constitucionalidade da medida, que deverá ser analisada a motivação apresentada no decreto de indulto, que determina e vincula o ato concessivo da clemência. Embora seja amplo o poder de indultar, por evidente, esse poder não pode ser levado a efeito para reformar o mérito da decisão judicial. A concessão da clemência pode levar em considerações uma série de aspectos, buscando atenuar o rigor da pena imposta a uma pessoa, e desde que atenda o interesse público no âmbito da justiça criminal.

De acordo com a motivação exposta no decreto presidencial de 21 de abril de 2022, a concessão do indulto individual ao deputado federal considerou que "a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão;".

Embora seja atribuição ampla do presidente da República a concessão de indulto, a poder de indultar não pode, jamais, ser utilizado como instância revisora de decisão de mérito prolatada pelo STF, transformando o chefe do Poder Executivo em instância recursal do Supremo Tribunal Federal (Poder Judiciário)[2].

Isso não significa dizer que o presidente da República não possa conceder o indulto. É evidente que pode, conforme prevê a Constituição da República (artigo. 84, XII). O que quero ressaltar é que a motivação apresentada neste decreto de indulto, e que vincula o ato, se confunde com o mérito do processo penal (crime x liberdade de expressão), o que caracteriza, portanto, abuso de poder por parte do Poder Executivo, uma vez que o coloca na posição de órgão revisor da decisão de mérito prolatada pelo STF, mesmo antes do próprio beneficiado com o induto individual ter exercido o direito ao recurso perante a própria Suprema Corte, juiz natural do caso penal.

Diante desse panorama, o indulto individual (graça) concedido pelo Decreto Presidencial de 21 de abril de 2022 possui os seguintes problemas: vício de legalidade, posto que foi concedido ex ofício sem observar a iniciativa e o procedimento previsto na LEP, bem como ante a inexistência de trânsito em julgado para a acusação; inconstitucionalidade por abuso de poder, uma vez que de acordo com a motivação expressa no decreto, o ato de clemencia revisou o mérito da decisão prolatada pelo STF no caso penal, opondo-se, portanto, aos efeitos da decisão judicial que analisou o mérito e condenou o acusado.

[2] Nesse sentido: GAMA, Paulo Calmon Nogueira da. A invalidade do decreto de indulto individual por vício motivacional. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-22/opiniao-invalidade-decreto-indulto-individual-vicio-motivacional. Acesso em: 22 abr. 2022.

Autores

  • Brave

    é defensor público no estado de Rondônia, mestrando em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir, especialista em Direito Processual Penal, especialista em Direitos Humanos, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (Ibep), membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

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