Depoimentos dirigidos

Advogada que atuou em delação fraudada será testemunha de procuradores no CNMP

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25 de abril de 2022, 20h47

A advogada Luciana Pires, que participou da recém-anulada delação do ex-presidente da Fecomércio do Rio de Janeiro Orlando Diniz, prestará depoimento a favor de procuradores lavajatistas no Conselho Nacional do Ministério Público.

TRE-RJ
Advogada Luciana Pires age para ser indicada para o TRE do Rio de Janeiro
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Luciana, que defende o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), vem trabalhando para ser indicada para ocupar a vaga no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro deixada por Vitor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues, que sairá da corte para ser desembargador do Tribunal de Justiça fluminense, segundo o jornal O Globo.

Victor Marcelo Rodrigues foi nomeado desembargador do TJ-RJ pelo governador do Rio, Cláudio Castro, pelo quinto constitucional. Rodrigues, o terceiro mais votado da lista tríplice da Ordem dos Advogados do Brasil para a vaga decorrente da aposentadoria do desembargador Lindolpho Morais Marinho, atrás de Claudia Franco Correa e Fábio de Oliveira Azevedo, foi professor de Direito de Flávio Bolsonaro e era apontado como o candidato da família. Ele foi nomeado magistrado do Tribunal Regional Eleitoral do Rio em 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com O Globo, a atuação de Luciana Pires para ser indicada para o TRE-RJ — que conta com o apoio de Flávio Bolsonaro — vem provocando desconforto na corte eleitoral e no TJ-RJ. Integrantes dos tribunais avaliam que a advogada não tem currículo para assumir a vaga e dificilmente será nomeada a tempo de atuar nas eleições. O novo membro do TRE-RJ será escolhido por Jair Bolsonaro.

Ao lado de sua sócia Juliana Bierrenbach, Luciana Pires foi arrolada como testemunha de defesa dos procuradores lavajatistas do Rio em procedimento no CNMP que apura desvios funcionais deles na ação contra advogados por sua atuação com a Fecomércio do Rio e entidades do Sistema S.

Luciana Pires representou o ex-presidente da Fecomércio do Rio Orlando Diniz na celebração de acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal do Rio.

Diniz foi parar na cadeia duas vezes por suposto desvio de verbas entre 2007 e 2011, e tentou por mais de dois anos emplacar sua delação. Só conseguiu, segundo publicou a revista Época, depois que concordou em acusar advogados que estavam na mira da "lava jato" por defender clientes acusados de corrupção. Em troca da delação, Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o MPF do Rio.

Reportagem da ConJur mostrou que o MPF dirigiu as respostas de Orlando Diniz. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

Em nota, Luciana Pires, ao lado das advogadas Juliana Bierrenbach e Ana Heymann, afirmou que não houve manipulação das palavras do delator e que os procuradores da República "seguiram a estrita legalidade e o respeito às garantias individuais do colaborador". As advogadas também alegaram que o trecho do depoimento de Diniz divulgado pela ConJur não é referente ao momento em que ele presta depoimento, mas, sim, a momento posterior, "de releitura do depoimento prestado para ratificação ou eventual retificação, pelo colaborador, do termo lavrado".*

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2021, declarou a incompetência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio para julgar o processo envolvendo a Fecomercio do Rio. A decisão ainda anulou as buscas e apreensões promovidas, por determinação do juiz Marcelo Bretas, em 75 endereços ligados a advogados.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a atuação do MPF na delação de Diniz e a proximidade com o então presidente da Confederação Nacional do Comércio, Antônio Oliveira Santos, demonstrariam indícios de "pescaria probatória e da adoção de comportamentos estratégicos de persecução penal, em conflito de interesses, por parte de agentes públicos e privados que pretendiam investigar Orlando Diniz e seus defensores".

Santos estava em litígio com Diniz pelo controle da Fecomércio do Rio. Ele era um grande apoiador das "dez medidas de combate à corrupção" e patrocinou inúmeras palestras do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores da "lava jato".

Recentemente, o juiz Marcello Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro, anulou a delação de Orlando Diniz e extinguiu a ação penal contra advogados perseguidos pelo juiz federal Marcelo Bretas por sua atuação com a Fecomércio do Rio e entidades do Sistema S.

O juiz afirmou que a delação de Diniz é nula porque foi presidida por autoridade sem atribuição — Bretas. Rubioli citou precedente do Supremo no sentido de que o acordo de delação pode ser rescindido se forem descobertas ilegalidades depois da homologação. A própria decisão do STF que declarou a incompetência de Bretas apontou que a delação foi induzida, sendo, portanto, nula.

Candidata ao TSE
Outra advogada que faturou com a "lava jato" e quer lucrar com seu enterro é Rogéria Dotti. Nesta quarta-feira (27/4), o ministro Edson Fachin, do STF e presidente do TSE, anunciou que ela faz parte de uma relação com quatro nomes que servirá de base para a lista tríplice para preencher a vaga aberta com a saída do ex-ministro Carlos Velloso Filho. O novo integrante da corte eleitoral será escolhido por Jair Bolsonaro.

Em entrevista concedida em 2021 ao site Topview, ela afirmou que "a 'lava jato' é uma mudança em termos de combate à corrupção no país". A advogada também representou o promotor Leonir Batisti, ex-coordenador-geral do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público do Paraná (Gaeco), em ação de indenização por danos morais contra a União, argumentando que sua honra foi violada por fala do ministro Gilmar Mendes.

Em sessão do Plenário do STF em 7 de novembro de 2019, Gilmar disse que "o chefe do Gaeco do Paraná também foi surpreendido numa blitz embriagado. Veja bem, parece que o alcoolismo é um problema do Ministério Público hoje". Posteriormente, o ministro esclareceu que, na verdade, Batisti é investigado por assédio sexual.

"Gostaria de aproveitar a presente oportunidade para esclarecer a verdade. Diferentemente do que afirmei, o chefe do Gaeco do Paraná de fato não foi flagrado embriagado em uma blitz. O delito a respeito do qual ele é investigado é o de assédio sexual por ter praticado conduta inadequada em relação a uma assessora do Conselho Superior do Ministério Público do estado", declarou Gilmar.

O Gaeco do MP-PR é responsável pelo polêmico acordo de delação premiada do ex-auditor fiscal do estado Luiz Antônio de Souza, na operação "publicano". Devido às ilegalidades da delação, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reabriu a possibilidade de delatados questionarem acordos de colaboração premiada.

*Texto atualizado às 10h20 de 13/1/2023 para correção de informação: ao contrário do informado, Ana Heymann não era sócia de Luciana Pires.

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