Processo Tributário

Autoridade coatora no MS em matéria tributária e teoria da encampação

Autores

  • Danilo Monteiro de Castro

    é advogado doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do Ibet juiz do TIT-SP pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e integrante do grupo de trabalho de Direito Processual Tributário do IBDP.

  • Vanessa Damasceno Rosa Spina

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Ibet mestranda em Direito Tributário pela FGV pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

24 de abril de 2022, 8h00

O mandado de segurança é espécie processual que gera infindáveis questionamentos no Judiciário em razão das especificidades que são a ele atinentes. Nesse texto nos dedicaremos à questão da indicação da autoridade coatora.

Segundo dispõe o artigo 1º da Lei nº 12.016/2009, autoridade coatora é aquela que pratica ou está na iminência de praticar ato reputado abusivo e ilegal e, como decorrência lógica, é a pessoa responsável por desfazer, ou não fazer, o ato questionado [1].

Partindo da literalidade deste comando normativo, a "missão" para identificar a autoridade que deve compor o polo passivo do remédio constitucional parece simples, mas na prática há muitas dúvidas envolvidas, em especial quando estamos diante de mandado de segurança de natureza preventiva.

Isso porque, as diferentes formas de composição das administrações fazendárias e as complexidades atinentes a cada uma delas nem sempre permitem identificar, com clareza, a quem compete a prática, ou o desfazimento, do ato que se pretende atacar.

Tal ponto não passa desapercebido pela doutrina, tendo Rodrigo Dalla Pria de modo assertivo destacado que "tal óbice se mostra especialmente relevante quando o caso for de mandado de segurança preventivo, cuja impetração tem lugar em momento no qual não se tem, em regra, dados concretos aptos a servir de índice à correta identificação da autoridade competente para realizar ou desfazer o ato de cobrança cuja concretização se pretende evitar" [2].

Essa problemática merece nossa atenção, porque ainda hoje gera conflitos, sendo certo que a indicação correta da autoridade coatora é requisito para o processamento do mandado de segurança, e o seu apontamento equivocado levará a extinção do mandamus. Em que pese a extinção seja sem resolução do mérito, o que permite a repropositura da demanda, raras vezes há tempo hábil para a impetração de nova ação mandamental (quando se está diante da sua modalidade repressiva), ou é possível adotar nova medida (ainda que de rito comum) sem que o tempo perdido não tenha gerado sérios prejuízos à parte-autora.

Dentro deste contexto surgiu a chamada teoria da encampação, por meio da qual resta viabilizada, a um só tempo, a "correção" indireta da autoridade e a manutenção da ação.

A teoria da encampação se verifica quando a autoridade apontada indevidamente como coatora, além de pertencer ao mesmo órgão fazendário daquela que seria correta, não se limita a alegar a sua ilegitimidade, isto é, responde à intimação adentrando ao mérito do mandado de segurança.

Afirmamos que há correção da autoridade coatora, pois, embora não exista a indicação de outra autoridade, nem mesmo a sua substituição (seja por determinação do magistrado, seja por iniciativa de quem propôs a demanda), aquela apontada erroneamente passa a ser tida como a correta, regularizando o equívoco que poderia levar à extinção da ação.

Esse procedimento, já consagrado na vigência da legislação processual civil revogada, atualmente é eficiente instrumento a enaltecer a ideia de cooperação, que estimula sua solução em tempo razoável, com prestígio à decisão de mérito porque pretende "dar todo o rendimento possível a cada processo em si considerado", o que, nada mais é do que a busca da máxima efetividade por meio do processo [3].

Em caráter geral, no tocante à legitimidade, temos as regras dos artigos 338 e 339 do Código de Processo Civil (CPC) [4] que, para além de tratar da possibilidade de substituição do réu caso a indicação tenha se dado de forma indevida, exigem daquele que alega a ilegitimidade o apontamento do sujeito passivo que, no seu entender, deveria compor a relação processual, em clara demonstração de que a tônica do processo civil é a cooperação e a efetividade; regras essas que nitidamente normatizam, no mandado de segurança, o fundamento da teoria da encampação.

Olhando sob este viés, não temos dúvida em afirmar que a teoria da encampação se coaduna com os preceitos trazidos pelo CPC, ainda que para a sua aplicação seja necessária a observância de alguns critérios delimitados na Súmula 628 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como forma de pacificar o assunto, a qual assim dispõe:

"Súmula 628 – A teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal."

O primeiro desses critérios, qual seja, existência de vínculo hierárquico, está atrelado a dois aspectos, (1) de caráter funcional, da estrutura orgânica da administração público-fazendária, pois uma autoridade de hierarquia inferior não pode responder pela decisão de autoridade superior, uma vez que não é ela a responsável por fazer / desfazer o ato de lançamento; e (2) de natureza temática, já que ainda que hierarquicamente superior, tem de estar atrelada, minimamente, ao tema objeto do mandado de segurança (esse último ponto, inclusive, é uma das principais patologias, como veremos adiante).

O segundo critério definido no STJ exige que a autoridade impetrada, além de alegar sua ilegitimidade para figurar no polo passivo do writ, também apresente manifestação sobre o mérito da ação, situação extremamente comum já que a ilegitimidade apontada pode não ser acolhida. Esse cenário enaltece a cooperação e, ainda, a efetividade do processo, a demonstrar como a teoria da encampação está em harmonia com os valores prestigiados pelo atual CPC.

O terceiro, e último, critério diz respeito com a impossibilidade de aplicação da teoria se a autoridade impetrada tiver que ser julgada por órgão diverso do Poder Judiciário daquele que seria competente para julgar a correta autoridade coatora.

Isto é, preocupado com a indicação de uma autoridade hierarquicamente superior (primeiro critério da Súmula) o impetrante opta por inserir no polo passivo do writ autoridade que: [1] não guarda direta relação temática com o objeto do mandado de segurança [5]; e, principalmente, [2] possui, em razão do cargo que ocupa, foro privilegiado [6].

Salvo os casos insanáveis, como os sinalizados no parágrafo anterior (que, em nosso sentir, são as principais causas de extinção, sem resolução do mérito, do mandado de segurança em matéria tributária por ilegitimidade passiva ad causam), o que temos é uma teoria voltada ao máximo rendimento do mandamus para, sempre que possível, ter o seu mérito enfrentado.

Ademais, a teoria da encampação se mostra totalmente compatível com as regras processuais gerais vigentes, acenando para a busca da máxima efetividade do processo e, ao mesmo tempo, resguardando aspectos do direito material envolvidos em um mandado de segurança em que se discute matéria tributária.


[1] "Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça."

[2] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Civil. 1ª Ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 373.

[3] Para complementação de informações sobre cooperação, sugerimos leitura do seguinte artigo de Camila Campos Vergueiro, publicado nesta coluna: https://www.conjur.com.br/2022-abr-17/processo-tributariocooperacao-entre-processo-judicial-administrativo-tributarios#_ftn9

[4] "Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu.

Art. 339 – Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação."

[5] "o Secretário de Estado da Fazenda não possui legitimidade para figurar, como autoridade coatora, em mandado de segurança que visa afastar a exigência de tributo reputada ilegítima, sendo inaplicável, outrossim, a teoria da encampação." (STJ. 2ª Turma. Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança nº 67.101/RJ. Ministra Relatora Assusete Magalhães. DJe 16/12/2021).

[6] "Hipótese em que inaplicável a encampação, visto que a autoridade que praticou o ato apontado como coator não possui foro especial por prerrogativa de função, enquanto o secretário de estado a possui, impondo-se a evidente modificação na competência constitucionalmente estabelecida" (STJ. 1ª Turma. Agravo Interno no Agravo no Recurso Especial nº 1.244.871/SC. Ministro relator Gurgel de Faria. DJe 17/3/2021).

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    é advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do Ibet, juiz do TIT-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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    é advogada, mestranda em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, L.L.M. em Direito Empresarial pelo CEU, professora do Curso de Extensão do Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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