Opinião

Responsabilidade do comprador por dívidas trabalhistas da sucedida

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24 de abril de 2022, 17h17

Não é incomum encontrarmos discussões, em âmbito societário, oriundas de operações cada vez mais complexas, nas quais se debate sobre a responsabilização, no âmbito trabalhista, de passivos relativos às contingências materializadas.

A regra clássica de sucessão contida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [1] parece muito simplória para abranger situações de aquisição, fusão ou incorporação empresarial envolvendo grandes conglomerados ou estruturas societárias complexas, na medida em que estas operações impõem o risco de assunção de dívidas e obrigações contraídas não apenas pela empresa ou estrutura objeto da operação (sociedade-alvo), mas, também, do grupo econômico do qual faz parte.

A questão, então, consiste em entender se a sucessão trabalhista típica dos ativos, passivos e obrigações da sociedade-alvo também abrange eventual passivo contraído por sociedades integrantes do grupo econômico originário. E, em caso positivo, em que medida isso ocorre.

A princípio, parece intuitivo pensar que a empresa compradora ou incorporadora não pretende arcar com dívidas do grupo econômico da adquirida ou incorporada. Contudo, não é raro nos depararmos com procedimentos de auditoria legal (due diligence) nos quais as características do grupo econômico da sociedade-alvo tendem a ser ignoradas, a despeito de poderem trazer importante impacto no contexto da operação.

Para entendermos melhor o porquê desta afirmação, é importante a análise de três pontos principais o conceito e caracterização da sucessão trabalhista entre a compradora e a sociedade-alvo; a sucessão trabalhista do ponto de vista das garantias do trabalhador e a responsabilização solidária de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico. Pois bem.

Inicialmente, é importante destacar que as operações societárias que impliquem a troca do controle acionário ou da gestão de uma sociedade-alvo irão ocasionar, em termos jurídicos, a sucessão empresarial no que diz respeito às obrigações trabalhistas, atraindo a aplicação das regras constantes da legislação sobre o tema. Em linhas gerais, podemos dizer que a sucessão trabalhista se materializa pela transferência de titularidade da unidade econômico-jurídica e a continuidade na prestação dos serviços ou exploração da atividade econômica pelo sucessor.

Adicionalmente, sob a ótica do trabalhador e das relações de trabalho, as operações societárias em questão devem respeitar alguns princípios e regras que foram construídos notadamente para a prevenção de abusos ou de eventuais decisões que, na busca de melhores condições financeiras para a negociação, acabassem por prejudicar ou desequilibrar as relações trabalhistas já estabelecidas.

Os principais mecanismos de proteção ao trabalhador, aplicáveis no contexto da sucessão trabalhista, encontram fundamento nos princípios: da continuidade da relação de emprego, da inalterabilidade contratual lesiva ao trabalhador e da despersonalização do empregador, os quais se traduzem, em linhas gerais, em garantias no sentido de que, independentemente das alterações societárias que possam vir impactar a estrutura jurídica do empregador, seja mantida íntegra a relação empregatícia, nos exatos termos em que contratada originalmente.

Avançando para uma visão geral sobre a ideia de "grupo econômico", em breves linhas, destacamos a previsão contida no artigo 2º, da CLT, segundo o qual serão responsabilizados solidariamente pelas obrigações da relação de emprego as empresas que, embora tenham personalidades jurídicas próprias, estiverem sob a mesma direção, controle ou administração ou quando integrarem o mesmo grupo econômico.

Ainda, o reconhecimento da existência de grupo econômico depende da constatação de que as empresas dele integrantes se organizam e atuam de maneira conjunto, visando um objetivo comum, em estruturas verticais ou horizontais, que convergem para as finalidades societárias de ambas.

Traçado esse panorama de conceitos, é possível concluir que, se uma determinada empresa decide adquirir ou incorporar uma sociedade-alvo integrante de um grupo econômico, no campo teórico é possível imaginar que as dívidas trabalhistas contraídas, não apenas pela sociedade-alvo, mas, também, pelas demais empresas do referido grupo econômico, poderiam vir a impactar a própria adquirente, na condição de sucessora trabalhista.

E, por vezes, encontramos no Judiciário trabalhista discussões a respeito deste assunto, já que, no momento da due diligence, nem sempre é possível aprofundar a análise sobre todas as empresas integrantes do grupo econômico do qual faz parte a sociedade-alvo. A consequência é que, mais adiante, às vezes até mesmo alguns anos após a operação, podem ser direcionadas execuções não mapeadas em desfavor da sucessora, causando enormes transtornos.

No contexto dessas discussões, após reiteradas decisões, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Subseção I, da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), editou a Orientação Jurisprudencial (OJ) 411, a qual dispõe nos seguintes termos:

"O sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa devedora direta era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou fraude na sucessão."

A edição da mencionada OJ não é recente. Data de mais de uma década. No entanto, as discussões sobre o assunto ainda continuam vivas e, por vezes, tendem a ser trazidas à tona no contexto de operações relevantes.

Como se vê, diante do entendimento consolidado pela OJ, a regra é a de que o comprador não responde solidariamente pelas dívidas de empresa do grupo econômico antes integrado pela sociedade-alvo. A exceção fica por conta da hipótese em que haja dívida contra determinada empresa integrante do grupo econômico que não tinha condições de honrar tal obrigação à época da transação societária, bem como das hipóteses de fraude à execução e fraude contra credores, as quais, por si só, são suficientes para o reconhecimento da nulidade ou anulação dos negócios jurídicos.

Em análise aos precedentes que ensejaram a edição da OJ, tem-se o momento da efetivação da operação societária (em que se aperfeiçoa a sucessão trabalhista), como o exato momento para averiguação da situação da(s) empresa(s) devedora(s) principal(is) integrante(s) do grupo econômico da sociedade-alvo. Ou seja, a confirmação de que era(m) solvente e idônea economicamente.

Em outras palavras, ainda que reste comprovada a ausência de fraude na operação (sobretudo por ausência de má-fé do terceiro adquirente – sucessor), em eventual execução trabalhista, poderá a empresa compradora ser obrigada a pagar o débito trabalhista de uma terceira sociedade (devedora principal), integrante do antigo grupo econômico da sociedade-alvo, caso reste comprovado que a devedora principal era insolvente ou inidônea economicamente à época da sucessão.

Como consequência lógica, pode-se dizer, por outro lado, que os débitos trabalhistas originários da responsabilização solidária do grupo econômico, antes integrado pela sociedade-alvo, que venham a surgir após a operação societária não afetarão, portanto, a sucessora.

Em razão de todas essas circunstâncias, é essencial que haja ampliação do olhar trabalhista sobre as operações societárias envolvendo conglomerados ou grupos econômicos, ainda que pequenos, já que o ativo objeto da transação nem sempre evidencia os riscos de responsabilização trabalhista que, muitas vezes, podem inviabilizar por completo a operação.


[1] Artigo 448-A da CLT: Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos artigos 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.

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