Em 30 de abril de 1878, Machado de Assis publicou uma crítica ao Primo Basílio, de Eça de Queiróz. Essa impressão foi estampada no jornal O Cruzeiro. Ao longo desse primoroso texto enfatizou o talento de Eça, a quem também criticou, com alguma severidade. Percebeu superficialidades no Primo Basílio, especialmente quanto a algumas das personagens, a exemplo de Luísa, a quem inferiorizou em relação a Madame Bovary. Eça seria uma projeção de Flaubert. Finalizando suas considerações lembrou que o fervor dos amigos poderia estranhar o modo como sentia e a franqueza como expressava suas opiniões. Concluía perguntando o que seria da crítica se o crítico não pudesse ser franco.
Em Ideal do Crítico apresentou condições, virtudes e deveres do crítico, ao que acrescentou a necessidade de uma inquebrantável perseverança. O crítico deve descarnar um livro até encontrar-lhe a alma. Essa tarefa exige que o crítico, segundo Machado, seja independente, mas que não seja injusto. Independência não significa um ilimitado poder para destruir, ou para prantear. Deve ser franco, mas não pode ser áspero. A sinceridade pode ser expressa com expressões lhanas e doces. A convicção do crítico deve estar nos lábios. A mão do crítico, na consciência, espaço metafísico onde indaga e contempla as leis do belo. Para Machado, a crítica não é profissão de rosas.
Machado comparou a tarefa do crítico à tarefa do legislador. O crítico busca uma representação literária, o legislador uma representação pública. Em ambos os casos devem, o crítico e o legislador, deter algo mais do que um simples anelo de falar à multidão. A crítica, prossegue Machado, deve ser sincera, elevada, bem pensada. O crítico tem como missão também animar, estimular, guiar estreantes, corrigir talentos. O crítico não pode se deixar levar pelo ódio, pela camaradagem e pela indiferença. Pode destruir, mas também pode alavancar uma carreira. Conta-se que a trajetória de Moacyr Scliar fora impulsionada também por uma generosa e sincera crítica de Wilson Martins.
Em seguida, Machado delineou as tarefas que predicam de uma crítica sincera. O crítico deveria meditar profundamente sobre a obra. A leitura não pode resultar de uma operação de recepção passiva. Não basta uma leitura superficial dos autores. E também não basta uma mera reprodução das opiniões do momento. A obra objeto da crítica deve ser pensada, avaliada, problematizada.
Do crítico espera-se conhecimento e domínio da ciência literária, o que em termos contemporâneos demanda tirocínio na linguística e na gramática. O crítico também tem como missão buscar o sentido íntimo da obra que analisa. Nesse passo, sigo com Machado, o crítico indaga se imaginação e verdade se encontram, e em que nível, na obra analisada. Há uma expectativa pedagógica que predica em toda crítica, no sentido de que serve tanto à obra publicada, quanto à obra em embrião. Crítica, na essência, é análise.
Machado exigiu do crítico o implemento de duas condições principais: ciência e consciência. Ódio, adulação e simpatia são circunstâncias e sentimentos que o crítico deve abominar. O crítico segue apenas a sua consciência, que tem como guia. O crítico não pode ser o oráculo dos aduladores. Deve ser independente. É livre de tudo e de tudo, isto é, da vaidade, própria, e dos autores. Para que a crítica seja mestra, deve ser imparcial.
A crítica deve ser sincera. Interesses pessoais e alheios, sob qualquer forma, destroem qualquer forma de crítica. Nesse passo, Machado invocou passagem da história romana para ilustrar seu argumento. Lembrou a invasão dos gauleses, quando Breno, o chefe dos invasores, exigiu uma determinada soma de ouro para deixar a cidade, que havia destruído e queimado. Os romanos, vencidos, pesavam o metal nas balanças, quando Breno colocava sua espada na balança que fixava o peso, o que resultava em uma exigência bem maior. Ante a crítica dos romanos humilhados, respondia Breno: Vae Victis!, isto é, Ai dos vencidos!. Essa reminiscência histórica ilustra o crítico inspirado por interesses pessoais, ou de terceiros. É um venal.
Machado insistia que o crítico deveria ser tolerante. A intolerância, escreveu, é cega; e a cegueira, é um erro. O crítico deve agir com urbanidade. É terminantemente vedado o uso de formas ásperas. A agressividade, observou, não é prova de independência. Para Machado, "o crítico deve ser educado por excelência". Nesse sentido, deve conceder e respeitar rivais. Lembrou a passagem também clássica de Cícero, que defendeu que se erguesse uma estátua a Pompeu, seu rival. Questionado, observou que é levantando a estátua dos inimigos que se constrói a própria estátua.
O crítico tem obrigação de dizer a verdade, mesmo quando enfrenta a vaidade dos poetas, o que de mais suscetível haveria no mundo. Por fim, Machado lembrava que o crítico não poderia transcender das discussões literárias para as altercações pessoais. Esse pequeno texto, Ideal do Crítico, sintetiza uma arte, um ofício, um permanente estado de atenção. É também um pequeno grande guia de exegese literária, fundado na sinceridade e na objetividade do intérprete.