Opinião

PLR: os esforços para alterar a lei e os julgamentos do Carf

Autor

  • Levi Ferreira

    é advogado especialista em Direito Tributário e Previdenciário com experiência de mais de 10 anos em departamento jurídico (contencioso tributário) de grande corporação atualmente atuando pelo escritório e consultoria Vilela Vianna.

23 de abril de 2022, 7h22

Após tantas discussões acerca das regras previstas na Lei 10.101-00 sobre participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, esperava-se que a partir das alterações aprovadas pela Lei 14.020/2020 as interpretações do Fisco e dos conselheiros do Carf chegariam a um nível razoável que trouxesse segurança.

Anos atrás, empresas, entidades de classe e o mercado em geral, iniciaram um movimento para mudança do quadro que se apresentava, pois já estavam cansados da insegurança decorrente das autuações da Receita Federal baseadas em entendimentos subjetivos, desarrazoados e infundados dos fiscais, muitas vezes mantidas pelo Carf, por decisões recheadas de entendimentos subjetivos de Conselheiros, especialmente dos representantes da Fazenda (Nacional).

Os esforços engendrados levaram à aprovação da Lei 14.020/2020 que introduziu importante atualização à Lei 10.101-00.

Muitos eram (ou são) os apontamentos feitos pelos fiscais da RFB para desqualificar o plano de PLR e dizer que os pagamentos teriam natureza salarial, sujeitos às contribuições previdenciárias.

Resumidamente, os apontamentos mais comuns eram: 1) momento da assinatura do acordo, 2) falta de participação do sindicato na negociação e 3) falta de regras claras e objetivas do plano.

Outros pontos também eram comuns, mas vou abrir um parêntese para citar apenas um bastante específico, que diz respeito à interpretação dada pelo fisco ao inciso II do §3º do artigo 2º da Lei 10.101, de que entidades sem fins lucrativos (imunes) estariam impedidas de pagar a seus empregados qualquer valor como participação no resultado, sob pena de estarem distribuindo ilegalmente parte de seu patrimônio ou de suas rendas, com o que estariam com a imunidade suspensa e teriam que pagar as contribuições previdenciárias sobre tais valores.

Quando o mercado pensava em medidas que pudessem reduzir ou cancelar as autuações, participei de reuniões em uma entidade de classe de grande peso em âmbito nacional e, em uma delas, em plenária perante uma comissão que encaminharia e acompanharia o assunto, fiz sustentação oral, sugerindo e propondo um texto visando a alteração da Lei 10.101-00 para deixar clara a possibilidade de entidade sem fins lucrativos pagar "PLR", desde que o programa, as metas e resultados fossem voltados à consecução e melhorias das atividades institucionais da (s) entidade (s).

Minha sugestão partiu de vivencia prática, por contato pessoal com autuações injustas de uma grande e importantíssima entidade de ensino imune. A ideia foi acolhida por maioria naquela reunião e levada adiante. O texto sugerido foi alterado posteriormente, não sei por quem nem onde e, esquecendo minha "paternidade" ou autoria, a ideia foi aproveitada e inserida na Lei 14.020/2020 que incluiu o §3º-A no artigo 2º da Lei 10.101-00, possibilitando sim o pagamento por entidades sem fins lucrativos (imunes), nas hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos. Ou seja, desde que o plano não tenha finalidade lucrativa, nem seja utilizado para distribuição disfarçada de seu patrimônio ou renda.

Muito embora tenham desperdiçado a oportunidade de um texto mais claro e direto (e eu a "paternidade"), a inclusão do referido §3º-A foi e é bastante importante para as entidades sem fins lucrativos e seus empregados.

O assunto das entidades imunes iria longe, mas para não fugir tanto do propósito inicial destas não tão breves notas, volto aos "apontamentos mais comuns":

1) Momento da assinatura do acordo: este item parecia ter ficado claro a partir da Lei 14.020 que incluiu §7º (transcrito abaixo) no artigo 2º da Lei 10.101, visando a dirimir a celeuma jurídica:

"§7º Consideram-se previamente estabelecidas as regras fixadas em instrumento assinado:
I – anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e
II – com antecedência de, no mínimo, 90 dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação".

Uma vez obedecida a antecedência agora prevista expressamente na Lei, parecia estar suficientemente clara a possibilidade de assinar o plano no decorrer do período aquisitivo. No entanto, as discussões parecem não ter fim e a segurança jurídica almejada parece ainda estar em processo de construção e amadurecimento.

A título de exemplo, cito o acórdão 9202-009.907 de nov/21 da 2º turma da (CSRF) Câmara Superior de Recursos Fiscais. Em que pese aquele caso concreto envolver período muito anterior ao advento da Lei 14.020, o que comportaria a discussão sobre sua retroatividade (ou não), inclusive a assinatura daquele acordo ocorreu após o final do período aquisitivo, é fato que no tal acórdão o conselheiro relator (representante dos contribuintes) fez uma bela explicação e exposição da inexistência na lei de exigência de que o plano fosse assinado antes do início do período aquisitivo e, lançando mão da alteração introduzida pela Lei 14.020 com o supracitado §7º para fundamentar seu voto, deu provimento ao recurso especial do contribuinte.

No entanto, uma conselheira representante da RFB se manifestou da seguinte forma: "(…) Discordo do voto do Ilustre Conselheiro Relator, por entender que o Acordo de PLR deve ser pactuado previamente, portanto deve ser assinado antes de iniciado o período de apuração das metas e do lucro(…)". 

Assim, citando vários julgados e dizendo que a jurisprudência da CSRF "corrobora o entendimento esposado no presente voto", concluiu por negar provimento ao recurso, voto este que foi vencedor, por maioria, com o que restou mantida a autuação fiscal.

2) Falta de participação do sindicato na negociação: mesmo com o advento da Lei 14.020, não há dispensa do sindicato, que precisa participar diretamente da negociação ou ser notificado por escrito para indicar (em dez dias) representante para participar. É claro que a depender da análise de cada caso, pode sim haver bons argumentos de defesa em casos específicos sem participação direta do sindicato, seja por recusa ou inércia, ou sem prova de sua notificação por escrito para indicar representante, mas em casos tais, muito provavelmente a discussão precisará ser levada ao Judiciário.

3) Falta de regras claras e objetivas do plano: no acórdão 9202-010.171 também de novembro de 2021 da mesma 2º turma da CSRF, no voto da conselheira relatora (representante dos contribuintes), mesmo sem enfrentar a questão acerca da aplicação retroativa da Lei 14.020, ela se valeu da alterações promovidas na CLT pela Reforma Trabalhista da Lei nº 13.467/17, para fundamentar seu entendimento de que "o juízo de valor acerca do que seriam regras claras e objetivas fica restrito ao entendimento das partes interessadas, pensamento diverso levaria a uma interpretação extremamente subjetiva da fiscalização acarretando insegurança jurídica". Este entendimento prevaleceu, porém, a autuação foi mantida pelo requisito 1) momento da assinatura do acordo, que por voto vencedor de conselheiro (representante da Fazenda), entendeu que o pacto precisa ocorrer antes do início do período de apuração.

Enfim,  a aprovação da Lei 14.020/2020 foi sim um marco importantíssimo e, para o futuro, com o amadurecimento dos debates sobre a aplicação da referida lei e sem o voto de minerva (voto de qualidade) do representante da Fazenda, é provável que os contribuintes passem a ter importantes vitórias no Carf. Assim, longe de esgotar o assunto, por questão de síntese, concluo aqui ousando afirmar que ainda é preciso muito trabalho firme e persistente na busca da almejada segurança jurídica nos planos de PLR.

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    é advogado especialista em Direito Tributário e Previdenciário, com experiência de mais de 10 anos em departamento jurídico (contencioso tributário) de grande corporação, atualmente atuando pelo escritório e consultoria Vilela Vianna.

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