Opinião

Compensação e embargos à execução fiscal: reflexões sobre entendimento do STJ

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22 de abril de 2022, 9h04

Com bastante apreensão, os contribuintes receberam, ao final do ano de 2021, a notícia de que a 1ª Seção do STJ, ao julgar os Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.795.347/RJ, haveria consolidado sua orientação no sentido de que "não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal, à luz do artigo 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980, a compensação indeferida na esfera administrativa".

O resultado do julgamento, no entanto, merece algumas ressalvas iniciais.

Primeiramente, é de se destacar o fato de que a 1ª seção não conheceu dos embargos justamente por ter entendido não haver divergência de posicionamentos entre suas turmas de direito público, o que inviabilizou a discussão de mérito da tese naquele órgão conjunto.

A partir dessa primeira ressalva, chega-se ao segundo ponto importante sobre a matéria: o julgamento da 1ª Seção do STJ não impede que o Tribunal afete o tema ao rito dos repetitivos e o julgue de modo vinculante, oportunidade na qual poderia (e, diga-se, deveria) modular os efeitos da nova orientação, já que, até então, não havia um norte jurisprudencial quanto à inviabilidade de se discutir o débito originado de compensação não homologada em sede de embargos à execução.

Isso porque, com ficou claro a partir das discussões travadas na 1ª Seção e dos precedentes apontados pelos contribuintes em seus recursos, o julgado que começou a ser invocado pela 2ª Turma e depois repetido pela 1ª Turma do STJ (Recurso Especial Repetitivo nº 1.008.343/SP) não traz argumentos a ensejar o entendimento de que a compensação não homologada administrativamente não pode ser discutida na via dos embargos à execução.

O recurso repetitivo em questão, de relatoria do ministro Luiz Fux, tratou de compensação realizada pelo contribuinte com base na Lei n.º 8.383/91 que, pela primeira vez, teria regulado a compensação em matéria tributária no âmbito federal. Ignorando tal fato, a União ajuizou execução fiscal para a cobrança do tributo e, contra esse executivo, o contribuinte opôs embargos suscitando a inviabilidade da cobrança, uma vez que o crédito teria sido extinto pela compensação nos termos fixados no artigo 156, II, do CTN c/c Lei nº 8.383/91.

Ou seja, até o julgamento do Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 1.795.347/RJ, não era claro se a vedação disciplinada no § 3º do artigo 16 da Lei nº 6.830/80 se referia apenas a possibilidade de utilizar os embargos à execução para realizar o encontro de contas entre o crédito detido pelo contribuinte e o débito cobrado pelo Fisco (ou seja, uma alegação de compensação até então inédita) ou se abrangeria também a discussão acerca de uma compensação já intentada previamente e não homologada no âmbito administrativo.

A grande questão que surge a partir do mais recente precedente da 1ª Seção do STJ é: o que fazer a partir disso? Afinal, milhares de embargos à execução já foram opostos sobre essa temática.

Um primeiro ponto importante que merece reflexão é a possibilidade de utilização de princípios norteadores da atual sistemática processual brasileira, como a instrumentalidade das formas, eficiência e economia processual para fins de recebimento dos embargos à execução como ação anulatória, processando-os nessa modalidade.

Não seria nenhum absurdo, afinal, o próprio STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que anulatória e embargos que versam sobre o mesmo crédito tributário e apresentam fundamentos idênticos induzem litispendência. Ora, se pode haver litispendência, pode haver fungibilidade, até mesmo porque o rito dos embargos é mais gravoso ao contribuinte ao exigir prévia garantia para seu conhecimento, o que não se observa na ação anulatória.

E esse é um pedido absolutamente válido, que pode ser formulado pelo contribuinte nos processos em curso, a partir do momento em que passou a existir uma certeza jurídica sobre a inviabilidade da utilização dos embargos à execução para fins de debate da matéria arguida para afastar o débito que lhe é imputado.

Independentemente disso, caso o judiciário não encampe a necessária aplicação da instrumentalidade de formas, deve-se refletir sobre a possibilidade de ajuizamento de ação anulatória após o não conhecimento dos embargos à execução com base no artigo 16, § 3º, da Lei nº 6.830/80, especialmente frente ao prazo nos casos em que tais embargos tenham sido opostos há muito tempo.

Diante disso, cabe analisar qual seria o prazo de ajuizamento para ação anulatória no cenário ora narrado e quais os efeitos da oposição dos embargos à execução para discussão do débito resultante da não homologação de compensação administrativa.

Primeiramente, é valido pontuar que entendemos que, como os embargos à execução fazem as vezes da ação anulatória, sua oposição já é suficiente para cumprir qualquer prazo previsto na legislação para fins de questionamento do débito tributário.

Como, no entanto, tal visão não é compartilhada pelo Fisco, possivelmente deverá o contribuinte seguir um caminho mais tortuoso para que o mérito de seu pleito seja analisado pelo Judiciário após a rejeição dos embargos à execução.

De pronto, é necessário afastar a norma prevista no artigo 169 do CTN, já que tal dispositivo não versa sobre compensação, mas sim acerca do indébito tributário, não sendo norma específica para o tema ora em análise, devendo, portanto, ser aplicado o artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, que estabelece o prazo de cinco anos para ajuizamento da ação anulatória.

O STJ consolidou tal entendimento ao julgar o Recurso Repetitivo n.º 947.206/RJ, oportunidade em que firmou sua posição no sentido de que "o prazo prescricional para o ajuizamento de Ação Anulatória contra a Fazenda é de cinco anos, segundo disposto no art. 1º. do Decreto 20.910/1932, contado a partir da notificação do lançamento" [1]. (Grifou-se)

Portanto, para o STJ o prazo para ajuizamento da ação anulatória é de cinco anos, não devendo ser aplicado o artigo 169 do CTN.

Caso, no entanto, já houver transcorrido o prazo quinquenal após a data de constituição definitiva do débito e a rejeição em definitivo dos embargos à execução, ainda assim o ajuizamento da anulatória poderá ser tempestivo, caso os embargos tenham sido opostos dentro do termo de cinco anos.

Primeiro, porque, insistimos, os embargos à execução e a ação anulatória são fungíveis, inclusive podendo induzir litispendência.

Segundo porque o prazo prescricional pode ser interrompido e /ou suspenso, conforme dispõe, por exemplo, o artigo 240, § 1º, do CPC, segundo o qual a citação válida em ação que vise à discussão da matéria controversa faz interromper o prazo prescricional, mesmo quando o despacho é proferido por juízo incompetente.

Como os embargos à execução possuem natureza de ação cognitiva autônoma, sua oposição tem o efeito de tornar litigiosa as condições de validade e existência do débito tributário e, consequentemente, interromper o prazo prescricional relativo à questão posta em julgamento.

Nesse sentido, vale a leitura do acórdão proferido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial n.º 729.149/MG, oportunidade na qual a corte definiu que "extintos sem julgamento de mérito, os embargos intempestivos operaram o efeito próprio da propositura da ação cognitiva, que é o de interromper a prescrição. No particular, é irrelevante que a embargada não tenha sido citada para contestar e sim intimada para impugnar os embargos, como prevê o art. 17 da Lei 6.830/80. Para os efeitos do art. 219 do CPC, aquela intimação equivale à citação. Não fosse assim, haver-se-ia de concluir, absurdamente, que não há interrupção da prescrição em embargos do devedor".

Nesse diapasão, destacamos também o voto proferido pelo ministro Luiz Fux ao analisar o Recurso Especial nº 1.165.458/RS, no qual concluiu que o "surgimento do fato jurídico prescricional pressupõe o decurso do intervalo de tempo prescrito em lei associado à inércia do titular do direito de ação pelo seu não-exercício, desde que inexistente fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional".

Em outras palavras, como a prescrição do direito de ação está intimamente ligada à inércia do seu titular em exercê-lo, não pode o contribuinte que agiu em tempo ser penalizado com a impossibilidade de ver o mérito de sua discussão analisado pelo Poder Judiciário, apenas porque não elegeu a ação cognitiva teoricamente correta para tanto.

Ainda mais na hipótese em questão, na qual não existe diferença de causa de pedir e pedidos entre anulatória e embargos. Portanto, opostos os embargos à execução pelo contribuinte, interrompe-se o prazo prescricional para ajuizamento da ação anulatória de que trata o artigo 1º do Decreto nº 20.910/32.

Ainda assim, alguns contribuintes ainda poderão ver o seu direito de ação prejudicado, uma vez que apenas a interrupção do prazo não bastaria, já que o mesmo voltaria a transcorrer imediatamente após a oposição dos embargos.

Nesse sentido, cumpre salientar que o prazo prescricional permanecerá suspenso enquanto os embargos à execução estejam em tramitação, posicionamento amplamente compartilhado pela doutrina. Citamos, como exemplo, as lições sempre valiosas do desembargador Leandro Paulsen [2] e mencionadas no voto do ministro Luiz Fux no Recurso Especial nº 1.165.458/RS:

"Embora, em tese, pudesse recomeçar o prazo prescricional assim que ocorrida a hipótese de interrupção, o início da recontagem ficará impedido enquanto não se verificar requisito indispensável para o seu curso, que é a inércia do credor. Assim, se efetuada a citação, o credor nada mais solicitar e a execução não tiver curso em razão da sua omissão, o prazo terá recomeçado. Entretanto, se, efetuada a citação, for promovido o prosseguimento da execução pelo credor, com a penhora de bens, realização de leilão etc, durante tal período não há que se falar em curso do prazo prescricional. Só terá ensejo o reinício da contagem quando quedar inerte o exeqüente."

Ainda como reforço argumentativo, vale citar o fato de que a certeza jurídica acerca da inviabilidade da utilização de embargos na hipótese ora ventilada só passou a existir em dezembro de 2021 com o julgamento da 1ª Seção do STJ, de modo que, em prestígio aos princípios da actio nata e da segurança jurídica, apenas a partir desse marco temporal poderia voltar a transcorrer algum prazo prescricional

Diante dos cenários acima, podemos delinear as seguintes conclusões:

a) O julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.795.347/RJ não impede que o STJ afete o tema ao rito dos repetitivos, oportunidade na qual deveria modular os efeitos da nova orientação, já que, até então, não havia um norte jurisprudencial quanto à inviabilidade de se discutir, em sede de embargos à execução, o débito originado de compensação não homologada;

b) idealmente, deveriam os tribunais reconhecer a fungibilidade entre os embargos à execução e a ação anulatória neste cenário, uma vez que ambas as ações cognitivas veiculam a mesma causa de pedir e pedidos;

c) não sendo este o caso, terá o contribuinte prazo de cinco anos para ajuizar ação anulatória, nos moldes da regra disposta no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, o qual é interrompido e permanece suspenso durante toda a tramitação dos embargos à execução; e

d) apenas em dezembro de 2021 houve certeza quanto a inviabilidade de oposição dos embargos à execução para desconstituição de débito resultante de compensação não homologada, data que, em atenção aos princípios da actio nata e da segurança jurídica, deveria servir como marco temporal para ajuizamento da ação anulatória pelo contribuinte que houver optado pela via dos embargos à execução.


[1] Ag. Int. no A. R. Esp. n.º 1.674.537/RJ, rel.: DC Manoel Erhardt, 1ª T., j.: 17/5/21, DJe.: 20/5/2021

[2] in Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência 8ª ed., Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006, págs. 1.284/1.285.

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