Opinião

O perdão presidencial e os limites do ato de Bolsonaro

Autor

  • Marcelo Aith

    é advogado latin legum magister (LLM) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP) especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.

22 de abril de 2022, 21h24

O presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal, tendo em vista o disposto no artigo 734 do Código de Processo Penal, concedeu, a "toque de caixa", o benefício da graça ao deputado federal Daniel Silveira, condenado, por dez votos a um, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, além de perda do mandato e dos direitos políticos e ao pagamento de multa, pela prática de crimes contra o estado democrático de direito e coação no curso do processo. Afinal, o que é graça (indulto individual)?

Conforme lecionam João Paulo Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem, a graça "configura-se como uma espécie de perdão ofertada pelo presidente da República, beneficiando um condenado por infração comum, extinguindo sua punibilidade (CP, art. 107, II, 2ª parte)". 

Trata-se de ato discricionário do presidente da República, que pautado na conveniência e oportunidade, pode conferir a um condenado a extinção dos efeitos primários da pena, ou seja, libera o condenado de cumprir a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e a eventual multa imposta. Todavia, remanescem os efeitos secundários, como a perda dos direitos políticos e, também, o mandato eletivo.

Ao utilizar-se do poder discricionário, o administrador, no caso o presidente da República, deve fazer a escolha entre as alternativas permitidas no ordenamento, sob pena de agir com arbitrariedade. Hely Lopes Meirelles assevera que "discricionaridade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei". Assim, nos casos em que o ato discricionário é pratica com abuso de autoridade ou fora dos limites legais, ou ainda com finalidade diversa ao interesse público, ele será ilegítimo e nulo.

O presidente lançou como motivo ensejador para a concessão da benesse o suposto fato de que a "sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão". Portanto, a conveniência e oportunidade para o perdão ao deputado seria a suposta comoção nacional. Essa motivação corresponde a realidade? Ou houve desvio de finalidade na espécie?

Antes de examinar se houve desvio ou não de finalidade, não há como esquecer da passagem do livro 2 da República de Platão, quando Sócrates pergunta a Polemarco o que é justiça e ele responde: "Fazer o bem aos amigos e o mal aos inimigos". Bolsonaro agiu como Polemarco ao editar um decreto presidencial concedendo o perdão ao amigo Daniel Silveira, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória? Parece que o sim é inevitável na espécie.

Ademais, não se pode olvidar que o chefe do Poder Executivo Federal está absolutamente adstrito aos princípios da administração pública ao praticar seus atos, independentemente da natureza jurídica deles. Ou seja, ao conceder o indulto individual ao deputado Daniel Silveira, o presidente deveria estar em consonância como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Pergunta, ao formular uma motivação inexistente para favorecer um aliado político, o presidente da República está respeitando, por exemplo, o princípio da impessoalidade? O princípio da impessoalidade estabelece o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa.

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha arrolou quatro possibilidades de afronta ao princípio da imparcialidade, que são: o nepotismo, o partidarismo, a pessoalidade administrativa na elaboração normativa e a promoção pessoal. Mesmo não tendo citado a parcialidade como vício, ela reconhece esta possibilidade, pois em sua obra afirma que quando a finalidade do ato não leva em consideração o interesse público, mas o benefício pessoal ou o prejuízo particular, por razões subjetivas e, portanto, parciais, o comportamento do administrador (in casu do presidente da República) estará maculado de invalidade, pois este não atua como agente público, mas privado, nele introduzindo pecado sem perdão no Direito.

O ato administrativo praticado pelo presidente da República, ao conferir o perdão ao deputado federal, foi um flagrante desvio de finalidade, com o firme propósito de beneficiar "um dos seus", estando, assim, na contramão do espírito do estatuto da graça. Diante do vício, deveria ser afastado pelo Supremo Tribunal Federal.

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    é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa), especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca (ESP), professor convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.

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