Prática Trabalhista

Consequências e (in)validade de acordos simulados na Justiça do Trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

21 de abril de 2022, 8h00

Durante a pandemia, entre os meses de janeiro a junho de 2020, o número de processos na Justiça do Trabalho aumentou em 30%, isso em comparação com o mesmo período do ano de 2021 [1], sendo que grande parte dessas novas demandas foram resolvidas através de acordos.

Segundo os dados do Relatório Justiça em Números 2021, que tem por base o ano de 2020, 23% dos casos foram resolvidos por meio de conciliações, de forma que este percentual aumenta para 45% se for analisada unicamente a fase de conhecimento [2].

Lado outro, o Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2020 concluiu que do valor total pago aos reclamantes 46,6% foram decorrentes de acordos judiciais [3].

Entrementes, uma das grandes preocupações do Poder Judiciário sempre consistiu na verificação da lisura de tais acordos, em especial aqueles que pudessem, em certa medida, fraudar a legislação trabalhista.

Spacca
Dito isso, recentemente, a 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região anulou um acordo homologado judicialmente, por entender que, no caso concreto em análise, se tratava de uma "lide simulada", acarretando prejuízos ao trabalhador [4].

No caso acima noticiado, além de o acordo ter sido invalidado, a empresa foi multada por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por litigância de má-fé, sendo condenada ao pagamento de multas nos importes de 20% e 9,99%, respectivamente, incidentes sobre o valor da causa.

Noutro giro, a 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro da 1ª Região manteve a decisão da primeira instância que não homologou o acordo extrajudicial apresentado nos autos [5]. Em seu voto, a Desembargadora Relatora concluiu que o ajuste deve ser examinado sob a ótica do princípio protetor e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, com a finalidade de impedir a ocorrência de fraudes ou lides simuladas [6].

Frise-se, por oportuno, que com o advento da Lei nº 13.467/2017 foram inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho [7] os artigos 855-B a 855-E, os quais versam acerca do procedimento de jurisdição voluntária para a homologação de acordo extrajudicial.

Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Homero Batista [8]:

"Inseridos pela Lei 13.467/2017, os arts. 855-B a 855-E são bastante ambiciosos em sua proposta. Explica-se. Os juízes do trabalho desenvolveram grande preconceito com o crescimento alarmante das lides simuladas, assim entendidos os falsos processos trabalhistas, feitos exclusivamente para se obter a homologação de um acordo e quitar todo o contrato de trabalho.
Dado que o Brasil não oferece canais adequados para o diálogo social e dada a estrutura confusa sindical com que convivemos ao longo de décadas, involuntariamente a Justiça do Trabalho se tornou um raro espaço para apresentação de queixas, críticas e anseios do direito do trabalho. E, para complementar, ela oferece um mínimo de segurança as relações jurídicas ao atribuir o selo da coisa julgada — por meio dos julgados de mérito ou dos acordos homologados judicialmente".

Entrementes, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região tem regras específicas para os pedidos de homologação de acordos extrajudiciais e que são aplicadas no âmbito de sua jurisdição [9].

Logo, inobstante os acordos extrajudiciais tenham sido previstos pela Lei Reformista e efetivamente reconhecidos pela Justiça do Trabalho [10], caso constatado que o objetivo seja fraudar direitos trabalhistas para apenas obter a chancela judicial da coisa julgada, decerto que tais acordos poderão ser anulados, ou, ainda, nem sequer serem homologados em juízo.

De mais a mais, nos termos da Súmula nº 418 do Tribunal Superior do Trabalho [11], a homologação de acordo é uma faculdade do juiz, e não uma obrigação legal a ele imposta.

Aliás, o Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 142 [12], que uma vez convencido o juiz de que as partes se utilizaram do processo com o intuito de praticar ato simulado, este poderá impedir o objetivo de ambos, e, ainda, aplicar-lhes penalidades.

No mesmo sentido, o artigo 966, inciso III, do referido diploma legal, ao versar sobre o instituto da ação rescisória, estabelece que "a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei".

Se é verdade que as partes detêm autonomia para a composição, e, uma vez homologada a avença esta se torna uma decisão irrecorrível; de igual modo o juiz poderá recusar a homologação do acordo se constatada ofensa de ordem pública ou efeitos nefastos para terceiros, notadamente para o trabalhador.

Nesse diapasão, o Ministério Público do Trabalho, de forma didática, ilustrou através de quadrinhos [13] a temática da lide simulada, com o propósito de alertar o trabalhador quando do seu desligamento da empresa.

Contudo, o trabalhador também poderá sofrer penalidades, inclusive ser condenado por litigância de má-fé, caso fique constatado que deixou de expor os fatos em conformidade com a verdade dos fatos e/ou que teria simulado uma situação [14].

De qualquer sorte, impende ressaltar que não somente as partes, mas como também os seus representantes, todos poderão ser penalizados. Por isso, uma vez constatada a existência de lide simulada, e desde que comprovada a participação direta e envolvimento dos respectivos advogados, estes poderão ser punidos junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil [15].

Em arremate, conquanto possa haver concessões mútuas no momento das transações, o que não se pode admitir é que o processo seja utilizado como um mecanismo para burlar a legislação celetária, e tampouco que o acordo homologado possa implicar em renúncia de direitos trabalhistas.


[7][7] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 18/4/2022.

[8] CLT comentada – 3ª ed. – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021. Página 670.

[12] Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.

[13] Disponível em http://mptemquadrinhos.com.br/pdf/HQ26.pdf. Acesso em 19/4/2022.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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