Ambiente jurídico

A proteção das florestas no âmbito do Direito Internacional — parte II

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16 de abril de 2022, 8h00

Em artigo de 12/3/2022 anotei1 que a proteção das florestas tem cada vez mais ocupado ambientalistas, economistas, biólogos, juristas, políticos e a população em geral, em diferentes perspectivas; a cobertura vegetal é relevante na proteção da biodiversidade, no sequestro de carbono, na proteção da atmosfera e na regulação do clima, na produção e manutenção da água. É também um recurso econômico que movimenta bilhões de dólares no comércio mundial, fornece matéria prima para uso dos humanos e ocupa grandes áreas que podem ser utilizadas para outro fim. 

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Anotei também o interesse de todos na proteção e restauração das florestas, ante o reflexo importante nas mudanças climáticas, nas chuvas, na biodiversidade e na conservação das espécies, que ultrapassam fronteiras; e que a sua proteção coloca em choque dois interesses igualmente protegidos, a soberania (segundo a qual compete ao país onde localizada, a quem a floresta ‘pertence’) e o interesse de todos, indicado em discussões e documentos produzidos em órgãos das Nações Unidas. Vários instrumentos foram produzidos, mas apenas ‘soft law’ sem força cogente em que predominante a recomendação para a gestão sustentável das florestas pelo país onde se localizam. Prevaleceu o interesse econômico, minorado e contido pelas restrições e cuidados impostos, sobre o interesse ambiental.

As florestas no Brasil são protegidas por extensa linhagem legal. A Lei de Responsabilidade Civil em virtude de Danos Nucleares (LF nº 6.453/77); a Lei de Criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente- Ibama (LF nº 7.735/89); a Lei dos Agrotóxicos (LF nº 7.802/89); a Lei de Recursos Hídricos (LF nº 9.433/97); a Lei dos Crimes Ambientais (LF nº 9.605/98); a Lei da Política Nacional da Educação Ambiental (LF nº 9.795/99); a Lei do Sistema de Unidades de Conservação da Natureza (LF nº 9.985/00); a Lei da Biossegurança (LF nº 11.105/05); a Lei da Mata Atlântica (LF nº 11.428/06) a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (LF nº 11.445/07); a Lei da Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (LF nº 11.516/07); a Lei da Política Nacional da Mudança do Clima (LF nº 12.187/09); a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (LF nº 12.305/10); Lei de Acesso à Informação Ambiental (LF nº 12.527/11); a Lei sobre Competência Administrativa em Matéria Ambiental (LCF nº 140/11); o Código Florestal (LF 12.651/12); a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (LF nº 14.119/21). O Estado de São Paulo, como outras unidades da federação, possui também a sua Lei Estadual de Mudanças Climáticas (LE nº 13.798/09). Tais leis, direta ou indiretamente, redundam na proteção das florestas e da vegetação em geral.

Que papel cumpre, nesse extenso e variado panorama legal, o Direito Internacional Ambiental? O Direito Internacional é produto da negociação e dos acordos feitos entre as nações, respeitada a soberania de cada uma; estabelece normas a serem seguidas por cada país no interesse comum e evita conflitos mais sérios, permitindo e facilitando a convivência pacífica de todos2. O Direito Internacional Ambiental, por sua vez e mais que as outras áreas, mais de que da teoria, é fruto dos fatos que descrevem os problemas ambientais globais como a mudança do clima, a destruição da camada de ozônio, a extinção das espécies e perda da biodiversidade, a contaminação das águas, do ar e da terra através do mundo, que surgidos em uma região afetam ou poderão afetar outras regiões; dedica-se também ao estudo da atividade humana [a raiz de cada problema ambiental], e da expansão dessas atividades em decorrência do aumento da população e do consumo; e mais que os outros ramos do direito internacional, nos lembra que o problema ambiental é um problema global, que afeta a todos e cuja solução depende de uma ação conjunta. É, se assim quisermos dizer, o ramo mais humano do direito das nações, que expõe a nossa interdependência e nos obriga a olhar em volta.

O direito internacional reflete de um modo direto no direito interno; implica na adequação das leis aos princípios e normas dos tratados, acordos e convenções. Conferem direito, como disposto na Constituição Federal: convivem com os direitos e garantias expressos na Constituição e terão valor equivalente às emendas constitucionais, se referentes a direitos humanos [que incluem os direitos ambientais] e forem aprovados por três quintos dos senadores e deputados estaduais, em dois turnos (art. 5º, § 2º e 3º). Conferem, portanto, legitimação ativa e base legal para que o cumprimento seja exigido, em juízo ou fora dele, da autoridade responsável. Essa evolução na compreensão dos direitos tem levado a uma crescente judicialização das grandes questões ambientais com base no direito local e no direito internacional, como exposto com felicidade por Gabriel Wedy, Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer nesta coluna, em artigo recente3.

Serve também como um guia que evita desvios na aplicação do direito interno, fruto da alteração ou revogação das leis ou de sua errônea aplicação.

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela de uma essencial inexauribilidade. (Antonio de Andrade Ribeiro Junqueira v. Presidente da República, MS nº 22.164-SP, STF, Plenário, 30-10-1995, Rel. Celso de Mello)

Os tratados, acordos e compromissos internacionais são parte relevante do voto da Min. Carmen Lúcia, relatora da ADPF nº 760-DF, com julgamento recém iniciado e com extensa citação daqueles relevantes ao direito brasileiro: a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972, o Relatório Bruntland de 1987 (‘Nosso Futuro Comum’), a Declaração do Rio – ECO-92, a Convenção sobre Diversidade Biológica aprovada pelo DF nº 2.519/98, o Acordo-Quadro sobre o Meio Ambiente do Mercosul aprovado pelo DL nº 333/03 e no Protocolo Adicional ao Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul aprovado pelo DF nº 7.940/13, o Acordo de Paris de 2015, a Agenda 2030 da ONU, entre outros. No dizer da relatora:

Os compromissos constitucionalmente definidos no Brasil, incluídos aqueles adotados nas relações internacionais, patenteiam que a dignidade ambiental e a garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não são questões governamentais, senão compromissos de Estado. Seja quem for o dirigente ou agente estatal ao qual compete o desempenho das políticas públicas referentes ao meio ambiente e à saúde de todos, viventes presentes e futuros do Planeta, os deveres fundamentais postos nas normas constitucionais e nos tratados internacionais, aos quais tenha dado adesão o Brasil, configuram obrigação fundamental insuperável e indeclinável do Estado. Seu descumprimento, assim, por um ou outro Poder estatal, por qualquer agente, órgão ou entidade pública ou particular desatende o direito, descumpre a Constituição e impede a realização da Justiça em matéria ambiental para a presente e futuras gerações.4

Aguardemos o término do julgamento; mas desde logo se vê no voto da relatora, uma forte reação à desconfiguração da proteção ambiental que vem ocorrendo nos últimos anos sob o manto de aparente legalidade, que a proteção ambiental não pode olvidar o nosso futuro comum, os fatos e a ciência a ele relacionadas e os compromissos assumidos pelo Brasil. E, dentre eles e dentre tais fatos, a proteção das florestas encontra forte substrato no direito interno e no direito internacional, que o direito interno não pode contrariar à toa. As florestas contam com forte proteção legal e internacional e com o entendimento dos juízes; é preciso que essa compreensão convença a administração e a parte da população que ainda não despertou para a gravidade da sua destruição.


1 ConJur – A proteção das florestas no âmbito do Direito internacional

2 A recente invasão da Ucrânia pela Rússia, lamentável em todos os aspectos, reforça a necessidade e a importância do direito internacional, da negociação entre os países e da obediência a essas regras mínimas de convivência.

3 ConJur – Supremo: pauta verde e precedentes internacionais, 2-4-2022

4 ADPF nº 760-DF, STF, Plenário, Rel. Carmen Lúcia, julgamento suspenso por pedido de vista. A citação está a fls. 50 do voto, disponível no site do STF. Interessante análise desse julgamento, ainda em início: FERNANDA LAMOUNIER DE CARVALHO, in O direito internacional no julgamento da Pauta Verde pelo STF – International Law Agendas (ila-brasil.org.br)

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