Prática Trabalhista

Há limites para a liberdade de expressão de funcionários nas redes sociais?

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

14 de abril de 2022, 8h00

Em tempos de grande impacto das redes sociais na vida das pessoas, retorna a discussão um assunto sensível no que tange aos limites da liberdade de expressão: afinal, pode um empregado ser dispensado no caso de extrapolação do exercício de tal direito? E mais, nessa hipótese, o despedimento poderia ser por justa causa? O assunto é problemático!

Com efeito, é de conhecimento público e notório a velocidade de transmissão de mensagens divulgadas nas redes sociais. Isso porque, em questão de minutos, são visualizadas e compartilhadas por um enorme número de indivíduos.

Aliás, um levantamento concluiu que o Brasil é o terceiro país do mundo que mais utiliza as redes sociais, sendo que as redes mais acessadas são YouTube, WhatsApp, Facebook e Instagram [1].

Entrementes, outro estudo sobre o uso das redes sociais no ano de 2020 apontou que o Brasil é o país mais influenciado pelos conteúdos advindos das redes sociais [2].

Spacca
Dito isso, na área trabalhista, recentemente uma trabalhadora teve a justa causa do seu extinto pacto laboral mantida por tecer críticas a então empregadora nas redes sociais [3]. O caso foi julgado em primeira instância pela Justiça do Trabalho de São Paulo e encontra-se em fase recursal. Para o juiz do caso, a autora excedeu o seu direito de expressão, vez que o conteúdo das postagens tinha o potencial de manchar a imagem da empresa (honra objetiva) [4].

Do ponto de vista internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe, em seu artigo 19, que "todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".

Já a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (Lei nº 27/2021) assegura, em seu artigo 4º [5], a liberdade de expressão em ambiente digital, sem prejuízo do estabelecido na legislação em relação a condutas ilícitas.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal traz em seu artigo 5º, inciso IV [6], a liberdade de expressão como um direito e garantia fundamental.

Lado outro, a Consolidação das Leis do Trabalho traz um rol das condutas que ensejam a ruptura contratual por justa causa, dentre elas, o ato lesivo a honra e a boa fama contra o empregador [7].

Segundo os ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado [8]:

"O presente tipo legal também envolve a injúria, a calúnia ou a difamação, além da agressão física. Seu diferencial encontra-se no fato de que os atos infracionais são praticados contra o próprio empregador ou superiores hierárquicos do obreiro, e, além disso, independente desse tratar ou não do próprio local de trabalho.
A não exigência do aspecto circunstancial enfatizado na alínea 'j', acima (local do serviço), justifica-se pelo fato de as ofensas e agressões ao empregador ou as suas chefias contaminarem, obviamente, o contrato de trabalho, repercutindo, direta ou indiretamente, no ambiente laborativo, ainda que praticadas longe dele".

Noutro giro, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 [9], que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, disciplina o respeito a liberdade de expressão, contudo, tem como um de seus preceitos a responsabilidade do agente de acordo com as atividades praticadas [10].

De outro norte, o Código Penal no capítulo dos crimes contra a honra, no seu artigo 141, §2º [11], triplica a pena nos casos dos delitos de calúnia, injúria ou difamação que forem cometidos ou divulgados nas redes sociais.

Portanto, inobstante o direito à liberdade de expressão e o direito de acesso à internet serem fundamentais, tais direitos não são absoluto, notadamente quando expõe negativamente outras pessoas em público.

Frise-se, por oportuno, que ao extrapolar o direito de expressão, em caso de insatisfação com o seu empregador, principalmente de maneira inadequada, esta conduta poderá repercutir desfavoravelmente ao trabalhador, podendo ensejar a ruptura contratual por justo motivo.

E mais, impende ressaltar que não somente atos ofensivos ao empregador poderá ensejar a ruptura contratual por justa causa, como também a divulgação de conteúdo negativo, pejorativo e/ou nocivo em relação aos próprios colegas de trabalho.

Nesse sentido, um funcionário da Ambev foi demitido após fazer comentários homofóbicos na rede social [12]. A empresa emitiu um comunicado informando que "não aceita, em hipótese alguma, que as pessoas faltem com o respeito ou sejam preconceituosas".

Se é verdade que o empregado tem direito de expressar livremente as suas opiniões e sentimentos, de igual modo esse direito não pode ofender ou macular a imagem do seu empregador e/ou de terceiros.

Além disso, em face do grande alcance das redes sociais nos dias atuais, vale pontuar que os empregados devem ser orientados quanto às consequências negativas pelo seu uso inapropriado.

De mais a mais, a problemática das redes sociais não diz respeito somente a questões durante ao horário de trabalho, mas também, e, sobretudo, o que acontece fora deste e que, por certo, pode impactar direta e contrariamente os interesses da empresa.

Em arremate, é imperioso que a liberdade de expressão não afronte outros direitos e princípios constitucionais igualmente garantidos pela Carta da República, assim como respeite os limites legais, a ética e o bom senso.


[1] Disponível aqui. Acesso em 12/4/2022

[2] Disponível aqui. Acesso em 12/4/2022

[5] Artigo 4º.
Liberdade de expressão e criação em ambiente digital

1 – Todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento, bem como de criar, procurar, obter e partilhar ou difundir informações e opiniões em ambiente digital, de forma livre, sem qualquer tipo ou forma de censura, sem prejuízo do disposto na lei relativamente a condutas ilícitas.

[6] Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[7] Artigo 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (…). k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

[8] Curso de direito do trabalho. Maurício Godinho Delgado. – 15 ed. – São Paulo: LTr, 2016.página 1338.

[10] Artigo 3º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: (…). VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

[11] § 2º. Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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