Opinião

Por que o etanol hidratado ainda não foi incluído na monofasia tributária?

Autor

  • Jefferson Rejaile

    é presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis do Estado de Santa Catarina (Sindesc) e afiliado à Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis Gás Natural e Biocombustíveis (BRASILCOM).

14 de abril de 2022, 19h04

A implementação da tributação monofásica no produtor de combustíveis e da tributação "ad rem" (valor pré-definido por litro) é um pleito muito antigo do segmento. Todo o setor concorda que esse modelo implicará em previsibilidade, transparência de preços e margens, além de clareza em alterações fiscais.

Um dos maiores bônus a ser percebido pela medida será reprimir a prática criminosa e desleal da sonegação fiscal. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a perda anual estimada no mercado de combustíveis, com fraudes tributárias, é de R$ 14 bilhões. Temos plena convicção de que o modelo adotado pelos estados, com o desconto sobre o valor da alíquota principal, não é o ideal e pode gerar distorções. Devemos buscar a melhoria do modelo e conceitos e, sem dúvida, chegaremos ao lugar ideal.

O etanol hidratado (aquele que é utilizado puro no abastecimento dos carros) foi excluído do modelo de monofasia e tributação "ad rem". Temos nesse produto líquido renovável, a possibilidade de mover um motor a combustão, além de uma tecnologia amplamente dominada pelo Brasil em todas as etapas: produção a partir da cana-de-açúcar (e agora do milho), eficiência das lavouras, produtividade, conformidade ambiental, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de etanol de segunda e mais gerações, investimento tecnológico na indústria e na qualidade e eficiência do produto, além de motores de carros que rodam com etanol ou gasolina e que o consumidor só perceberá a diferença no momento da escolha. Rodar com um ou com outro não apresenta diferença quanto ao conforto e potência.

A diferença está no ganho ambiental, no desenvolvimento da indústria no Brasil, na difusão e desenvolvimento tecnológico, na interiorização da riqueza, na diminuição da dependência da gasolina e seus riscos de volatilidade de preços, conflitos, concentração de mercado, monopólio estatal ou privado etc. Temos uma solução ambientalmente adequada à mobilidade sem a alteração de motor, sem o problema das baterias, sem o problema dos riscos do sistema elétrico, de gerar energia com fontes fósseis pela falta de chuva, vento, sol, ou qualquer outro fator. No mercado interno, ao invés de poucas refinarias concentradas na costa brasileira, teríamos mais de 400 usinas produzindo etanol por todo o país.

Por tudo o que dissemos até agora, a substituição da gasolina pelo etanol hidratado seria o caminho mais coerente e adequado à sociedade brasileira e aos empresários do setor. Contudo, o etanol hidratado foi excluído do modelo de tributação monofásica. Não conseguimos entender a razão. A sua tributação permanece no modelo antigo, tendo parte arrecadada pelo produtor e parte pelo distribuidor.

Das cinco formas de sonegação apontadas pela FGV em seu relatório publicado em 8 de julho de 2021, duas são praticamente exclusivas do etanol hidratado, são elas: "Barriga de Aluguel, utilizada principalmente no mercado de etanol, ocorre quando a usina vende direto aos postos, se utilizando de uma distribuidora fictícia, que emite notas fiscais 'frias'. Essas empresas chamadas de “Barrigas de Aluguel", chegam a acumular débitos tributários entre R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão/ano. Devedor Contumaz, são empresas que operam legalmente, por quatro a seis anos, sonegando o imposto e acumulando débitos fiscais. Ao recorrerem dos autos de infração, por via judicial, acumulam débitos e impedem que os Estados consigam arrecadar os débitos cobrados judicialmente. Na fase final do julgamento do mérito das ações, na iminência de perder a causa, essas empresas são fechadas e novas empresas, em seguida, são abertas, com novos CNPJs. O valor de dívida ativa inscrita, somente ICMS do setor de combustíveis, é superior a R$ 65 bilhões. Embora os estados costumem ganhar mais de 90% das ações judiciais de cobrança, eles recebem aproximadamente o correspondente a 1% do valor" [1].

Observamos que são fraudes extremamente elaboradas e conhecidas das autoridades. No caso do devedor contumaz, este se utiliza do poder judiciário, induzido a erro, e dos mecanismos do Estado, o que acaba impedindo a coibição dessa prática criminosa. Sendo uma prática tão consolidada e conhecida, o que motivou o legislador a excluir o etanol da tributação monofásica? O Estado pode abrir mão de tantos bilhões de reais? Quanto poderíamos ter em investimento nas carências brasileiras, em redução de custos no próprio combustível, em ganhos ambientais e sociais, como geração de emprego e renda, se tivéssemos a ampla divulgação e consumo do etanol?

Há muita especulação sobre o motivo da retirada do etanol hidratado do projeto, no entanto, especulação não é fato e não podemos ser levianos em enumerar informações não comprovadas. Mas, infelizmente, boa parte do etanol hidratado permanece sendo vendido por empresas que sonegam e são responsáveis por rombos bilionários em uma sociedade tão carente de investimentos. Fica a pergunta: Até quando ficaremos reféns dessa prática criminosa, mesmo sabendo o caminho para combatê-la?

[1] Informações extraídas do Relatório Final Consolidado — Produto 2, páginas 23 e 24, publicado pela Fundação Getúlio Vargas em 8 de julho de 2021 e publicado no endereço eletrônico do Instituto Combustível Legal (ICL).

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    é presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis do Estado de Santa Catarina (Sindesc) e afiliado à Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (BRASILCOM).

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