Opinião

A revogação de condenações em ações de improbidade por força da Lei 14.230

Autor

  • Arnaldo Rizzardo

    é advogado desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e membro da Academia Brasileira de Direito Civil. É autor da coleção de Direito Civil publicada pela Forense-Gen.

14 de abril de 2022, 20h03

É de suma importância que se observe um dos principais disciplinamentos trazidos pela Lei 14.230, de 25/10/2021, que modificou substancialmente a Lei 8.429, de 2/6/1992: a possibilidade de revogação das condenações já impostas, mesmo que em sentenças transitadas em julgado mas não cumpridas no todo ou em parte, se afastadas as infrações que resultaram em condenação pela Lei 8.429/1992, antes da Lei de 2021.

Como premissa, tem-se em conta que passou a prevalecer o caráter sancionatório, equiparando a lei de improbidade administrativa à lei penal (artigo 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, na redação da Lei 14.230/2021).

Para exemplificar, algumas das condutas do artigo 10 (inciso XXI), a do art.10-A, e as do artigo 11 (incisos I, II, IX e X) da Lei 8.429/1992, deixaram de constituir atos de improbidade administrativa. Outrossim, várias figuras que vinham nos destacados artigos tiveram a redação alterada, passando para uma tipificação diferente daquela que impôs a condenação.

Em outro exemplo, a improbidade administrativa, pelo atual panorama vindo com a Lei 14.230/2021, impõe a ocorrência de prejuízo da entidade pública. Em certos casos, não mais se deve definir como improbidade administrativa aquelas condutas que consideravam dano presumido ao erário, uma vez que a nova redação dada pela Lei 14.230/2021 ao artigo 10, caput e seu inciso VIII, da Lei 8.429/1992, é clara ao dispor que, ainda nos casos de violação do procedimento licitatório, as ações pautadas em dano ao erário deverão demonstrar efetiva e comprovada perda patrimonial em prejuízo do poder público, sendo vedada qualquer presunção nesse esteio, no que se revela incisivo o artigo. 10: "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente, (…) VIII frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva".

Isso é o mínimo, diante de novas disposições que tratam da prescrição e da incidência mesmo nas ações condenatórias já transitadas em julgado, em que houve condenação.

Realmente, mesmo que tenha havido condenação transitada em julgado, com a imposição de uma ou várias condenações, se tais condenações se ampararam em dispositivos que foram revogados e mesmo modificados, fatalmente deixam de existir e de serem exigidas, pois a lei mais benigna tem efeitos no passado, em observância ao artigo 5º, inciso XL da CF, pelo qual a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Tem-se como prevalecente a retroatividade da lei mais benigna. Pelo parágrafo único do artigo 2º do Código Penal, a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Há a aplicabilidade imediata a todo e qualquer processo em curso, no estágio em que se encontra, desde que respeitados os atos já realizados e os efeitos por eles produzidos sob o regime da legislação anterior.

Estende-se a exegese às alterações da configuração da espécie que determinou a condenação.

Como consta, a lei mais benigna alcança as condenações já transitadas em julgado.

Portanto, todas as condenações não cumpridas, na sua íntegra ou em parte, submetem-se à lei 14.230/2021, não importando o trânsito em julgado.

Problema mais delicado aparece quanto à prescrição, diante da completa inovação da matéria pela Lei 14.230/2021. Antes da reforma, pela Lei 8.429/1992 contava-se o prazo através de três fórmulas diferentes, sendo de cinco anos que iniciava nas datas do término de mandato, de cargo em comissão ou função de confiança; ou igual ao prazo prescricional previsto em leis especiais quando de atos puníveis com demissão a bem do serviço público; ou de cinco anos da apresentação de contas ao órgão competente — artigo 23, I a III, Lei 8.429/1992.

Pela Lei 14.230/2021, a prescrição, que passou para oito anos, conta-se a partir da ocorrência do fato ou do dia em que cessou a permanência, na hipótese das infrações permanentes. Apresenta a Lei 8.429/1992 situações de interrupção e de início de novo prazo, que passa para quatro anos (metade do prazo de oito anos) a prescrição a contar do ajuizamento da ação de improbidade; da publicação da sentença condenatória; da publicação de decisão ou acórdão de TJ ou TRF que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; e da publicação de decisão ou acórdão do STJ ou do STF que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.

No entanto, não há de se cogitar na revisão de decisões transitadas em julgado, para aferir se ultrapassado o prazo da nova lei ao longo de sua duração, e pretender a invalidação das condenações. Unicamente às condenações transitadas em julgado incide a lei mais benigna.

Autores

  • é advogado, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e membro da Academia Brasileira de Direito Civil. É autor da coleção de Direito Civil, publicada pela Forense-Gen.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!