Opinião

Fishing expedition: os fins justificam os meios?

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11 de abril de 2022, 18h11

Recentemente, o espectador mais atento tem notado o aumento de notícias em que autoridades e figuras públicas em geral denunciam acessos imotivados e ilegais em suas vidas privadas, sem qualquer respaldo legal para tal, anteriormente à deflagração de um processo punitivo ou início de investigação.

O tema é importante, pois, de fato, verifica-se uma arraigada e velada prática da chamada expedição de pesca, tradução livre do termo fishing expedition, que designa situação na qual é embrenhada uma ilegal prospecção investigatória e invasiva de patrimônio e registros que não têm relação com qualquer investigação.

De origem no direito anglo-saxão e norte americano, o instrumento também tem sido utilizado no Brasil, ao arrepio da lei. Muitas vezes, órgãos de acusação e investigação, empenhados em seu mister, "pescam" indícios de ilegalidade, para depois iniciar procedimentos formais, escorados em convenientes denúncias anônimas lapidadas de acordo com as conclusões preliminares, colhidas sem observância à lei.

E disso resulta a proliferação de processos sancionadores, sejam criminais, administrativos, ou disciplinares, que, ainda que se tenha encontrado, nas expedições ilegais, indícios de infrações à lei, não têm qualquer legitimidade.

Espectadores desatentos podem pensar que os "fins justificam os meios", de modo que, se algo foi encontrado de ilícito, tanto faz se esse achado ocorreu antes ou depois de um procedimento formal.

No entanto, é inadmissível chancelar procedimentos que se originam de atos de perseguição em total desrespeito ao Estado Democrático de Direito. Em um dia se está utilizando procedimentos inconstitucionais para capturar corruptos, em outro, o corrupto será o sistema, implacável na perseguição de qualquer cidadão. Garantias são essenciais em uma sociedade democrática e pautada por uma ordem constitucional.

Ultrapassando-se a seara do processo penal, é necessário lançar luzes sobre os processos administrativos disciplinares que, sendo procedimentos inquisitoriais sancionadores, com possibilidade de consequências drásticas na vida dos acusados, tendo em vista a previsão de penas capitais de demissão ou de cassação de aposentadoria, devem ter um garantismo mínimo assegurado.

Por isso, a denúncia, um dos principais meios de comunicação e início de investigações pelas Corregedorias, deve observar alguns requisitos para que seja aceita. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça aprovou importante súmula sobre a possibilidade de utilização de denúncia anônima para instauração de PAD. Vejamos:

"Súmula 611-STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é possível a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração." STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

Segundo o STJ, não há ilegalidade na instauração de processo administrativo com fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração e, por via de consequência, ao administrador público.

Porém, logicamente, o verbete não é um salvo conduto para investigações informais que violam os sigilos bancário e fiscal de alguém, fora das estritas hipóteses de afastamento.

A jurisprudência, que infelizmente não consegue acompanhar a velocidade dos fatos, já vem timidamente atentando, e combatendo, essa prática nefasta. Vale mencionar trecho da decisão do ministro Gilmar Mendes no HC 163461, julgado em 5/2/2019 (processo eletrônico DJE-192, divulg. 31/7/2020 public 3/8/2020): "O controle judicial prévio para autorizar a busca e apreensão é essencial com a finalidade de se verificar a existência de justa causa, de modo a se evitar fishing expedition (investigações genéricas para buscar elementos incriminatórios aleatoriamente, sem qualquer embasamento prévio)".

Aguardamos, sinceramente, o fim da temporada de pescas.

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