Direito Eleitoral

Inócua decisão: Telegram, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Autor

  • José Maurício Linhares Barreto Neto

    é coordenador do Programa de Integridade da Cidade de São Paulo mestrando na FGV-SP pós-graduado em Direito Penal Empresarial e Criminalidade Complexa no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep).

11 de abril de 2022, 8h00

No dia 18/3/2022 o ministro Alexandre de Moraes determinou, num movimento já esperado, a suspensão do Telegram. Em poucas horas, de modo nada surpreendente também, grupos bolsonaristas já driblavam a proibição a partir do uso de rede virtual privada (VPN) ou proxy, ou seja, os usuários através desta manobra simulavam outra origem de acesso, fora do país.[1]

No início do mesmo mês, a Abradep promoveu em evento o debate sobre a suspensão ou não da rede de mensagens instantâneas, e dentre os primeiros embates estava se as plataformas e seus usuários poderiam sofrer restrições tendo em vista os limites da liberdade de expressão, que fora deles, produz desinformação e conteúdo de ódio, violando, sobretudo, o princípio da dignidade humana.

No caso do Brasil — e no mundo — as democracias parecem "desmoronar", e, logo existe a romantização para a suspensão das redes sociais e de mensagem instantânea. Não me parece correto esse caminho e decisão do Ministro Alexandre. Vamos aos argumentos:

– Como apontado, a tecnologia permite dribles a partir de proxy e VPN, aliás, até mesmo conseguimos comprar chips digitais de outros países —fora do âmbito +55 — para o acesso ao Telegram[2]. Os efeitos dessa decisão, na verdade, não alcançam o resultado esperado;

– Os usuários podem migrar para outra plataforma seja de formato igual, ou diferente, como o TikTok. O Telegram pode ser um problema, todavia, o ovo da serpente pode estar em outro lugar e a justiça reforçar tal fato;

– Efeito rebote: a proibição poderá ser um ótimo argumento e oportunidade para outras proibições ou uso de uma narrativa que o STF e TSE estão sendo autoritários e impedindo um ou mais candidatos de se manifestar. Cada passo do Judiciário é importantíssimo para fortificar o crédito nas eleições e urnas. Nos parece cedo ainda uma decisão como essa;

Temos remédios legais por meio de ações eleitorais, como AIJEs, AIMEs, Direito de Reposta, Reclamações por Propaganda Irregular, bem como leis para o respaldo para futuros ilícitos, como LGPD, Resoluções Eleitorais e Marco Civil da Internet. Mesmo que o Telegram não possa ser citado e intimado, o candidato poderá ser punido por seus abusos, até mesmo a perda do mandato;

– A Justiça Eleitoral não é a única autoridade para discutir a suspensão. As redes sociais e de mensagem instantânea possuem um ecossistema que gira em torno de outros ramos do direito, como consumidor, cível, concorrencial, regulatório, proteção de dados pessoais. Assumir tal papel centralizador é analisar unilateralmente a soluções sem observar que existem empresas, consumidores e outras entidades responsáveis;

O problema de desinformação e ódio se combate com mais informação e mecanismos de veracidade, como a promoção de uso de plataformas com Blockchain[3] e agência, como Fato ou Fake, Boatos.org, etc. A proibição não impede uma conduta.

Em conclusão, a decisão mostra um forte posicionamento do Judiciário, necessário, no entanto, impreciso. Alexandre, mas dessa vez O Grande, certa vez disse: "Lembre-se que da conduta de cada um depende o destino de todos". Dessa maneira, resta aguardar os novos capítulos e o destino dessas eleições. O que vamos esperar?

Autores

  • é sócio fundador da Cardoso, Siqueira & Linhares; pós-graduado em Direito Penal Empresarial e Criminalidade Complexa no IBMEC. Foi membro do grupo de pesquisa "Direito e Novas Perspectivas Regulatórias", coordenando o grupo de estudo da "Democracia, Eleições e Inovação" do LEDH.uff — Laboratório Empresa e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense; membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)

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