Direito Civil Atual

No que o pensamento tipológico pode auxiliar o Direito Civil atual?

Autores

  • Abrahan Lincoln Dorea Silva

    é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco) com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

  • William Galle Dietrich

    é advogado doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) como bolsista Capes/Proex membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDpro) e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

11 de abril de 2022, 11h29

Sendo certo que a produção de conhecimento — a Ciência — pressupõe necessariamente a existência de um objeto a ser conhecido, é interessante observar que algumas dificuldades de conhecimento já se iniciam com dúvidas sobre elementos da existência mesma desse objeto.

ConJur
É justamente sob essa dificuldade que Rodrigo Xavier Leonardo inicia sua abordagem em texto que tratou do pensamento tipológico e sua característica de método de investigação jurídico alternativo ao chamado método conceitual, o qual foi publicado no volume 16, no ano de 2018, na Revista de Direito Civil Contemporâneo.

Relembrando um importante "dilema" que se colocou para Georg Jellinek ao tentar empreender uma teoria geral do Estado: "como construir uma teoria geral do Estado se, quando comparados entre si, inexistem Estados idênticos?" [1], constata que uma das possíveis soluções para o problema deriva da diferença entre as ciências naturais e sociais: nas primeiras, existe a possibilidade de ler uma identidade em meio a pluralidade dos objetos; nas segundas — porque se concentram em objetos de natureza fragmentária — aquilo que é comum decorre de juízos de proximidade, seguindo-se disso, portanto, a necessidade de um approach por meio de "operações analógicas".

Destacando que essa visão foi responsável para que o pensamento jurídico perseguisse o status de ciência, o autor sustenta que é nessa perspectiva que se formaram os elementos científicos iniciais no e do Direito Civil. Com efeito, em seus contornos primevos, a Ciência do Direito procurou cooptar, nas muitas disparidades dos seu campo de observação, características convergentes. Uma vez depurados os elementos convergentes, tratou de organizá-los, sobretudo na construção de conceitos abstratos que eram trabalhados por derivações controladas pela lógica. Disso decorriam os raciocínios pertencente ao campo da lógica, concatenados em premissas e suas derivações, de modo semelhante ao das ciências naturais. [2]

Alternativo a esse método é aquilo a que se chama de método (ou pensamento) tipológico. Sem a pretensão de exercer um escrutínio sobre as vantagens e problemas do método conceitual, Rodrigo Xavier Leonardo passa a descrever algumas possíveis contribuições do pensamento tipológico para o Direito Civil atual.

Para o autor, a diferença essencial do pensamento tipológico estaria na manutenção do elemento particular. À medida que o método conceitual elimina a característica fragmentária em sua abstração, o pensamento tipológico, pelo contrário, não elimina "aquilo que é divergente, mas, ao contrário, considera-se o que é divergente como característica típica, o que permitiria preservar a imagem do todo sem desconsiderar os dados distintivos" [3]. Em outras palavras: sendo o pensamento conceitual mais rígido, responsável por anquilosar seu objeto de avaliação, apostando em contornos pouco dúcteis, o pensamento tipológico apresenta-se “assumindo os contornos imprecisos daquilo que se pretende designar” de forma que "procura estabelecer uma alternativa cognitiva mais maleável da realidade". [4]

Segundo Rodrigo Xavier Leonardo, haveria três contribuições em específico que o pensamento tipológico poderia entregar para a investigação de figuras não uniformes/fragmentadas. Em primeiro, a ausência de uma pretensão totalizante sobre os critérios —disso se seguindo que um objeto não necessariamente demanda que todas as suas características estejam presentes para que seja configurado ou, ainda, que a totalidade de suas características não seja in totum imprescindível na descrição. O autor menciona como exemplo o contrato com pluralidade de partes: "Esse traço característico não é suficiente para conduzir o investigador à conclusão de que se trata de um contrato plurilateral. Nem tampouco a ausência da pluralidade de partes pode afastar completamente o mesmo investigar da conclusão de que se trata de um contrato plurilateral."

A segunda característica reside na graduabilidade do pensamento tipológico. Isso significa, em suma — e conectando-se com a característica anterior — que a não verificação de uma característica em específico pode ser suprimida pela verificação de outra de primordial importância, a depender de sua intensidade. Em uma exemplificação, o autor menciona os contratos de adesão, afirmando que a inserção de uma cláusula pelo aderente poderia ser compensada pela verificação do estabelecimento, pelo proponente, de condições gerais para a contratação.

Por fim, a terceira contribuição reside no fato da aproximação do pensamento tipológico com a realidade. É dizer que, se no pensamento conceitual há uma pretensão de solução a priori das operações, o pensamento tipológico — justamente porque aberto ao elemento a posteriori através de sua graduabilidade — oferece elementos mais efetivos para a "busca de soluções inovadoras relacionadas a situações intermediárias". [5]

Esclarecidas as contribuições do pensamento tipológico, o articulista destaca a possibilidade que vem sendo sustentada por alguns autores de que "determinadas características sublinhadas em figuras contratuais possibilitariam o destaque de classes de estruturação de contratos mais amplas, que se inseririam mediatamente entre a teoria geral dos contratos e os contratos típicos" [6]. Destacam-se, nessas figuras, os contratos coligados, os contratos plurilaterais, os contratos por adesão etc.

O autor exemplifica o raciocínio com os contratos de adesão. Tais contratos comportam o manejo de contratos típicos, a saber o contrato de compra e venda que é por adesão; o contrato de prestação de serviços que é por adesão etc. Isso faz com que tais figuras ocupem um espaço intermediário entre os contratos típicos e os modelos vigentes na teoria geral dos contratos. Essa classe de estruturação de contratos mais ampla é um tipo contratual geral cuja função será a de fornecer as diretrizes do seu regime jurídico, sem prejuízo daquelas que já são existentes. No limite, esses tipos contratuais gerais auxiliam na garantia de racionalidade e segurança das práticas socioeconômicas que não possuem origem na lei ou na Dogmática Jurídica.

Após apresentar tais considerações, Rodrigo Xavier Leonardo enxerga no pensamento tipológico uma possibilidade de remediar o Direito Civil de um dos maiores problemas que o aflige atualmente, a saber, o ímpeto publicizante que faz com que o Direito Civil padeça com leituras inadequadas sobretudo do problema da Drittwirkung —como abordou Otavio Luiz Rodrigues Jr. em sua tese de livre-docência. [7] O aporte descritivo do pensamento tipológico, com suas evidentes consequências prescritivas, mostra-se um auxílio na organização e explicação da própria natureza dos tipos contratuais gerais. Além disso, tem-se um ganho de recrudescimento da segurança jurídica nas criações advindas da autonomia privada. 

Trata-se, portanto, de uma opção intermediária que, nas palavras do autor, situa-se entre o "conceitualismo metodológico exacerbado" e o "sociologismo estéril" [8]. Opção que se mostra cada dia mais necessária para o Direito Civil contemporâneo.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


[1]  LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018. O texto pode ser parcialmente consultado no seguinte link: https://www.academia.edu/39153313/O_pensamento_tipol%C3%B3gico_no_Direito_Civil_e_os_tipos_contratuais_gerais.

[2] Questão interessante é a pergunta sobre a genealogia desses conceitos. Segundo Karl Larenz, as operações iniciam-se em determinados pontos valorativos advindos da filosofia do Direito. Veja-se aquilo que diz o jurista alemão sobre Puchta: “a ‘genealogia dos conceitos’ ensina, portanto, que o conceito supremo, de que se deduzem todos os outros, codetermina os restantes através do seu conteúdo. Porém, de onde procede o conteúdo desse conceito supremo? Um conteúdo terá ele de possuir, se é que dele se podem extrair determinados enunciados e esse conteúdo não deve proceder dos conceitos dele inferidos, sob pena de ser tudo isto um círculo vicioso. Segundo PUCHTA, este conteúdo procede da filosofia do Direito: assim consegue um ponto de partida seguro com que construir dedutivamente todo o sistema e inferir novas proposições jurídicas. Mas, se analisarmos mais em concreto, o a priori jusfilosófico do sistema de PUCHTA não é senão o conceito kantiano de liberdade” (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 25).

[3] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018.

[4] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018.

[5] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018.

[6] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018.

[7] RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Direito Civil Contemporâneo: estatuto epistemológico, constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019.

[8] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O pensamento tipológico no Direito Civil e os tipos contratuais gerais. Revista de direito civil contemporâneo, v. 16, p. 121-135, 2018.

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    é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco), com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon, ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

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    é advogado na Raatz e Anchieta Advocacia, mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos e da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro).

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