Opinião

Parece mas não é o fim da discussão: PIS/ Cofins e taxa da administradora de cartão

Autores

  • Eduardo Muniz Cavalcanti

    é advogado sócio do escritório Bento Muniz e Procurador do Distrito Federal mestre em Direito Público com ênfase em Direito Tributário e Financeiro pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) diploma de Estudos Avançados em Direito Tributário na Universidade de Salamanca (Espanha) ex-membro do Comitê de Acompanhamento Avaliação e Seleção do Carf e ex-procurador da Fazenda Nacional procurador Federal e procurador do Estado de Minas Gerais.

  • Daniela de Sousa Teixeira

    é graduanda em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

11 de abril de 2022, 6h33

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no último dia 21 de março, ao apreciar o Tema 1.024 da repercussão geral, fixou a seguinte tese: "É constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito".

A decisão do STF parece ter colocado um ponto final no tema, só que não. A definição não afasta a tese dos contribuintes relativa à possibilidade de as taxas devidas às administradoras de cartão serem aproveitadas como insumos para fins de aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins. Este tema está pendente de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos autos do REsp nº 1.642.014, de relatoria do ministro Og Fernandes.

Na discussão analisada pelo Supremo, os contribuintes defendiam haver retenção em percentual variável pelas administradoras, quando o pagamento é efetuado mediante cartões de crédito e débito, a título de remuneração pelo serviço prestado e, portanto, a empresa não receberia a totalidade do valor pago pela mercadoria vendida. O valor retido, então, não poderia ser considerado faturamento para fins de incidência do PIS e da Cofins. A Corte, por sua vez, concluiu pela necessidade de tributação das referidas taxas na origem, por constituírem custo operacional das empresas, integrando o seu faturamento. Essa decisão impacta especialmente as empresas optantes pelo regime tributável do lucro presumido, as quais apuram as contribuições pela sistemática cumulativa.

O tema pendente de julgamento pelo STJ, de outro lado, é mais relevante às empresas optantes pelo lucro real, sujeitas à apuração dos tributos pela sistemática não cumulativa. Por este regime de tributação, é assegurado ao contribuinte o direito de deduzir do tributo devido os créditos de PIS e CofinsOFINS compreendidos no valor dos insumos utilizados na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, nos termos do artigo 3º das Leis nºs 10.637, de 2002 e 10.833, de 2003.

A partir do julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR (Temas 779 e 780) pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, ficou definido que, para fins de creditamento na forma do artigo 3º das leis supramencionadas, consideram-se insumos os produtos essenciais ou relevantes para o desenvolvimento da atividade desempenhada pela empresa, seja direta ou indiretamente. Conforme entendimento firmado pela Corte Superior, esses critérios devem ser examinados dentro do chamado "teste da subtração", de modo a verificar a importância do bem para a realização da atividade empresarial, mediante a impossibilidade de sua retirada ou, no mínimo, a perda de qualidade.

A Receita Federal, contudo, tem entendido pela impossibilidade de empresas atuantes no ramo comercial apurarem créditos na modalidade de insumos, os quais seriam restritos aos bens e serviços utilizados/desgastados efetivamente na produção de bens destinados à venda e na prestação de serviços, de modo que apenas os gastos diretamente relacionados ao processo produtivo gerariam créditos de PIS/Cofins, conferindo interpretação similar à sistemática de crédito físico do IPI.

O regime de créditos vinculado à técnica da não-cumulatividade, em se tratando do PIS e da Cofins, não encontra na Constituição perfil idêntico ao do IPI. No âmbito da não-cumulatividade do IPI, cujas balizas foram delimitadas no artigo 153, §3º, inciso II, da CF/88, o crédito é restrito ao valor do imposto cobrado nas operações anteriores e, por consequência, o conceito de insumo no caso do referido imposto alcança, fundamentalmente, matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem.

O artigo 195, §12, do texto constitucional, ao consagrar expressamente a não cumulatividade do PIS e da Cofins, deve servir necessariamente o vetor interpretativo de maior relevância para a interpretação constitucionalmente adequada de tais contribuições e seus respectivos créditos, sem margem de liberdade atribuída ao legislador para estabelecer contornos jurídicos diversos a essa sistemática.

Conforme parâmetros estabelecidos pelo STJ, no caso do PIS e da Cofins insumo é todo custo e despesa incorridos com a aquisição de bens ou serviços essenciais, vale dizer, imprescindíveis à consecução da atividade empresarial. O conceito de insumo é casuístico, variando conforme a atividade exercida no caso concreto, dispensando expressa previsão legal. Ou seja, o rol do artigo 3º das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 é exemplificativo.

O Fisco, ao vincular o crédito de PIS/Cofins apenas aos dispêndios diretamente empregados no processo produtivo, nos quais as taxas administrativas de cartão de crédito/débito não se encaixariam, afronta a tese repetitiva firmada pelo STJ. A essencialidade e relevância do dispêndio deve ser analisada casuisticamente, em atenção à atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, podendo alcançar gastos direta ou indiretamente a ela relacionados. Qual modelo de negócios atualmente funcionaria sem uma máquina de cartão de crédito?

Os atuais modelos de negócios tornam indispensável a contratação de sistema de pagamento via cartão de crédito e débito para a concretização de suas vendas, inclusive para fornecer ao consumidor a opção de pagamento parcelado, majoritariamente utilizada no Brasil, além de funcionar como forma de evitar furtos e roubos. Esses métodos de pagamento ganham ainda mais relevância diante do crescimento do comércio eletrônico, potencializado pela pandemia da Covid-19, haja vista a utilização, na maioria das vendas, do método de pagamento via cartão. Sem a oferta ao consumidor da utilização do pagamento via cartão de crédito ou débito, pouca ou quase nenhuma operação seria realizada.

É, inquestionavelmente, um gasto indispensável à percepção de receita, materializando uma conexão entre o exercício da atividade econômica desenvolvida, o processo produtivo para auferir receita própria e o serviço contratado da administradora. Os valores pagos a título de taxas de administração às operadoras de cartões de crédito e débito são despesas, custos, ou, numa intelecção mais abrangente, insumos indissociáveis e inerentes à atividade operacional das empresas, especialmente das varejistas, devendo ser autorizado o creditamento para o PIS e para a Cofins, nos termos do artigo 3º, inciso II, das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003. É o que se espera do aguardado julgamento pelo STJ.

Autores

  • é advogado sócio do escritório Bento Muniz e Procurador do Distrito Federal, mestre em Direito Público com ênfase em Direito Tributário e Financeiro pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diploma de Estudos Avançados em Direito Tributário na Universidade de Salamanca (Espanha), ex-membro do Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção do Carf e ex-procurador da Fazenda Nacional, procurador Federal e procurador do Estado de Minas Gerais.

  • é graduanda em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

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