Licitações e Contratos

Processo não tramita por e-mails

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

8 de abril de 2022, 8h00

A Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos, inovou em concretizar a garantia da razoável duração do processo, do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, quando impôs limites para decisões em requerimentos administrativos, como se exemplifica do seguinte dispositivo:

Spacca
"Artigo 92  São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
(…)
X – o prazo para resposta ao pedido de repactuação de preços, quando for o caso;
XI – o prazo para resposta ao pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, quando for o caso".

Ocorre que ainda são frequentes na Administração Pública tratativas entre gestores e empresas contratadas levadas a um nível grave de informalidade, como se exemplifica adiante.

Pedido de reequilíbrio de contrato tratado apenas em sequência de e-mails
Essa situação é real em muitos casos, pois representantes de empresas consideram que basta enviar e-mails e seu pedido já estará seguro e firme, não se preocupando em aferir se o mesmo chegou aos autos do processo, havendo, de outro lado, falta de preocupação do gestor em fazer uma impressão em PDF e documentar, imediatamente, qualquer requerimento no processo.

Todos sabem que o correto é fazer a comunicação em protocolos via Sistema Eletrônico de Informações (SEI) ou outros sistemas similares, para se aferir tempestividade de uma notificação, um requerimento ou uma determinada resposta.

E o resultado disso, concretamente, é que em muitas situações o processo ficou tão mal instruído, com ausência de provas de notificações, recebimentos, extratos, certidões e aferição de resposta de petições, que se viola a segurança jurídica, do artigo 2º da Lei nº 9.784/99, instalando-se a dificuldade de certificar se os autos tiveram vista aberta ao interessado, se houve um determinado dia em que certo prazo teve contagem iniciada e outras etapas essenciais, porque, simplesmente, as tratativas ocorreram na maioria ou quase totalidade dentro de e-mails, que não correspondem ao que há no processo.

Pode-se imaginar um pedido de reequilíbrio econômico-financeiro tramitar inteiramente dentro de e-mails soltos, encadeados em sequência ou não, com arquivos de planilhas do Excel, arquivos de PDF e requerimentos simples no corpo de cada e-mail.

O que não está nos autos não está no mundo jurídico, sendo essa é a situação mais reprovável que pode ocorrer em termos de instrução processual, mas é algo que até hoje acontece, inclusive, em órgãos de relevância nacional.

Cobranças de faturas não pagas via mensagens de celular
A seriedade com a qual deve ser tratada a questão e atrasos e quebra de ordem cronológica de pagamento de faturas é tamanha que a Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 178, acrescentou o artigo 337-H ao Código Penal, atualizando a tipificação do crime de pagamento de fatura com preterição de ordem cronológica.

Mas no mundo real representantes de algumas empresas, acomodados por certa informalidade com fiscal ou gestor de contrato, começam a interagir via mensagens de celular com aqueles agentes públicos, misturando saudações e perguntas de fatos diversos, até sobre família e outras situações, começando a misturar nas mensagens temas diversos, inclusive, cobranças mais ou menos ostensivas sobre faturas com pagamentos atrasados. E assim a pendência segue sem solução e sem segurança jurídica no cenário com um todo, porque ao invés de se pronunciar em comunicações formais no processo a empresa escolheu a interação pessoal com celular de um ou outro agente público. Uma via "fora do processo".

Além de passar longe de qualquer preceito básico de compliance, essa forma de comunicação tão flexível e descuidada sobre assunto delicado, no momento de algum problema severo, significa para a empresa que a mesma não terá documentado por protocolo eletrônico o seu histórico de datas das petições, inicial e subsequentes, sobre determinado atraso de fatura.

E isso lhe faltará em termos de elementos de segurança na aferição de atrasos para fins da Lei nº 9.784/99 (Processo Administrativo Federal) e outras, porque as tratativas ficaram apenas em mensagens de celular, que jamais foram juntadas aos autos do processo, inclusive, para aferição de momento inicial, petição, notificação, resposta, de modo que chegará um momento em que, no desespero, o representante da empresa irá revelar telas repletas (prints) de mensagens pessoais trocadas com gestor ou fiscal de contrato, como mensagens sobre viagens e outros assuntos, em meio a mensagens sobre cobrança de fatura.

É preciso assumir como ponto crítico que nada pode tramitar dessa forma, não porque uma prova de celular não seja admissível, mas porque isso complica a cadeira de aferição de atos quanto a prazos, formalidades, responsabilidades etc.

Processo de penalidade com peças soltas e e-mails aleatórios
Sabe-se que a Lei nº 14.133/2021 nasceu com grave falha no seu artigo 165, §5º, ao estabelecer apenas que: "Será assegurado ao licitante vista dos elementos indispensáveis à defesa de seus interesses".

Ora, isso não vale apenas para licitante, mas para também para contratado e até terceiros, bem como, as cópias e os acessos a autos de processos devem ser sempre integrais e não seletivos, sobre elementos considerados como "indispensáveis", termo que dá margem a subjetividade e ocultação de documentos dos autos de processos.

E fato é que muitos processos sancionatórios de empresas contratadas pela Administração possuem notificações via e-mails aleatórios, com encaminhamento simples de um determinado ofício e fazendo o interessado perder dias para requerer e obter as cópias das quais precisa, que deveriam estar já disponibilizadas (abertas) desde o pronto momento da notificação.

Então, a empresa começa a se explicar para o gestor e/ou fiscal de contrato em trocas simples de e-mails, aleatórias, de modo que se cria uma espécie de processo de defesa, de processo sancionatório, apenas com mensagens soltas, que nem dos autos constam, não se podendo aferir a certa informação de início, de recebimento, de resposta de prazo etc.

Enfim, mais uma situação do mundo real do que se chama de processo paralelo ou "processo fora dos autos", que é inadmissível.

Conclusões
Diante desses três exemplos de situações reais do dia a dia, percebe-se que não adianta ter uma lei com certas inovações se as partes do processo administrativo, licitatório, contratual ou sancionatório, não se organizam para interagir do modo correto, como deve ser, com toda e qualquer comunicação dentro dos autos do processo, até em respeito à garantia do devido processo legal, do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal e para fins de segurança jurídica para as partes e para possibilidade de adequado trabalho de controle em vias administrativa, de controladoria e judicial.

É urgente que se mude a cultura de informalidades e processos fora dos autos, até porque, repita-se, o que não está nos autos não está no mundo jurídico, sendo esse um problema sério para ambas as partes.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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