Opinião

A proteção do trabalho da empregada gestante e o seu custeio na Covid

Autores

  • Maurício Pallotta Rodrigues

    é advogado empresarial atuante nas áreas trabalhista individual e coletiva e previdenciária sócio fundador do escritório Pallotta Martins e Advogados professor palestrante instrutor in company mestre em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo especialista em Direito Previdenciário Empresarial e autor da obra Contratação na Multidão e a Subordinação Jurídica (editora Mizuno).

  • Cassia C. Vollet Cunha

    é pós-graduada em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário Direito Processual Civil e Direito Empresarial pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (ESMP) e supervisora jurídica do grupo Amaggi.

7 de abril de 2022, 17h03

Conforme é de conhecimento geral, como medida de prevenção à disseminação do Covid-19 no Brasil, em 12 de maio de 2021, o governo federal editou a Lei 14.151/2021, a qual dispõe sobre o afastamento das empregadas gestantes das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.

Nos termos dos dispositivos legais, as empregadas gestantes deveriam permanecer afastadas das atividades de trabalho presencial "sem prejuízo de sua remuneração", sendo que ficariam à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Em que pese a tentativa de proteção à saúde e ao trabalho da mulher gestante diante da pandemia do coronavírus, a lei gerou polêmica e ônus excessivo aos empregadores, isso porque 1) nem todas as profissões possibilitam o trabalho à distância; 2) a saúde pública é dever do Estado e 3) a nova lei, em que pese garantir o salário de modo integral à empregada gestante, em sua simploriedade, não previu quem pagaria a conta nos casos daquelas empregadas cujas atividades eram incompatíveis com qualquer modalidade de trabalho diferente do que é exercido presencialmente, bem como não previu qualquer auxílio ou compensação aos empregadores no custeio da remuneração dessas empregadas que, pela nova regra, deveriam ser afastadas remuneradamente de suas atividades profissionais por determinação do Estado.

Diante da falta de previsão legal acerca da compensação nos casos de afastamento remunerado das empregadas gestantes que não poderiam exercer suas atividades de modo não presencial, criou-se um ônus ao empregador (que deveria ser público), resultando em ações judiciais para que tal omissão fosse resolvida pelo Poder Judiciário.

Na expectativa frustrada de sanar o impasse, no dia 10 de março de 2022, foi publicada a Lei nº 14.311/2022, que alterou a Lei nº 14.151/2021, regulamentando de modo especial, o retorno das gestantes ao trabalho presencial.

A referida alteração legislativa estabeleceu as hipóteses para a determinação de retorno das empregadas gestantes às atividades presenciais antes do encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2 nas seguintes hipóteses:

1 – Após a vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização; ou
2 – Mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade.

Entretanto, o que mais se esperava para dar solução ao impasse em torno do custeio da remuneração das empregadas gestantes cujas atividades são incompatíveis com o trabalho a distância e que foram afastadas, por força da Lei nº 14.151/2021 durante esse período de emergência pandêmica, acabou sendo vetado pela Presidência da República.

O texto original aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado previa, em resumo, que o custo com a remuneração dessas empregadas afastadas deveria ser suportado pelo Poder Público, por meio da concessão do benefício previdenciário de auxílio-maternidade, em linha com o que vinha sendo decidido no âmbito judicial.

Cumpre destacar, ainda que de forma repetitiva, que a nova proposição legislativa, além de prever hipóteses de retorno ao trabalho presencial das empregadas gestantes, estabeleceu que nos casos em que a natureza do trabalho seja incompatível com a sua realização à distância, a empregada gestante teria sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberia nesse período, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade previsto na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até 120 dias após o parto, ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, isso sem efeitos retroativos à data de publicação da Lei 14.311/2022.

Contudo, o veto presidencial aos dispositivos que poderiam sanar as lacunas deixadas pela Lei 14.151/2021, fundamentou-se na potencial alteração das despesas relacionadas à concessão de benefícios previdenciários, o que "colocaria sob risco material a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social", sem se preocupar com a onerosidade excessiva do empregador. Com isso, portanto, devolveu-se ao Poder Judiciário o preenchimento da lacuna legislativa.

Com base na finalidade e nos princípios legais que regem à previdência social, não restam dúvidas quanto ao direito ao afastamento temporário das gestantes de suas atividades laborais, enquanto perdurar o estado gravídico e a emergência de saúde pública, em razão do risco que isso poderia acarretar, tendo em vista o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, a determinação de manutenção da renda suportada exclusivamente pelo empregador, em relação às gestantes cujas profissões não sejam compatíveis com o trabalho à distância durante a pandemia, fere diretamente os princípios e diretrizes expressamente consignados no plano de custeio da seguridade social (Lei 8.212/1991), ao passo que contraria a universalidade da cobertura e do atendimento e a diversidade da base de financiamento, consistindo em ônus excessivo a uma parte em razão de ato/determinação do Estado.

A Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) reconhece em seu artigo 4º que compete à assistencial social prover o atendimento das necessidades básicas trazidas em proteção à família e à maternidade, independentemente de contribuição à Seguridade Social. De outro lado, o artigo 71 da Lei nº 8.213/1991 já prevê o início antecipado do salário-maternidade no período de 28 dias antes do parto.

Assim, sem grande exercício hermenêutico, conclui-se que não é possível afastar da interpretação da regra criada pela Lei nº 14.151/2021 à luz dos dispositivos das Leis 8.212/1991 e  8.213/1991, revelando-se que a determinação do Estado de afastamento das gestantes em período anterior ao parto, inclusive aos 28 dias originalmente previstos no artigo 71, com a garantia de manutenção da renda tem a mesma natureza jurídica do salário-maternidade.

Com isso, a mensagem de veto presidencial ao artigo 2º do Projeto de Lei nº 2.058/2021 (Lei 14.311/2022), que acrescentava o §4º à Lei nº 14.151/2021 para prever que "na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante de que trata o caput deste artigo terá sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até 120 dias após o parto ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma do inciso I do caput do artigo 1º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008" não se mostra compatível à segurança do ordenamento jurídico e equilíbrio econômico, especialmente porque mantém uma lacuna legislativa, que necessitará da intervenção do Poder Judiciário para a devida aplicação da legislação em vigor.

Sem prejuízo dos fundamentos legais já expostos, cumpre ainda ressaltar as disposições previstas pela Convenção 103 da OIT, internalizada pela legislação nacional através dos Decretos 58.820/66 e 10.088/19, segundo os quais não é razoável impor ao empregador o dever de custeio do afastamento legal, já que as prestações sociais devidas a trabalhadores devem ser custeadas por seguros obrigatórios ou fundos públicos, e não pelo empregador.

E é com base nesse entendimento que o Poder Judiciário  tem decidido pela possibilidade de afastamento dessas empregadas gestantes pelo INSS, com o pagamento do benefício de salário-maternidade. A determinação de implantação do referido benefício tem sido deferido, inclusive por meio de tutela de urgência, determinando-se o pagamento do salário-maternidade mediante compensação com os valores devidos a título de contribuição social sobre a folha de salários, diante da evidente natureza previdenciária do afastamento dessas pessoas.

Ainda sobre o tema e a natureza previdenciária da remuneração devida às empregadas gestantes afastada de suas atividades laborais,  posicionou-se o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a ADI 5938 para reconhecer que o afastamento de gestantes de atividades insalubres no termo do artigo 394-A, CLT deve ser custeado pelo INSS por meio de pagamento de salário-maternidade. Na mesma toada, o Fisco compreendeu pela possibilidade de compensação dos valores pagos à título de salários para essas gestantes de risco afastadas do meio ambiente de trabalho insalubre na forma do disposto no artigo 71 e seguintes da Lei nº 8.213/91(Solução de Consulta nº 287/2019).

Tal interpretação é similar àquela que foi dada para fins de concessão do benefício para as aeronautas (comandante, copilota, mecânica de voo, comissária de bordo e operadora de equipamentos especiais) que precisam se afastar do trabalho por causa da gravidez, nos termos da decisão judicial com âmbito nacional nos autos do processo nº 1010661-45.2017.4.01.3400. Assim como no caso da Covid-19, é necessário o afastamento das grávidas aeronautas em razão do risco que o exercício dessas atividades presenciais afeta a gestação.

Nesse contexto, verifica-se que essas mulheres precisam ser afastadas de suas atividades profissionais presenciais durante a gestação em razão dos riscos ambientais relacionados ao desempenho do trabalho, o que justifica o seu afastamento e a percepção de benefício previdenciário específico da trabalhadora gestante, no caso o salário-maternidade.

Ante o exposto, é importante que o empregador avalie e mensure o impacto negativo da lacuna legislativa em seus cofres, pois é possível a propositura de medida judicial visando a recuperação do crédito decorrente do ônus do custeio da remuneração das empregadas gestantes cujas atividades não são compatíveis com o home office durante o período de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, para que tal custeio seja financiado pelo INSS por meio da concessão de salário-maternidade especial e que o valor desembolsado seja compensado com o pagamento das contribuições sociais futuras do empregador.

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    é advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial, pós-graduado em Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP), palestrante, instrutor in company, sócio fundador do escritório Pallotta, Martins e Advogados e autor do livro "Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica".

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    é pós-graduada em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário, Direito Processual Civil e Direito Empresarial pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (ESMP) e supervisora jurídica do grupo Amaggi.

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