Direitos do cidadão

Arroubos autoritários não ficaram de fora das preocupações da PFDC

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6 de abril de 2022, 9h00

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2022. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

A gama de assuntos sob o guarda-chuva da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) é tão ampla que o subprocurador Carlos Alberto Vilhena teve como uma de suas primeiras tarefas promover um extenso planejamento das atividades do órgão, com a reformulação dos grupos de trabalho, que haviam sido desfeitos ao fim da gestão anterior. Vilhena foi escolhido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para chefiar a PFDC em maio de 2020 para um mandato de dois anos.

Atualmente são 13. Cada um deles tem objetivos definidos e metas. O mais importante desta reformulação, na visão de Vilhena, foi que as discussões fizeram emergir novos temas relevantes para a sociedade, como a população LGBTQIA+, a mulher, o idoso, a população em situação de rua, os medicamentos de alto custo e o tráfico de pessoas. Não que estes não fossem temas relevantes para o Ministério Público anteriormente. Mas as demandas da sociedade e as constantes ameaças a direitos constitucionais dos brasileiros levaram a PFDC a ampliar o leque de suas ações na defesa da democracia.

Uma das principais bandeiras da Procuradoria dos Direitos do Cidadão é o combate ao racismo e ao discurso de ódio. Nota pública foi emitida em repúdio à morte de João Alberto Silveira Freitas, em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, em dezembro de 2020, depois de ter sido espancado por seguranças. No documento, a PFDC conclama a empresa a adotar medidas concretas, em toda a sua rede, para a introdução de políticas de compliance em direitos humanos nas suas atividades.

Defenderam a instituição de programas de capacitação, treinamento e qualificação de seus empregados e de agentes terceirizados, com o objetivo de combater o racismo institucional/ estrutural e a discriminação racial. Como resultado de todas essas ações, a PFDC homologou, em setembro de 2021, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a empresa Carrefour no valor de R$ 115 milhões.

Do lado oposto, com a menção de bom exemplo, a PFDC também emitiu nota pública na qual destacou serem “louváveis e incensuráveis” ações afirmativas adotadas por grupos empresariais, como o Magazine Luiza, que fez processo de treinamento e aperfeiçoamento profissional exclusivamente voltado a pessoas negras e pardas. Além disso, solicitou que a Secretaria-Geral do Ministério Público Federal promovesse a inclusão de vagas para estagiárias e estagiários transexuais nos quadros da instituição. A proposta visa a apoiar a inserção no mercado de trabalho formal dessa população.

Os arroubos autoritários do governo Bolsonaro não ficaram de fora das preocupações da PFDC. O órgão considerou censura indireta ação do governo federal no sentido de promover monitoramento da atuação e do posicionamento de jornalistas e influenciadores digitais, bem como sugestões a serem tomadas em relação a cada um dos citados. De acordo com nota pública emitida então, “a criação de embaraços diretos e indiretos – por lei, ato administrativo ou pela elaboração de listas catalogando a opinião de jornalistas e cidadãos em geral – ao exercício pleno de tal direito configura nítida violação à liberdade de expressão e à liberdade de informação prestada por meio da imprensa, caracterizando-se, inclusive, verdadeira medida de censura indireta”.

Atenta a diversas ações contra os direitos fundamentais, a PFDC enviou mais de 170 ofícios a autoridades, muitos deles com pedidos de informação. Um deles foi um pedido de análise da Procuradoria da República no Distrito Federal em relação à suposta ordem do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, para retirada de informações do site oficial da instituição, fato fartamente noticiado pela imprensa. “Não é a primeira conduta institucional da entidade e de seu presidente a denotar a intenção de negar a relevância de figuras historicamente associadas ao papel essencial da população negra na construção e no desenvolvimento da sociedade brasileira”, advertiu o titular da PFDC.

Um dos casos mais emblemáticos da atuação da PFDC recentemente foi o arquivamento de um inquérito civil que envolvia a empresa Volkswagen do Brasil. O inquérito foi arquivado depois que a montadora assinou um TAC reconhecendo colaboração com a ditadura militar instaurada em 1964, que se estendeu até 1985. A empresa se comprometeu a pagar R$ 36,3 milhões em indenizações individuais e coletivas a famílias de ex-funcionários. Um relatório de 406 páginas apontou que a filial brasileira da VW espionou os próprios funcionários com interesse de descobrir opiniões políticas, e documentou a espionagem por escrito. Essa documentação era enviada ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um dos órgãos que atuavam na repressão política durante a ditadura.

A PFDC também se preocupou com ações do governo na área da educação que não obedecem direitos já garantidos e representam retrocesso para pessoas com deficiência. Um exemplo disso foi a forte reação ao decreto que institui a Política Nacional de Educação Especial e prevê a matrícula de crianças e adolescentes com deficiência em classes e instituições especializadas, o que o Ministério Público considera contra a educação inclusiva. O tema ainda está em discussão no Supremo Tribunal Federal.

A PFDC tem incentivado a adoção de acordos internacionais ligados a direitos humanos pelo governo brasileiro. Nota pública destacou a importância de o Brasil ratificar o Acordo de Escazú, que versa sobre acesso à informação, participação pública e acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe. Recentemente, defendeu a conclusão do processo de internalização da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que apesar de ter sido ratificada em maio pelo Congresso Nacional, só possui plena eficácia jurídica após o decreto presidencial de promulgação e a publicação de seu inteiro teor.

Diante da crise desencadeada pela covid-19, a PFDC também foi acionada pelo procurador-geral Augusto Aras para dar seguimento e apurar denúncias de violação de direitos no contexto da doença. Documento entregue à PGR elaborado por especialistas em saúde pública traz um amplo levantamento responsabilizando o governo federal por muitas das mais de 600 mil mortes ocorridas no país por causa da epidemia e pede a apuração de supostos crimes e a responsabilização de seus autores. O documento foi repassado aos componentes dos 13 grupos de trabalho e das duas relatorias temáticas vinculados à PFDC, que reúne 156 promotores e procuradores. Segundo Vilhena, os pedidos apresentados serão devidamente analisados considerando a atribuição da PFDC.

Em novembro de 2021, durante Congresso da Federação Iberoamericana de Ombudsman, Vilhena destacou a urgência na construção de uma agenda estratégica em educação para os próximos anos, visando a redução das perdas educacionais ocorridas durante a epidemia. “O Brasil foi um dos países que fechou as escolas por mais tempo durante a pandemia e os estudantes de famílias mais pobres foram os mais prejudicados com as aulas remotas, principalmente por não possuírem um adequado acesso à internet de baixo custo e boa qualidade”, afirmou. E defendeu que, em momentos críticos como esse, poderes públicos devem dedicar especial atenção àqueles que estão em situação de vulnerabilidade.

Anuário do Ministério Público Brasil 2022
ISSN: 2675-7346
Edição: 2021 | 2022
Número de páginas: 204
Editora ConJur
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