Opinião

A arbitragem no setor elétrico brasileiro

Autores

4 de abril de 2022, 19h05

A judicialização de conflitos relacionados ao setor elétrico brasileiro (SEB) se intensificou a partir de 2012 e se tornou um dos principais desafios a serem superados. Não obstante ser lícita a busca do Poder Judiciário pelos agentes setoriais, a revisão de decisões que envolvem regras de grande especificidade, tomadas pela agência reguladora, pode afetar todo o sistema, gerando consequências de ordem técnica e econômica. Nesse sentido foi a onda de decisões liminares, iniciada em 2015, que protegia alguns geradores de energia dos efeitos do risco hidrológico, com grandes implicações financeiras ao mercado de energia.

A arbitragem é um meio de solução de controvérsias que pode contribuir para a desjudicialização do setor. Conforme o Decreto nº 10.025/2019, que dispõe sobre a arbitragem para dirimir litígios envolvendo a administração pública federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário, a União ou as entidades da administração pública federal e concessionários, dentre outros, podem se valer da via arbitral para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, como, por exemplo, questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos.

Amparada nessa legislação, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em decisão inédita proferida em setembro de 2021, autorizou a celebração de Termo de Compromisso Arbitral a ser firmado entre a Transnorte Energia S.A (TNE) e a Aneel, com interveniência da União Federal, da Funai e do Ibama, para discutir o reequilíbrio do contrato de concessão da Linha de Transmissão de 500 kV Lechuga-Equador-Boa Vista, visando interligar o estado de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Isso porque, em agosto de 2015, a TNE requereu à Aneel a extinção amigável do contrato, por alegada inviabilidade legal da continuidade das obras e desequilíbrio econômico-financeiro causado pelo atraso no cronograma de implantação. A Aneel, em dezembro de 2016, reconhecendo as dificuldades apresentadas, recomendou ao Ministério de Minas e Energia (MME) a extinção da avença.

Em setembro de 2017, a TNE ingressou com ação pelo procedimento comum, com pedido de rescisão judicial e indenização por perdas e danos. Em paralelo, o MME, em fevereiro de 2018, se manifestou contrariamente à recomendação da Aneel e sugeriu a análise do reequilíbrio econômico-financeiro da concessão.

A concessionária, em abril de 2019, formalizou o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro perante a Aneel. Na via judicial, a TNE obteve decisão favorável em primeira instância, deferindo o pedido de rescisão contratual e condenando a União ao pagamento de indenização pelos danos materiais, a serem apurados em liquidação de sentença posterior. Na esfera administrativa, a Aneel, em última instância, negou provimento ao pedido de reconsideração da TNE. Inconformada com o valor da receita de equilíbrio decidida pela agência, a TNE apresentou à Aneel proposta de instauração de arbitragem para solução da controvérsia referente à viabilização da execução do contrato de concessão.

A especificidade do pleito é clara, uma vez que envolve solução estrutural para a interligação Manaus-Boa Vista, conectando o estado de Roraima ao SIN, e o processo de licenciamento ambiental, que foi discutido desde sua fase de planejamento, com amplo diálogo entre as instituições envolvidas e a comunidade indígena uaimiri-atroari, perdurou por mais de dez anos. A instrução do processo demandou atuação do MME, de modo a demonstrar vantagem técnica e econômica da manutenção do contrato com a TNE, acrescida de avaliação jurídica, realizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria Federal junto à Aneel.

Apesar de existir previsão de arbitragem em relações privadas no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), são poucas as cláusulas arbitrais em contratos de concessão do setor elétrico. Assim, tal decisão representa um importante precedente sobre a utilização da arbitragem em litígios afetos a contratos de concessão, sinalizando a possibilidade de avanço na solução de temas referentes ao setor.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!