A inclusão do produtor rural pessoa física na Lei de Recuperação Judicial e Falência, por meio da alteração legislativa feita pela Lei 14.112/20, apresenta um balanço positivo em seu primeiro ano de vigência, embora haja pontos que precisam ser aprimorados. Este novo dispositivo da lei pode beneficiar um universo de mais de 15 milhões de produtores rurais em atividades agropecuárias no país, segundo o Censo Agro — 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que giram na economia recursos que ultrapassam R$ 1 trilhão.
A atividade rural apresenta inúmeros riscos que podem afetar as safras, mesmo com seguidos recordes, como mudanças climáticas, novas doenças e pragas e variações no preço das commodities diante da oferta global de bens agrícolas em momentos de crise mundial, podendo levar o produtor rural a se confrontar com dificuldades financeiras em saldar seus compromissos. Vale ressaltar que grande parte dos produtores rurais atuam em regime familiar e sem registro comercial.
O produtor rural pessoa física é equiparado ao empresário, porque exerce atividade econômica (Artigo 966 do Código Civil) e para ter a prerrogativa de apresentar um plano especial de recuperação judicial não pode exceder o teto de dívidas de R$ 4,8 milhões. A partir do deferimento do processo pela Justiça, o produtor entra no chamado stay period, período de "blindagem" de 180 dias, quando ficam suspensas as execuções contra si, tendo acesso a um fôlego financeiro para a retomada da normalidade de suas atividades.
A inclusão do produtor rural pessoa física no diploma da recuperação judicial foi possível a partir do entendimento unificado das duas turmas de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as dívidas dos produtores rurais poderiam ser incluídas na recuperação judicial. Segundo voto do ministro Raul Araújo, "após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (Código Civil, artigos 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no artigo 48 da Lei 11.101/2005 (LRF)…" [1].
O regime jurídico de recuperação judicial para o produtor rural pode ser considerado positivo por inúmeros fatores, entre eles por possibilitar a inclusão das dívidas do crédito rural que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira, antes do pedido de recuperação judicial.
Igualmente podem ser incluídas as Cédulas de Produto Rural (CPRs), regradas pela Lei 8.929/1994 e que constituem uma das principais formas de financiamento do produtor rural. Contudo, as CPRs físicas estão excluídas da recuperação judicial, a despeito de serem contratadas em maior escala do que as financeiras. Essa exclusão consolida a falta de isonomia existente na relação comercial entre produtores e tradings. Tanto que, embora os produtores tenham negociado pagamentos de cédulas em sacas de soja, por exemplo, não poderão incluir esta operação na recuperação judicial, o que protege credores como tradings. Porém, quando tradings solicitam a recuperação judicial, as dívidas contraídas com produtores rurais são incluídas na negociação. Há, portanto, um descompasso legal prejudicando os produtores rurais e beneficiando os credores.
Ainda há inúmeros pontos na lei que precisam ser aprimorados. Um deles é a inclusão apenas de créditos ligados exclusivamente à atividade rural, excluindo todos os demais créditos. Também ficam de fora as dívidas de créditos oficiais obtidos com juros controlados por subsídio. Segundo o §6 do artigo 49 "estão sujeitos à recuperação judicial apenas os que constarem na contabilidade do devedor". Essa distinção propicia um tratamento sem isonomia do produtor rural em relação aos demais atores econômicos em atividade no país.
Outra restrição que mereceria uma revisão do legislador no processo de recuperação judicial do produtor rural está ligada à compra de propriedades rurais. Somente podem ser incluídas na recuperação judicial dívidas mobiliárias de propriedades rurais constituídas há mais de três anos anteriores ao pedido de recuperação judicial.
No balanço de um ano, contudo, é possível afirmar que a recuperação judicial para produtores rurais trouxe segurança jurídica para o campo e fez justiça a uma atividade que vem contribuindo para fortalecer o PIB nacional, ao tornar o Brasil o 4º maior produtor de grãos do mundo, com a perspectiva de ser guindado do posto de maior produtor de alimentos do mundo até 2025.
[1] Disponível aqui