Opinião

Aposentadoria dos servidores com deficiência do RPPS

Autor

  • Omar Hong Koh

    é procurador da USP bacharel em Direito pela USP (Largo São Francisco) e pós-graduado em Direito pela ESMP-SP e pela ESPGE-SP.

1 de abril de 2022, 6h09

Nesta sexta-feira (1º/4), há previsão de o STF retomar o julgamento, em sessão virtual, da Proposta de Súmula Vinculante — PSV nº 118/DF, protocolizada pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot em 18/8/2015, na qual requereu a revisão do enunciado da Súmula Vinculante — SV nº 33, "para que seja incluído em sua redação o inciso I do § 4º do artigo 40 da Constituição, (…) a fim de que o enunciado alcance também a situação dos servidores públicos com deficiência".

Eis a atual redação da SV nº 33 e a nova, sugerida pelo proponente:

Enunciado da SV nº 33: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”

Proposta de nova redação do enunciado da SV nº 33 apresentada pela Procuradoria-Geral da República: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, incisos I e III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica".

Para melhor compreensão da matéria, impende lembrar que a Emenda Constitucional nº 47/2005 introduziu na Constituição o direito à aposentadoria especial pelas pessoas com deficiência, tanto vinculadas ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos — RPPS (nova redação dada ao § 4º do artigo 40), quanto ao Regime Geral de Previdência Social — RGPS/INSS (nova redação dada ao § 1º do artigo 201), in verbis:

"Art. 40 (…)
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I – portadores de deficiência;
(…)
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
(…)
Art. 201 (…)
(…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar." (g.n.)

Ocorre que ambos os dispositivos supratranscritos, por serem normas constitucionais de eficácia limitada, dependiam de edição de legislação infraconstitucional posterior (lei complementar) para adquirirem plena eficácia e gerarem aplicabilidade concreta às pessoas com deficiência.

Para o RGPS/INSS foi editada a LC nº 142/2013. Porém, para o RPPS, lamentavelmente não houve edição de uma lei complementar ulterior, obstando, assim, os servidores do RPPS com deficiência de se aposentarem em condições especiais mais benéficas, consubstanciando um tratamento discriminatório, não isonômico com o RGPS e inconcebível à luz do item 2, "e" da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — que, diga-se de passagem, cuida-se da primeira norma internacional sobre direitos humanos que recebeu, no ordenamento jurídico pátrio, status de norma constitucional, por ter sido aprovada pelo Congresso nos termos do § 3º do artigo 5º da CF/1988, incluído pela EC nº 45/2004.

A propósito, importa consignar a interpretação dada pelo STF ao § 4º do artigo 40 da Carta Constitucional, com a redação dada pela EC nº 47/2005, no que tange à locução "leis complementares". Embora, sob o prisma hermenêutico, fosse plenamente sustentável inferir dessa expressão que cada ente político da Federação (União, Estados, DF e Municípios) poderia editar sua respectiva lei complementar para disciplinar a matéria, o Plenário do STF, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 797.905/SE (Tema nº 727, Rel. ministro Gilmar Mendes, j. em 16/05/2014, DJe 29/05/2014) reafirmou entendimento de que seria de competência exclusiva da União a edição das mencionadas "leis complementares" (ou seja, elas teriam caráter nacional) e, conseguintemente, definiu a legitimidade passiva do Presidente da República e do Congresso para os respectivos mandados de injunção, inclusive quando impetrados por servidores estaduais, distritais e municipais.

Pois bem, em face dessa mora legislativa por parte da Presidência da República, diversos servidores do RPPS com deficiência não tiveram outra alternativa a não ser impetrar aludidos Mandados junto ao STF, ocasião em que obtiveram, individualmente, decisões favoráveis da Suprema Corte no sentido de lhes aplicar analogicamente a LC nº 142/2013 e o artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, enquanto persistisse essa omissão dos Poderes Executivo e Legislativo Federal traduzida na falta de edição de uma lei complementar nacional voltada especificamente aos servidores públicos com deficiência do RPPS.

Não resignado com esse estado das coisas, que obrigava cada servidor com deficiência a provocar individualmente o STF, por meio da referida ação mandamental, o então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot houve por bem ajuizar perante o STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão — ADO nº 32 em 24/3/2015, na qual requereu "a concessão da medida cautelar para tornar, desde logo, efetiva a norma contida no artigo 40, § 4º, I, da CF mediante a aplicação da LC 142/2013 e do artigo 57 da Lei 8.213/1991, com relação ao período anterior à entrada em vigor da LC 142/2013, como forma de permitir a aposentadoria especial para servidor público portador de deficiência, enquanto perdurar a omissão legislativa".

Quase cinco meses após a ajuizar a ADO nº 32, o mesmo Procurador-Geral da República apresentou em 18/08/2015 a PSV nº 118 ao STF.

Entrementes, é fato que esse posicionamento da Suprema Corte no Tema de Repercussão Geral nº 727 foi superado com o advento da EC nº 103/2019, que alterou o indigitado § 4º do artigo 40 da CF/1988, incluiu um § 4-A a esse artigo, bem como estatuiu no seu artigo 22 o seguinte:

CF/1988, com a redação dada pela EC nº 103/2019:
"Art. 40 (…)
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.
§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar."

Artigo 22 da EC nº 103/2019:
"Art. 22. Até que lei discipline o § 4º-A do art. 40 e o inciso I do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social ou do servidor público federal com deficiência vinculado a regime próprio de previdência social, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, será concedida na forma da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, inclusive quanto aos critérios de cálculo dos benefícios.
Parágrafo único. Aplicam-se às aposentadorias dos servidores com deficiência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social."

Daí a minisra Rosa Weber, relatora da ADO nº 32/DF, ter assentado "o prejuízo desta ação direta de inconstitucionalidade por omissão, em face da perda superveniente do interesse de agir, extinguindo o processo sem resolução do mérito" (decisão monocrática de 17/08/2021, DJe 19/08/2021), por conta do advento da EC nº 103/2019, "que introduziu modificações substanciais no regime previdenciário dos servidores públicos" — motivação esta que provavelmente será utilizada pelo STF para também rejeitar a PSV nº 118.

Note-se, demais, que o caput do artigo 22 da EC nº 103/2019 passou a prever expressamente que, enquanto não for editada uma lei complementar federal aplicável exclusivamente aos servidores federais com deficiência do RPPS, a eles se aplica a LC nº 142/2013 (diploma legal a princípio destinado apenas às pessoas vinculadas ao RGPS/INSS), desde que tenham cumprido o tempo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e de cinco anos no cargo.

Já o seu parágrafo único afigura estar destituído de qualquer sentido prático, uma vez que, como asseverado, o STF, antes do advento da EC nº 103/2019, decidira no Tema de Repercussão Geral nº 727 que a competência para reger a matéria era exclusiva da União. Além disso, a LC 142/2013 somente seria aplicável aos servidores estaduais, distritais e municipais que, porventura, tivessem impetrado Mandado de Injunção junto ao STF e, na sequência, tivessem logrado uma decisão favorável da Suprema Corte, haja vista que tal espécie de ação mandamental somente produz efeitos inter partes.

Ora, justamente em razão da inocuidade do parágrafo único do artigo 22 da EC nº 103/2019, que não soluciona a questão da mora legislativa e continua prejudicando os servidores estaduais, distritais e municipais com deficiência vinculados ao RPPS, o ministro Roberto Barroso, em sessão virtual de 12/03/2021 a 19/03/2021, que tratou do julgamento da PSV nº 118, houve por bem apresentar o seguinte voto-vista:

"Após o voto-vista do Ministro Roberto Barroso, que votava no sentido da aprovação da proposta de revisão da Súmula Vinculante 33, adotando-se como base a redação proposta pelo Procurador-Geral da República, propondo, contudo, que: (i) seja efetuado ajuste relativo à renumeração dos dispositivos constitucionais promovida pela EC nº 103/2019 e (ii) seja consignada a aplicabilidade aos servidores estaduais, distritais e municipais das normas federais do Regime Geral de Previdência Social, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social; e, ainda, sugerindo que o enunciado seja aprovado com o seguinte teor: "Aplicam-se aos servidores públicos federais, estaduais, distritais e municipais, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4º-A e § 4º-C, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica do respectivo ente federado", no que foi acompanhado pelos Ministros Marco Aurélio (que reajustou seu voto) e Dias Toffoli; e dos votos dos Ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, que julgavam prejudicado o pedido, diante da superveniente alteração constitucional sobre a temática, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Nesta assentada, o Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente na sessão de 17/3/2016, reajustou seu voto, propondo que o verbete contenha a seguinte redação: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial, até a edição de lei complementar específica."

Faz-se mister que o STF aprove uma das duas redações propostas pelos ministro Roberto Barroso e ministro Ricardo Lewandowski. Do contrário, diversos servidores estaduais, distritais e municipais com deficiência do RPPS continuarão a ser prejudicados pela mora legislativa de governadores, prefeitos e respectivas Casas Legislativas, que continuam se omitindo em editar a lei complementar de que trata o artigo § 4º-A do artigo 40 da CF/1988, incluído pela EC nº 103/2019, cuja consequência será a continuidade de impetração de diversos mandados de injunção individuais, não mais protocolizados no STF, mas, doravante, nos Tribunais de Justiça.

Assim, dada a clareza solar da redação desse novo § 4º-A, não restam mais dúvidas de que caberá a cada ente político da Federação (União, estados, DF e municípios) editar sua própria lei complementar para disciplinar a aposentadoria especial dos seus servidores com deficiência vinculados ao RPPS, não havendo mais que se falar, doravante, em "leis complementares" nacionais, editadas exclusivamente pelo governo federal e pelo Congresso.

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