Conto do vigário

Falsa luta contra Covid transformou-se em torneio de populismo

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30 de setembro de 2021, 17h04

Vigora um evidente mal-entendido nas discussões em torno da epidemia que já matou quase 600 mil brasileiros. Em vez de se discutir o vírus, a doença, as medidas preventivas e profiláticas, vacinação e o itinerário da tragédia, estamos debruçados sobre futricas, intrigas, fofocas. Como se uma doença devastadora fosse um problema de ordem moral e não sanitário.

Jefferson Rudy/Agência Senado
O noticiário que deveria estar na seção de Saúde está a cargo das editorias de Polícia e Política. A mesma histeria que um dia serviu de combustível para a apelidada "lava jato" — que levou à eleição de Jair Bolsonaro — volta agora com as mesmas alucinações e irracionalidades.

A cloroquina e Bolsonaro, duas inutilidades, tornaram-se uma obsessão. E é só delas que se fala. Mais da metade das máscaras utilizadas no Brasil não protegem seus usuários. A falta de cuidados é generalizada. Os postos de saúde param de atender antes da hora. Percebe-se existir tráfico de vacinas. Mas disso não se fala.

Evidente que se deve responsabilizar quem falhou com seus deveres e causou danos à sociedade. Mas o combate à doença virou mero pretexto para jornalistas e senadores espertalhões ganharem notoriedade, no mesmíssimo modelo lavajatista. A primeira vez foi uma farsa, agora é uma tragédia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito não deu uma única contribuição até agora no sentido de diminuir a aflição da sociedade, no campo sanitário. Ao contrário. Coronavírus e Covid são duas expressões estranhas nesse ambiente. A doença, sua origem, medidas para lidar com suas variações, planos para o futuro não são assuntos para essa franquia talibã. A doença parece ter virado um trampolim para vigaristas lavarem suas biografias.

O Brasil é o único país que combate mais um remédio, tido por inútil, do que à doença que se quer exterminar. Como se na próxima onda de gripe fôssemos discutir a aspirina, o doril e a neosaldina, em vez da cepa do vírus e como neutralizá-lo.

Observe-se, nesse aspecto, o trabalho da imprensa. Qual a contribuição da maioria dos meios de comunicação na profilaxia da doença? O que se viu até agora é um jornalismo sem eficiência comprovada na defesa da sociedade. É evidente o constrangimento de quem ajudou a eleger o atual governo e quer se redimir. Mas torcer pelo vírus e celebrar mortes para esfregá-las na cara de Bolsonaro é um despropósito.

A bola da vez é a Prevent Senior, um grupo hospitalar que já tratou 56 mil pessoas contaminadas pela Covid, na faixa dos 68 anos de idade. Salvou 52 mil. Para um termo de comparação: a rede pública e privada trabalha com o percentual de 14% de fatalidades. A Prevent apresenta uma taxa de 7% (cálculo dos números da empresa sobre os dados da Fundação Seade).

O índice de sucesso do grupo, no entanto, foi soterrado por delírios como o de que seus donos seriam nazistas, assassinos, malucos ou tocam guitarra. Se são ou não são, o que isso tem a ver quando se discute a finalidade de uma empresa destinada a garantir a saúde de sua freguesia? O plano é mais barato que a concorrência e, pelos dados disponíveis, a última aferição do grau de satisfação da clientela é superior a 90%.

Mas isso não tem qualquer importância, naturalmente. Teria se a imprensa e os senadores quisessem tratar da doença que mata milhões de pessoas pelo mundo afora — e não usar a desgraça alheia para faturar.

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