Questão processual

Caso André Moura reabre discussão no STF sobre voto vencido na dosimetria da pena

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30 de setembro de 2021, 19h07

O resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal de quarta-feira (29/9), que acabou por condenar o ex-deputado André Moura a oito anos e três meses de prisão, teve reflexos na sessão desta quinta-feira (30/9). Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski levantaram questionamento sobre a decisão do presidente Luiz Fux de definir futuramente o destino de uma das três ações às quais o ex-parlamentar respondia e também da decisão sobre a dosimetria da pena.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Fellipe Sampaio /STF

André Moura foi condenado por 6 votos a 4 em duas das ações. Em um terceiro processo, a votação ficou empatada em 5 a 5 e, na sessão de quarta-feira, o ministro Fux decidiu que este último caso seria suspenso, e retomado apenas quando fosse nomeado o novo ministro da Corte. 

Para Lewandowski, no entanto, o julgamento não se encerrou.

No início da sessão desta quinta, o ministro, apoiado por Gilmar Mendes, questionou a decisão de Fux, defendendo que, nesse caso, deveria ter sido aplicado o in dubio pro reo. Ele afirmou que, quando o julgamento for retomado, será necessário reabrir o espaço para as sustentações orais, para garantir oportunidade à defesa de convencer o novo ministro sobre a inocência do réu.

"Eu penso que é um princípio universal de que o empate sempre favorece o réu. Eu colacionei inúmeras decisões das Turmas em que essa tese foi assim assentada. Ainda que se reabra o julgamento para a coleta do 11º voto, eu penso que teríamos que reabrir todos os debates orais, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa", disse.

Em relação às duas ações que foram efetivamente julgadas, Lewandowski argumentou que os ministros vencidos não tiveram oportunidade de discutir a dosimetria da pena imposta ao ex-deputado.

"Os quatro ministros que foram vencidos no mérito não tiveram oportunidade de votar na dosimetria da pena. E essa é uma questão extremamente importante tendo em conta que estamos diante de fatos que ocorreram há cerca de dez anos, em que possivelmente a pena em abstrato talvez já tenha prescrito, e, eventualmente, a pena em concreto possa ter superado esse instituto que é um direito fundamental do réu. E lembro que durante o julgamento da AP 470 [mensalão] a questão da dosimetria foi fundamental, os que perderam no mérito puderam votar na dosimetria".

Segundo o ministro, não houve entendimento perfeito do voto do ministro Nunes Marques, que abriu divergência em relação ao relator, Gilmar Mendes, votando pela condenação de André Moura e sendo acompanhado pela maioria. O ministro Gilmar havia votado pela inocência do ex-deputado. Foi Nunes Marques quem fixou a pena em oito anos e três meses de prisão.

Mas Lewandowski insistiu que um novo exame do caso seria necessário. "Acho que é um direito dos ministros que não votaram possam se manifestar na dosimetria, sobretudo num caso em que possivelmente nós teremos embargos infringentes e essa matéria pode ser questionada e, se não for discutida, não há como ser questionada."

O presidente Luiz Fux ponderou, então, que "à luz do regimento interno, o empate só favorece o réu em Habeas Corpus e recurso extraordinário". "Nós não podemos criar uma regra de Direito, porque depois da Constituição de 1988, o Supremo perdeu sua competência legislativa", afirmou.

Além disso, Fux disse que é uma "contradição em termos" os ministros que acabaram vencidos na votação dosarem a pena. "Vossa Excelência lembra que há um precedente, e isso eu precisaria consultar. E, em terceiro lugar, eu tenho severas dúvidas sobre se cabem embargos de divergência dentro do próprio Plenário", salientou.

Por seu lado, o ministro Gilmar Mendes disse que, anteriormente, que o STF já admitiu embargos infringentes em decisões do Pleno em matéria criminal. "Isso foi assentado, todos se lembram", afirmou, lembrando posteriormente do precedente dos segundos embargos de declaração na Ação Penal 565, "um caso complexo em que o Supremo adotou o entendimento firmado no mensalão para decidir, em Plenário, que cabem embargos se houver "contradição intrínseca na dosimetria da pena".

"Quanto à dosimetria, também resolvemos a questão nesse sentido. Aqueles que eventualmente ficam vencidos participam da dosimetria. Eu não quis levantar ontem porque havia uma certa aflição para o encerramento do julgamento. Mas como se adiou, de fato nós vamos ter que rediscutir essa matéria, eventualmente na presença do novo colega ou não."

Neste ponto, o ministro fazia referência ao fato de que o STF está com um integrante a menos em sua composição. O indicado do presidente Jair Bolsonaro, ex-ministro André Mendonça, ainda não teve sua sabatina autorizada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O presidente Fux, ao informar que registraria em ata as reclamações levantadas pelos outros dois ministros, resolveu encerrar a discussão, que ele considerou "fora de hora". "Mas só para não deixar de responder: eu busquei um precedente do Plenário, em que era presidido por Vossa Excelência, ministro Gilmar Mendes, e era uma questão de impedimento: a Corte estava completa, havia o impedimento, e aí não tem a quem esperar. Deu empate, favoreceu-se o réu. Mas quando a Corte está completa, a decisão que ser da Corte toda, daí a suspensão do resultado da ação penal", complementou.

Lewandowski, então, voltou a defender que a questão da dosimetria seja novamente debatida com o Plenário completo, inclusive reabrindo o espaço para as sustentações orais. Irritado, Fux retrucou que achava a sugestão "um absurdo". Lewandowski questionou se o advogado não teria a oportunidade de convencer o novo ministro sobre a inocência de seu cliente. Diante disso, Barroso também se exaltou: "As duas que já acabaram? Com julgamento proclamado? Pode deixar o advogado atuar, mas de ofício?"

Lewandowski então retornou ao ponto inicial e disse que queria que constasse em ata seu posicionamento de que o empate deve sempre favorecer ao réu, e também que o julgamento, segundo ele, não tinha terminado. "O julgamento não terminou porque eu, como ministro da Suprema Corte, não tive a oportunidade de votar na dosimetria."

Barroso retrucou: "Mas vossa excelência estava presente. Não votou, não votou". Gilmar voltou a intervir, lembrando que não foi aberto o espaço para a discussão da dosimetria. Fux resolveu a situação dizendo que iria verificar, "à luz do regimento", o que ele pode fazer, na posição de presidente, e proclamou o julgamento seguinte.

Jurisprudência
Antes que as votações de ações penais fossem transferidas às Turmas, houve um caso em que o Plenário enfrentou questão de ordem para saber se os ministros que ficaram vencidos no mérito poderiam votar na dosimetria. Trata-se da Ação Penal 432, em que, a partir de uma questão de ordem suscitada pelo ministro Dias Toffoli, o Plenário, repisando o entendimento da AP 470, entendeu que todos deveriam votar na dosimetria, independentemente do que foi votado no mérito.

Nessa ocasião, o ministro Gilmar Mendes ficou vencido, junto com o ministro Marco Aurélio, ponderando que, se o voto de Dias Toffoli havia resultado na extinção de punibilidade, ele não poderia votar na dosimetria. Toffoli, então, lembrou outros processos em que havia se dado a mesma discussão.

Ele trouxe à roda um julgamento do mensalão em que a mesma questão foi formulada, alegando que a participação dos vencidos na dosimetria da pena era que "questão de lógica, de teoria dos conjuntos".

Fux então disse que a lógica do Plenário para não autorizar que os votos vencidos votassem na dosimetria da pena era a de que, "se uma maioria absolve e os demais participam da dosimetria, pode ocorrer que se forme um paradoxo de a maioria considerar o fato típico e na dosimetria da pena haver uma preponderância da dosimetria daqueles que absolveram, porque é quase que lógico que os que absolveram entenderam a conduta de somenos e vão fixar a pena num limite abaixo daqueles que condenaram e que têm que justificar a condenação".

Barroso, por sua vez, disse que concordava com Fux, mas que o argumento não impedia os ministros que ficaram vencidos de votar, uma vez que eles partiriam da premissa fática que foi estabelecida, ou seja, a condenação. "Por dever de boa-fé, os fatos que tenham sido assentados pela maioria não podem ser desconsiderados pelo o que absolveu e vai votar. Portanto, a questão de fato está resolvida."

AP 969, 973 e 974

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