Opinião

Os desafios do ESG nas operações de CRI

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29 de setembro de 2021, 9h15

Uma vez que a sociedade como um todo vem buscando cada vez mais ter clareza e domínio sobre os impactos de suas ações no mundo, tendo em vista seu papel indispensável para o desenvolvimento econômico, o conceito de "sustentabilidade" passou a ter uma enorme relevância, em especial quando falamos na indústria dos investimentos. Nos últimos anos, saímos de um capitalismo hostil para um capitalismo de stakeholders.

O conceito de "investimentos responsáveis" está se tornando cada dia mais um fator decisivo para investidores no momento de alocarem seus recursos. Em junho deste ano, a Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio) divulgou uma pesquisa realizada com líderes de companhias e startups, a qual mostrou que 95% dos entrevistados já deram início a algum tipo de implementação ESG, e 68% já reconhecem benefícios diretos dessa mudança no negócio.

O impacto das empresas no meio ambiente, a corrupção, em especial no nosso país, que assombra o mundo das atividades corporativas e públicas, e, em destaque, a mobilização mundial em torno da crise sanitária ocasionada pela pandemia decorrente da Covid-19 nos últimos dois anos, vêm motivando tanto as empresas quanto os investidores a focarem nesses tipos de ativos e atividades, visando a estimular uma mudança real e efetiva no mundo, além do receio de ficarem para trás diante desse novo cenário.

ESG e sua diferença em relação ao greenwashing
Em primeiro lugar, nos cumpre aqui conceituar o ESG. A sigla significa environment, social and governance (ambiental, social e governança corporativa) e surgiu no início dos anos 2000, com o intuito de trazer ao mercado financeiro os conceitos já existentes de responsabilidade corporativa e responsabilidade socioambiental. O objetivo inicial do ESG era estruturar a coleta dos dados que envolvem esses três fatores, com o intuito de facilitar e tornar mais assertivas as escolhas feitas tanto pelas empresas quanto pelos investidores do mercado financeiro. Hoje o ESG é visto cada vez mais como uma cultura de certa forma obrigatória para as empresas do mercado, uma vez que se tornou um dos principais requisitos dos investidores no momento de escolher os ativos a serem investidos.

Em um caminho que vai exatamente no sentido oposto do ESG, surgiu o greenwashing, que nada mais é que a estratégia de promover discursos, campanhas, ações, documentos sobre ser ecologicamente correto, mas sem realmente adotar medidas que colaborem com a preservação ou solucionem os problemas ambientais. Em outras palavras, é como uma propaganda enganosa, conceito trazido inclusive pela tradução literal do termo: "lavagem verde", ou seja, uma maquiagem, um disfarce do que de fato deveria ser o ESG, é a companhia se vender como sustentável não sendo de fato sustentável. E por que isso acontece?

A resposta é simples: facilidade. Enquanto o ESG é rodeado de uma estrutura complexa, que vai desde o estudo das medidas a serem implementadas, a forma como será feito, o tipo de sustentabilidade a ser defendida e empregada, a divulgação dessa política, até o emprego na prática dessas atividades, seja dentro das empresas com as políticas de governança e de inclusão, seja no relacionamento com a comunidade, através da criação de investimentos acessíveis ou através do desenvolvimento de programas de conservação do meio ambiente e redução de impactos ambientais na sociedade, o que possui um custo elevado e uma grande cadeia de procedimentos e trabalhos, o greenwashing é apenas a divulgação de todo o processo supramencionado, mas sem a implementação na prática.

Vale mencionar também o fato de que as certificações de títulos verdes oferecidas atualmente pelas agências envolvem mais um custo na estruturação de um papel, surge mais um obstáculo para que as sociedades (especialmente as menores) consigam de fato implementar em suas culturas o ESG e não acabem sendo mais uma disseminadora do greenwashing. Então, como balancear a segurança dos títulos verdes ou títulos sociais, de forma preventiva a este evento, sem excluir desse processo as empresas menores que queiram incorporar esses valores aos seus produtos? A resposta é: focar na cadeia produtiva da empresa, nos ativos que dominam a receita da companhia, e em métricas mensuráveis e de curto prazo. Como toda mudança que deseja se tornar definitiva, não há como implementar a cultura dos "investimentos responsáveis" da noite para o dia, é preciso que as empresas e, principalmente, os investidores, entendam que há um caminho longo a ser percorrido.

Nesse sentido, falando na visão do investidor, é preciso, muito mais que saber em qual ativo será alocado o recurso, analisar a fundo a companhia por trás dos investimentos, sua cultura, sua repercussão e reputação no mercado, o histórico de atividades relacionados ao ESG e seus resultados na prática, as estratégias usadas de acordo com o objetivo de cada investidor, ou seja, em tempos de "investimentos responsáveis", além do preço, da volatilidade, da liquidez, entre outros aspectos, o investidor precisa se questionar: estou de fato diante de um ativo ESG ou se trata apenas de greenwashing?

Em março deste ano, a União Europeia introduziu novas regulamentações para prevenir o greenwashing. De acordo com as regras europeias, que fazem parte de uma série mais ampla de regulamentações das chamadas finanças verdes, os produtos de investimento serão efetivamente classificados como sustentáveis e não sustentáveis. Qualquer gestor de ativos que deseja comercializar seu fundo como um produto sustentável estará sujeito a rígidos requisitos de divulgação.

Nessa mesma direção, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou, no final de 2020, audiência pública para reforma da Instrução CVM 480. Um dos objetos da reforma é aprimorar a prestação de informações ligadas a questões ESG, de modo a atender à crescente demanda de investidores pelo tema. Entre as principais inovações ligadas à sustentabilidade, destacam-se: a) maior destaque à divulgação de fatores de risco sociais, ambientais e climáticos; b) exigência de posicionamento dos emissores sobre objetivos de desenvolvimento sustentável relevantes no contexto de seus negócios; c) necessidade de emissores que não divulgam relatórios de sustentabilidade ou não adotam indicadores-chave de desempenho para questões ambientais e sociais de explicarem o motivo de não o fazerem; e d) informações sobre diversidade nos cargos de administração e entre os empregados dos emissores. Nesse sentido, nota-se que, dentro do mercado financeiro, aqueles órgãos que podem auxiliar na busca pela regulamentação dos investimentos sustentáveis e, consequentemente, auxiliar na eliminação, ou pelo menos, diminuição do greenwashing, já o estão fazendo, dando assim mais segurança ao investidor quando da escolha desse tipo de operação.

ESG e o mercado financeiro
A sigla ESG aparece no mercado financeiro, pela primeira vez, no documento elaborado pelo Pacto Global, este criado em 2000 por grandes corporações globais convocadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2004, nomeado "Who Cares Win", com o objetivo de compilar os principais aspectos dos "investimentos responsáveis".

De acordo com a Global Sustainable Investment Alliance, em relação ao ano de 2016, houve um aumento global de cerca de 34% de ativos sob gestão que são gerenciados por fundos que definiram estratégias sustentáveis. Outro aspecto que comprova o aumento dos investidores para portifólios que buscam implementar os fatores ESG é o número de subscritores do código de sustentabilidade do Principles for Responsible Investment (PRI — Princípios para o Investimento Responsável), que mais do que dobrou desde 2016.

No Brasil, apesar de ter ganhado força nos últimos meses, quando comparado com o cenário internacional, ainda estamos em um estágio muito inicial da implementação do ESG no mercado. No entanto, conforme já mencionado, entendemos que a  pandemia do vírus da Covid-19 funcionou como um catalisador, abrindo os olhos daqueles envolvidos na indústria do investimento para a importância das questões trazidas pelo ESG, tanto sociais e de governança mas, principalmente, os aspectos ambientais.

Atualmente nota-se uma evolução significativa do número de investidores que consideram as questões de ESG em suas decisões de investimento, o que aumenta a pressão das companhias cujos processos parecem não contribuir positivamente para tais objetivos. O que já vemos atualmente é um fluxo de capital crescente para ativos ou fundos de investimento que estejam alinhados a essa cultura.

Nesse aspecto, vale mencionar, inclusive, que o Banco Central do Brasil (Bacen) vem avançando na regulamentação e nas ações de sustentabilidade. No mês de setembro, foi publicado o primeiro "Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas" (RIS), o qual relaciona as práticas da referida autarquia para mitigar os riscos decorrentes tanto das mudanças ambientais e climáticas, quanto pela desigualdade de oportunidades de participação social, trabalhando por um sistema financeiro mais sólido e condizente com a busca pela nova realidade global no quesito sustentável.

Além do RIS, o Bacen publicou um conjunto de normativas (Resoluções CMN nºs 4.943, 4.944 e 4.945, Resolução BCB nº 139 e Instrução Normativa BCB nº 153) com o objetivo de tornar o Sistema Financeiro Nacional (SFN) mais sustentável, através da criação de regras que dizem respeito à governança e às estratégias para gestão de riscos sociais, ambientais e climáticos, assim como à divulgação destas informações, a serem aplicadas às instituições do SFN.

Especificamente no mercado de securitização imobiliária, no final de junho de 2020, a FS Fueling Sustainability, maior indústria brasileira de etanol produzido exclusivamente de milho, emitiu cédula de crédito bancário no valor de R$ 120 milhões, cujos direitos e créditos serviram de lastro para emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), com taxa vinculada ao alcance de metas verdes. A operação contou com a emissão de parecer favorável da Sitawi Finanças do Bem, organização social de interesse público pioneira no desenvolvimento de soluções financeiras para impacto social e na análise da performance socioambiental de empresas e instituições financeiras.

Em fevereiro deste ano ocorreu a emissão do primeiro título verde com a referida certificação internacional para projetos de energia solar na América Latina, através da emissão de duas séries de CRI, sênior e subordinada, com lastro em créditos imobiliários locatícios de cinco parques solares da Órigo Energia. A emissão foi caracterizada como título verde, tendo as seguintes características: a) desempenho ambiental satisfatório, financiamento da geração de energia solar em conformidade com boas práticas de gestão ambiental dos projetos e das operações das centrais; b) o atendimento dos procedimentos pré-emissão para enquadramento; e c) a obtenção da certificação internacional como Green Bond, com base nos "Climate Bonds Standard V 3.0", elaborados pela Climate Bonds Initiative (CBI).

Nesse sentido, trazendo o ESG para as operações financeiras voltadas para o ramo imobiliário, como por exemplo as operações de CRI, conforme supramencionado, se torna quase impossível separarmos as três vertentes dessa cultura: ambiental, social e governança, ainda que o primeiro ponto que venha a mente seja sempre o ambiental.

Os investimentos em ativos imobiliários, justamente pela sua natureza, requerem um processo de auditoria minucioso e específico, tendo em vista o grande impacto, tanto positivo como negativo, que as construções civis podem gerar ao meio ambiente de forma geral, incluindo inclusive a sociedade. Evidente que o aspecto ambiental talvez seja mais fácil de enxergar, uma vez que a maior parte dos empreendimentos imobiliários, para a sua aprovação e desenvolvimento, precisam de licenças ambientais específicas, autorizações de órgãos fiscalizadores, estudos de impacto, ou seja, aspectos mais palpáveis. No entanto, é de suma importância para que os ativos advindos de operações imobiliárias sejam considerados "investimentos responsáveis", que as companhias ligadas às operações financeiras, como gestoras, securitizadoras, incorporadoras/construtoras, também desenvolvam internamente políticas sociais, de inclusão, e que comprovem o benefício da construção daquele determinado empreendimento para a comunidade ao redor.

Alcançados todos os requisitos para que o papel seja considerado um ativo ESG e, após lançado ao mercado, surge mais um desafio dessa nova cultura: fazer o monitoramento pelas companhias ao longo de todo o prazo (duration) do título. Como estamos falando de "investimentos verdes", ligados a questões ambientais, muito mais que o acompanhamento de valores, taxas e pagamentos, é preciso estar sempre monitorando a continuidade dos aspectos sustentáveis, os estudos de impacto, a renovação da licenças, bem como estar sempre atualizado quanto às notícias e mudanças globais dentro da nova tendência ESG.

Apesar dos passos lentos e da maior cautela para o desenvolvimento de projetos e ativos ESG no mercado financeiro brasileiro, a observação dos aspectos ambientais, sociais e de governança na gestão de ativos, principalmente imobiliários, está sendo visto como uma oportunidade de melhoria de desempenho de investimentos no setor, pode trazer significativos ganhos a todos os players, inclusive aos investidores.

Assim, com um mercado em plena transformação, tanto pelo lado dos investidores quanto pelas empresas, e uma regulação que tem se tornado cada vez mais atenta e rígida dentro dos temas, além do surgimento de novas gerações que estão vindo com valores diferentes da atual, concluímos que as mudanças trazidas pela cultura de ESG, em especial em relação ao mercado financeiro, definitivamente vieram para ficar.

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