Opinião

Alteração dos prazos das outorgas e interação entre as leis

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29 de setembro de 2021, 16h04

Como se sabe, os agentes geradores autorizados podem ser impactados de formas distintas pela aplicação da Lei 12.783/2013, que versa sobre outorga de autorização e possibilidade de "prorrogação onerosa" desta; da Lei 13.203/2015, acrescida pela Lei 14.052/2020, que versa sobre os impactos do generator scalling factor (GSF) e compensação aos agentes por fatores não hidrológicos indevidamente atribuídos ao mecanismo de realocação de energia (MRE), mediante "extensão" do prazo de outorga; da Lei 13.360/2016, que versa sobre a recomposição do prazo de outorga quando da hipótese de atraso no início da operação comercial decorrente de circunstâncias excludentes de responsabilidade mediante "extensão do prazo de outorga"; da Lei 9.427/1996, alterada pela Lei 14.120/2021, que dispõe sobre o direito ao "ajuste" do início da contagem do prazo de outorga de autorização; e, enfim, da Lei 14.182/2021, que dispõe sobre a "prorrogação" dos contratos Proinfa como condição para desestatização da Eletrobras, situação na qual a outorga deverá ser estendida para acompanhar o contrato. Uma consequência em comum da aplicação de todas essas é a alteração do prazo da outorga de autorização. Entretanto, os motivos que levam à aplicação de tais leis são diferentes e devem ser compreendidos em sua individualidade, e não podem ser confundidos entre eles.

Os dias 10 e 11 de outubro deste ano serão históricos para os geradores autorizados por tratar-se do prazo fatal para duas tomadas de decisão relevantes, quais sejam, respectivamente: 1) renúncia do direito de discutir risco hidrológico para fins de extensão do prazo de suas outorgas nos termos da Lei da Lei 13.203/2015, acrescida pela Lei 14.052/2020 para agentes geradores do MRE que não repactuaram energia; e 2) para manifestação preliminar dos geradores do Proinfa acerca da concordância quanto a prorrogação dos contratos prevista na Lei 14.182/2021, conforme Portaria Normativa nº 26/GM/MME.

Para tomada de ambas as decisões, é imperioso que haja segurança jurídica e clareza regulatória do gerador quanto à aplicação de todos os dispositivos legais já citados, se for o caso. Veja-se que estes tratam sobre "prorrogação", "extensão" e "ajuste", e que, ao fim e ao cabo, têm por consequência alteração do prazo da outorga, devendo tais normas serem aplicadas de forma independente e inconfundível, de acordo com suas respectivas naturezas jurídicas, motivações e consequências, conforme abaixo elucidado.

A começar, importante destacar que "prorrogação" é, nas palavras do professor Marçal Justen Filho [1], gênero das espécies prorrogação-renovação e a prorrogação-ampliação. Enquanto a prorrogação-renovação se presta a iniciar um novo período de outorga, muitas vezes com novas regras e novo regime, inaugurando, assim, um novo período contratual e uma nova equação econômico-financeira, as prorrogações-ampliação se prestam a compensar um desequilíbrio nessa equação dentro do próprio período da outorga, sem que uma nova seja concedida.

Assim, das prorrogações-renovação, necessariamente, surgirão novos atos de outorga com novos termos iniciais, ou a renovação de atos existentes, ao passo que nas prorrogações-ampliação as outorgas vigentes são alteradas como uma forma de compensação. Isso porque nas primeiras se inicia um novo ciclo, enquanto nas segundas, o prazo é alterado de tal forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro daquela outorga.

Ao analisar as leis citadas acima, que regulam os prazos das outorgas dos agentes participantes dos Proinfa, é nítida essa diferença.

A Lei 12.783/2013 trouxe a faculdade de o titular da outorga prorrogar por mais 30 anos sua outorga, frise-se somente ao final desta, alterando o regime para uma autorização onerosa. Percebe-se que não implica em perda alguma para o agente, não compensa nenhuma perda passada ou futura, não reconhece nenhuma forma de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, não altera a outorga vigente e trata de uma nova outorga, com novo regime, ao final da outorga atual. É, portanto, uma prorrogação-renovação.

Já a Lei 13.203/2015 trata dos impactos do GSF menor do que um no MRE que atingiram os agentes participantes deste mecanismo. Nessa lei, acrescida pela Lei 14.052/2020, há o reconhecimento por parte do legislador acerca dos prejuízos causados pela Administração Pública aos agentes integrantes do MRE, estabelecendo quais são esses prejuízos e de que forma atingiram os agentes e, ao final, propondo aos agentes uma compensação para indenização destas perdas. Essa compensação se dá através de: 1) contabilização de tais prejuízos; 2) trazendo, contabilmente, tais prejuízos a valor presente a fim de compor um "ativo regulatório"; e 3) levando esse ativo regulatório até o final da outorga do agente a fim de calcular o prazo de extensão necessário para compensar tais prejuízos. Verifica-se, então, que há claro reconhecimento de um desequilíbrio da equação econômico-financeira da outorga, concluindo-se que a lei trata de uma prorrogação-ampliação.

Enquanto a Lei 13.360/2016 dispõe da possibilidade de recomposição do prazo de outorga cuja implementação atrasou o início da operação comercial em decorrência de circunstâncias de caso fortuito ou força maior. Nesse caso, haja vista intenção do legislador em compensar o gerador pelas perdas sobre as quais não teve gerência, evidencia-se a natureza de prorrogação-ampliação.

E ainda a Lei 14.120/21, que incluiu redação na Lei 9.427/96, dispõe do "ajuste" do termo inicial das outorgas de autorização que: 1) estivessem em operação em 1º de setembro de 2020; 2) possuam prazo de 30 anos; e 3) não tenham sido objeto de penalidade da Aneel por descumprimento do cronograma de implantação. Esse dispositivo vem reconhecer atrasos no cumprimento do cronograma de implantação, alheios à vontade e à gestão do agente, e que impactaram na entrada de operação do empreendimento, subtraindo seu prazo de exploração comercial e, consequentemente, causando desequilíbrio na equação econômico-financeira da outorga. A compensação, nesse caso, ocorre através da alteração do termo inicial da outorga, do ato autorizativo para a data de declaração da operação comercial da primeira máquina, preservando a integralidade do prazo autorizado de 30 anos. Dessa forma, altera-se também o termo final da outorga, dando mais tempo ao agente para explorar comercialmente a outras e equilibrar sua equação econômico-financeira. Claramente o "ajuste" de que se trata o dispositivo é uma prorrogação da espécie prorrogação-ampliação.

Por fim, a Lei 14.182/21 trata da desestatização da Eletrobras como tema central, impondo condições à Administração Pública para sua operacionalização, entre elas: a forma de desestatização, a obrigatoriedade de contratação de usinas termoelétricas para garantir a segurança energética e a faculdade de um novo contrato para os agentes do Proinfa com o fim de buscar modicidade tarifária, entre outras obrigações. Ao tratar dos contratos do Proinfa, oferece aos agentes que aderirem à prorrogação do contrato uma compensação em função de uma perda de direitos. Àqueles que renunciarem ao IGPM como índice de correção do contrato para o período de 2020 para 2021, em contrapartida, terão direito a um novo contrato de mais 20 anos, com o preço máximo equivalente ao teto estabelecido para geração de pequena central hidrelétrica (PCH) do Leilão A-6 de 2019 para empreendimentos sem outorga, preservados os direitos e obrigações do contrato original e com regras definidas na própria lei. Aos agentes que optarem em aceitar a prorrogação dos contratos, as respectivas outorgas serão prorrogadas até o fim do novo contrato com o propósito específico de cumprir esse novo prazo contratual. Ora, nesse caso é facultado ao agente colaborar com a modicidade tarifária no curto prazo abdicando da correção pelo IGPM 2020/2021, em detrimento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sendo compensado por isso com um novo contrato que irá resultar na prorrogação de sua outorga pelo justo prazo necessário ao cumprimento deste novo contrato. Dentro da lógica que nos ensinou o professor Marçal Justen Filho, os agentes detentores de outorgas que aceitarem essas condições serão beneficiários de uma prorrogação-ampliação, uma vez que as outorgas serão prorrogadas para atender a um novo contrato, oferecido em troca de uma redução do fluxo de caixa imediato, e até o final do contrato vigente, ou seja, uma compensação por um desequilíbrio econômico-financeiro.

Feitas essas explicações, veja-se que, para tomada de decisão sobre a extensão do prazo de outorga, prevista na Lei 13.203/2015 alterada pela Lei 14.052/2020, o agente necessita primordialmente de segurança jurídica e clareza regulatória de que o cálculo da indenização  em dias adicionais de outorga — será realizado levando-se em consideração a data do termo inicial e do termo final da outorga a que o gerador faz jus, de acordo com os seus direitos e peculiaridades, inclusive o direito ao ajuste na outorga, com fulcro na Lei Lei 14.120/21, que incluiu redação na Lei 9.427/96.

Veja-se que a finalidade do legislador ao propor aos agentes autorizados a compensação mediante "ajuste" do termo inicial das outorgas é a preservação da exploração da usina pelo prazo integral 30 anos, haja vista a ocorrência de atrasos na implantação da usina sobre os quais o agente não foi responsabilizado e que culminaram atraso na entrada em operação comercial. Ou seja, o fato gerador da aplicação de tal direito previsto na Lei 14.120/21, que incluiu redação na Lei 9.427/96, ocorreu muito antes de os agentes geradores experimentarem os efeitos de GSF.

Nesse caso, a cronologia de aplicação dos direitos é fundamental, pois como a Lei 13.203/2015 determina que o ativo regulatório será levado até o final da outorga acrescido de uma taxa de remuneração, a alteração do termo final da outorga nos termos da Lei 9.784/1996 alterada pela Lei 14.120/2021 deve ser considerado neste cálculo. Significa que se o agente gerador preenche os requisitos objetivos para fins de aplicação ao direito de "ajuste" do início da contagem do prazo de outorga de autorização, e a aplicação de tal direito foi requerida, a efetivação da extensão do prazo de outorga prevista na Lei 13.203/2015, alterada pela Lei 14.052/2020, deverá, necessariamente, considerar esse novo termo inicial e o final da outorga a que o gerador faz jus, sob pena de não contemplar a totalidade da outorga do gerador e não indenizá-lo integralmente. Registre-se que as diferenças entre um cenário e outro são significativas!

Ademais, nessa mesma lógica, é imperioso o reconhecimento de que a recomposição de prazo prevista na Lei 13.360/2016 deve ser igualmente considerada e não subtraída, aglutinada ou absorvida por outra recomposição com a compensação prevista na Lei 13.203/2015 alterada pela Lei 14.052/2020, sendo aplicada de forma independente e levando-se em consideração que, tal qual o direito ao "ajuste" na outorga, o fato gerador que enseja o direito à recomposição do prazo de outorga vide Lei 13.360/2016 ocorreu à época da implantação da usina, muito antes de GSF.

Ainda sobre a tomada de decisão do agente gerador quanto à adesão à extensão do prazo de outorga com fulcro na Lei 14.052/2020, faz-se necessária a confiança de que quando a outorga chegar ao final do prazo atual, contemplando a implementação de todas as prorrogações-ampliação necessárias para compensar cada desequilíbrio, só então ela estará apta a se enquadrar na prorrogação renovação de que trata a Lei 12.783/13, uma vez que não foi prorrogada nos termos dessa lei, mas de outras com finalidades distintas.

Para tomada de decisão do agente do Proinfa acerca da prorrogação dos contratos, é imperiosa a clareza, entre outros aspectos, de que a "prorrogação" da outorga, que se presta acompanhar o contrato, é da natureza prorrogação-ampliação, de modo que a extensão do prazo de outorga de que trata a Lei 13.203/2015, alterada pela Lei 14.052/2020, deverá ser somada à prorrogação-ampliação de que trata a Lei 14.182/2021, assim como as demais prorrogações da mesma espécie prorrogação-ampliação. Nesse mesmo sentido, dada a natureza jurídica de prorrogação-ampliação da Lei 14.182/2021, esta não obsta a prorrogação-renovação da Lei 12.783/2013.

Ora, como as prorrogações-ampliação se prestam a compensar perdas específicas, não é dado a qualquer interação entre esse tipo de prorrogação promover subtração, sobreposição, absorção ou aglutinação de prazos entre elas. O propósito de cada prorrogação-ampliação é o de preservar o equilíbrio econômico-financeiro da outorga, na justa medida de cada compensação de desequilíbrio, de forma a não interferir em outras prorrogações de nenhuma espécie.

Portanto, para a segurança nas tomadas de decisão dos agentes geradores até os dias 10 e 11 de outubro, que se aproximam, o que se percebe com clareza é que as alterações nas outorgas, decorrentes da espécie prorrogação-ampliação, devem manter sua integralidade entre si, uma vez que se prestam a compensar, individualmente, desequilíbrios econômico-financeiros em cada outorga. Qualquer efeito de subtração, sobreposição, aglutinação ou qualquer outra forma de redução que o valha teria o efeito imediato de diminuir o prazo total da outorga de forma a mantê-la desequilibrada. É somente ao final da outorga inicial, depois de cumpridas todas as prorrogações-ampliação, e compensados os correspondentes desequilíbrios, que a outorga fará jus a prorrogação-renovação nos termos da Lei 12.783/2013.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. "Prorrogação Contratual: a propósito da Lei 13.448/2017". São Paulo: JOTA, 2017. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/prorrogacao-contratual-a-proposito-da-lei-13-4482017-12062017.

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