Opinião

Sobre o jurista Machado de Assis

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29 de setembro de 2021, 13h33

Miguel Matos junta-se aos vários autores que examinaram uma faceta de Machado de Assis — Raimundo Magalhães Júnior, Afrânio Coutinho, Peregrino Júnior, Josué Montello etc. — com o intuito de melhor compreender e fazer compreender o nosso maior escritor.

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Machado foi um fenômeno sem equiparação na história de nossa literatura e com raros pares em outras: o do autodidata absoluto. Apesar de ter saído de uma grande pobreza, que não lhe abriu a possibilidade de frequentar escola, chegou ao fim da vida conhecendo várias línguas e música — de uma maneira que lhe permitiu tornar-se lido por um público extremamente eclético, que ia dos mais humildes aos mais sofisticados de seus contemporâneos. A rara, talvez única, exceção nesse apreço unânime notabilizou-se por isso, não lhe mencionemos o nome.

Vindo ao presente, o gosto por Machado passou a ser universal com as glórias que sempre mereceu. A Academia Brasileira de Letras, que fundou — sem seu apoio e trabalho ela não existiria —, foi erguida sobre seus ombros, pois o secretário, seu grande amigo Joaquim Nabuco, logo se tornou nosso primeiro embaixador nos Estados Unidos. Mais importante, sua obra continua a ser um acontecimento sem par em nossa língua. Nenhum dos nossos grandes escritores, e os temos muitos, a ele se iguala na percepção do que é o ser humano e na capacidade de fazer o leitor mergulhar nesse enredo íntimo, que se estende rápida e amplamente à sociedade em que viveu e vivemos.

Miguel Matos examina, e prova, e mostra, o Machado de Assis conhecedor de Direito, da advocacia, do processo jurídico, da figura do bacharel em Direito, do criminoso, do crime etc. O livro é um volume eloquente, com o amplo estudo de passagens e exemplos. É uma leitura que nos faz reler Machado, o que é sempre excelente; mas é também a leitura de um escritor que soube ler e aproveitar as lições do grande escritor.

Ao examinar um dos aspectos da relação de Machado com o Direito, Miguel Matos aborda a questão do funcionário público. Funcionário exemplar, tantos disseram, com razão. Foi Manuel Antônio de Almeida quem lhe deu o primeiro emprego público, como tipógrafo da Imprensa Nacional, tinha ele 17 anos. Em 1867, foi nomeado ajudante de diretor do Diário Oficial. Mas só em 1873 assumiu uma vaga de funcionário público, primeiro-oficial na Secretaria de Estado da Agricultura. Nesse órgão fez carreira, como aliás o dito cujo, que abrangeu grande parte da  administração do Império, até separar-se, já na República, do Ministério da Viação, onde Machado foi secretário do ministro. Ali trabalhou até as vésperas da morte, 35 anos depois.

O que quero salientar é que o conhecimento minucioso de todas as tarefas da Administração Pública fez parte do que caracterizaria o grande homem: a compreensão, o domínio do instrumento intelectual e sua aplicação com perfeição, envolvendo desde o zelo com a coisa pública — patrimônio ou direito — até o cuidado com o cidadão. O conhecimento do Direito Público fez, assim, parte da tarefa que se impôs: saber para servir.

O livro de Miguel Matos — "Código de Machado de Assis: Migalhas Ju- rídicas" —, sob o título talvez despretensioso, acumula um verdadeiro tesouro para o leitor que se interesse pelo Direito ou queira simplesmente saborear a obra de Machado e aprender a "combinar as regras do Direito universal com as do pátrio costume".

Não quero deixar de mencionar que Miguel Matos é a alma do portal Migalhas, há 20 anos foco da comunicação jurídica no país.

* Texto publicado como prefácio do livro "Código de Machado de Assis — Migalhas Jurídicas", de Miguel Matos (Editora Migalhas, 592 páginas).
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