Tragédia anunciada

Resistência do Congresso a indicação do Planalto reflete fraqueza do governo

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28 de setembro de 2021, 20h11

Na história recente da República, nenhuma indicação do presidente da República para o Supremo Tribunal Federal demorou tanto para ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado quanto a do advogado André Mendonça, ex-ministro da Justiça. O também ex-advogado geral da União aguarda há exatos 79 dias (contados até esta terça-feira, 28/9) para ser sabatinado no colegiado.

Ex- AGU André Mendonça aguarda há 79 dias para ser sabatinado pelo Senado
Marcello Casal JrAgência Brasil

Dentre os atuais integrantes do STF, nenhum demorou tanto para ser sabatinado após a indicação pela presidência. Rosa Weber foi quem esperou mais tempo para se apresentar ao Senado, 30 dias depois de ser indicada por Dilma Rousseff, em novembro de 2011. No caso mais rápido, Ricardo Lewandowski foi à CCJ meros três dias depois de indicado por Lula, em fevereiro de 2006.

Mesmo o primeiro indicado de Jair Bolsonaro, o então desembargador federal Kássio Nunes Marques, teve um trajeto tranquilo no caminho até assumir a posição deixada pela aposentadoria de Celso de Mello. Foi indicado 11 dias antes de o decano do STF se aposentar e sabatinado apenas 9 dias depois de a cadeira ficar oficialmente vaga.

O jogo, no entanto, mudou. As razões são várias, e vão desde a própria intenção do presidente Jair Bolsonaro de indicar um nome identificado com as pautas conservadoras com as quais se apresenta ao seu eleitorado até uma manifesta atuação estratégica do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que reluta em pautar indicação de Mendonça. Todas elas, no entanto, têm um ponto em comum: são uma evidência da falta de articulação política do atual governo.

Um especialista nos jogos políticos de Brasília observou à ConJur que, apesar de, nas últimas semanas, a relutância de Alcolumbre ter acabado por provocar reações pedindo para que a tramitação do nome seja acelerada, o movimento não é suficiente para que ocorra um desfecho rápido.

Esta mesma fonte notou que o silêncio da maioria do Senado sobre a demora de Alcolumbre também é um sinal, ainda que negativo, sobre as chances de Mendonça ser indicado para o STF. "A não resposta do Senado é, por si só, uma resposta", afirmou.

Dois lados da moeda
Para o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Álvaro Palma de Jorge, é errônea a percepção de que o presidente indica um nome e o Senado prontamente referenda o escolhido.

Tempo entre indicação e sabatina
Nome Sabatina Tempo
Gilmar Mendes 15/5/2002 22 dias
Ricardo Lewandowski 9/2/2006 3 dias
Cármen Lúcia 17/5/2006 7 dias
Dias Toffoli 30/9/2009 13 dias
Luiz Fux 9/2/2011 8 dias
Rosa Weber 6/12/2011 30 dias
Luís Roberto Barroso 5/6/2013 13 dias
Luiz Edson Fachin 12/5/2015 29 dias
Alexandre de Moraes 21/2/2017 15 dias
Nunes Marques 21/10/2020 19 dias
André Mendonça 79 dias…

Embora as indicações para o STF sejam quase sempre aprovadas (a história registra que somente no início da República indicações foram rejeitadas pelo Senado), isto não significa que não precise haver uma negociação política em torno do nome escolhido, o que Bolsonaro, aparentemente, não levou em conta.

As indicações só têm essa taxa de rejeição tão baixa porque o processo político de conversa entre os poderes antes da decisão final funciona como uma garantia de que não vá haver conflito aparente. Em artigo, o advogado notou que o processo que resulta no preenchimento de uma vaga no Supremo não é um ato unilateral do presidente da República.

A indefinição em torno da escolha de Mendonça, segundo de Jorge, confirma a tese de que existe um contrapeso constitucional, que é o poder do Senado na escolha de pretendentes ao STF. No caso presente, porém, ele acredita que o impasse causado pelas atitudes políticas de Alcolumbre "já passou do razoável", porque o próprio STF já manifestou desconforto com a situação, visto que a falta de um de seus integrantes afeta os trabalhos da Corte.

Antonio Cruz - Agência Brasil
Bolsonaro indicou André Mendonça ao STF mesmo dia em que o ministro Marco Aurélio se aposentou, em 12 de julho de 2021
Antonio Cruz – Agência Brasil 

"Essas decisões não deveriam ser individuais", diz o professor e advogado. A Constituição, segundo ele, estabelece, no parágrafo único do artigo 101, que a escolha do indicado ao STF é do colegiado do Senado, embora a casa legislativa disponha de seus ritos próprios que, no momento, atrapalham a indicação presidencial.

Por outro lado, de Jorge nota que antes da Constituição de 1988, não houve um histórico de debates ou recusa dos nomes. "Tais dados indicam que a sociedade brasileira, e, portanto, o seu Senado, não se preocupava com o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Este cenário começou a ser alterado a partir de 1988", diz ele.

Ou seja, até a Constituição de 1988, não havia uma preocupação tão premente quanto aos nomes que comporiam a Corte. Foi o desenho institucional esboçado na Constituição que impulsionou a discussão de temas que, até então, jamais haviam chegado ao STF.

Tempo entre aposentadoria e indicação
de um novo nome ao Supremo
Nome Indicação Tempo
Gilmar Mendes 25/4/2002 1 dia
Ricardo Lewandowski 6/2/2006 19 dias
Cármen Lúcia 10/5/2006 43 dias
Dias Toffoli 17/9/2009 16 dias
Luiz Fux 1/2/2011 187 dias
Rosa Weber 7/11/2011 95 dias
Luís Roberto Barroso 23/5/2013 188 dias
Luiz Edson Fachin 14/4/2015 257 dias
Alexandre de Moraes 6/2/2017 18 dias
Nunes Marques 2/10/2020 – 11 dias
André Mendonça 12/7/2021 0 dias

Jogo político
A história dos atuais ministros do STF mostra também que, se até então o Senado não se importava em analisar prontamente as indicações presidenciais, a definição de um nome nem sempre foi tão ágil. Quanto mais a situação política foi se degradando durante os anos de governo do PT, mais demorada passou a ser a negociação para preencher a corte constitucional.

Lula, por exemplo, indicou três ministros ao STF e não demorou mais de 43 dias para anunciar nenhum deles. Gilmar Mendes, o último remanescente indicado por Fernando Henrique Cardoso, teve o nome anunciado apenas um dia depois da aposentadoria de Néri da Silveira.

Já no governo Dilma, o prazo foi estendido. Luiz Fux foi indicado após 187 dias; Rosa Weber; depois de 95 dias; Luís Roberto Barroso, só após 188 dias; e Luiz Edson Fachin, o recordista, levou 257 para ter o nome anunciado pela petista.

Após o impeachment, Michel Temer indicou Alexandre de Moraes meros 18 dias depois da morte de Teori Zavascki em uma queda de avião.

Se antes Mendonça era dado como um nome certo para compor a Corte, o jogo político de Davi Alcolumbre acabou por contaminar parte dos eleitores com os quais o ex-ministro poderia contar para sua aprovação em Plenário, depois de superada a sabatina na CCJ.

O ex-presidente do Senado perdeu o poder de comandar a Casa, mas o mantém para impedir que a sabatina de Mendonça ocorra em prazo razoável. Isto, além de causar desgaste político ao governo, já começou a ter reflexos na condução do processo de escolha do novo ministro do STF.

Com a rejeição ao ex-ministro e ex-AGU, uma parte considerável do Senado a cogitar uma manobra que possa resultar na indicação do atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, recém reconduzido para um novo mandato, fazendo com que Bolsonaro retire o nome de seu indicado preferencial.

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