Fórmula híbrida

Justiça precisa de novo modelo de gestão, diz presidente do TRF-2

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26 de setembro de 2021, 7h31

Spacca
Durante a epidemia de coronavírus, magistrados e servidores federais, em trabalho remoto, aumentaram a produtividade. Com a difusão da vacinação, o Judiciário retornou ao trabalho presencial em agosto, com limitação do efetivo para garantir o distanciamento social.

A expectativa, porém, é que a Justiça Federal do Rio de Janeiro e do Espírito Santo não retorne ao presencial integralmente, adotando um modelo de trabalho híbrido, inclusive por conta do aumento da produtividade no sistema remoto. Além disso, muitos magistrados e servidores que já têm direito de se aposentar poderão preferir essa opção a retornar às suas funções nos estabelecimentos jurisdicionais. E não há condições de organizar concursos rapidamente. É o que afirma o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Messod Azulay Neto.

Em sua gestão, Messod Azulay busca promover uma maior aproximação da corte TRF-2 com o Ministério Público e a advocacia, além dos poderes Executivo e Legislativo. Ele também quer investir na conciliação e mediação, de forma a acelerar a resolução de processos.

Em entrevista à ConJur, o presidente do TRF-2 ainda disse ser necessário criar um novo modelo de trabalho para a Justiça, mesclando elementos dos trabalhos remoto e presencial, avaliou que magistrados só devem falar nos autos e defendeu que o Judiciário invista na segurança jurídica.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os principais objetivos da sua gestão no TRF-2?Messod Azulay — Nós estamos ainda vivendo a pandemia, então o foco principal que precisamos ter neste momento é dar condições de trabalho aos magistrados de primeiro e segundo graus, garantindo a continuidade da prestação jurisdicional por meio da tecnologia. Mas só isso não basta: é preciso que a prestação jurisdicional se realize a contento. Ingressei na magistratura há 16 anos, após 21 anos de atuação na advocacia, dos quais 12 foram em uma grande empresa e nove como autônomo. Da experiência na iniciativa privada aprendi algo que me parece fundamental, qual seja, que "o cliente tem sempre razão." Então, além de dar condições para o trabalho do juiz e para o funcionamento da Justiça, é preciso ouvir o cliente, que, no caso, é o jurisdicionado, o advogado, o procurador, o Ministério Público. É preciso, portanto, estar sempre estar monitorando a satisfação desses clientes. Ocorre que, logo no início da pandemia, percebemos uma dificuldade de acesso ao juiz. Então, uma das nossas primeiras providências foi criar canais para que os advogados, os procuradores e integrantes do MP pudessem conversar com os magistrados, no horário do expediente. Além disso, fornecemos equipamentos e sistemas online para os magistrados e servidores trabalharem no home office.

ConJur — Como a pandemia afetou o funcionamento do TRF-2
Messod Azulay —
O TRF-2 foi muito afetado, mas, em certo aspecto, até positivamente, se formos verificar pelos dados. Em 2019, o TRF-2 julgou 68.053 casos; em 2020 esse número subiu para 69.489 julgados. Contando as Seções Judiciárias do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e o TRF-2, o número passou de 406 mil para 454 mil. Mas os números não dizem tudo. Como disse, temos que verificar se o cliente está satisfeito com isso. Nós estamos julgando mais casos, mas será que é isso que o cliente quer? Será que o MP está feliz? Os procuradores, os advogados, o jurisdicionado? Nós precisamos fazer essa análise.

ConJur — Quando for seguro retomar o trabalho presencial, o senhor acredita que pode ser positivo manter parte dos magistrados e servidores em home office, já que a produtividade aumentou?Messod Azulay — Que nós voltaremos ao trabalho presencial, não tenho a menor dúvida. Porém, penso que devemos aproveitar o que há de melhor nos dois mundos, no presencial e no virtual, e criar uma terceira forma híbrida de trabalho. Porque não será possível voltar como era antes. Por exemplo, grande parte dos servidores já reuniu as condições legais para a aposentadoria, com direito ao abono de permanência. Parte desses servidores preferirá se aposentar a voltar ao trabalho presencial. Mas a administração pública não faz concurso de um dia para outro, nem contrata de um dia para o outro e, portanto, poderemos ter um déficit de pessoal, que deverá ser administrado. Penso, portanto, como disse, que a solução seja a criação de um modelo de trabalho híbrido.

ConJur — Como o senhor avalia as audiências telepresenciais? A OAB e a Defensoria do Rio criticaram essas audiências, dizendo que elas prejudicam o contraditório e a ampla defesa.
Messod Azulay —
As audiências telepresenciais vieram para ficar e têm sido indispensáveis durante a pandemia. Porém, temos refletido sobre como elas serão realizadas no pós-pandemia. Lembro que os números da produtividade têm sido ótimos, mas como se sente um juiz criminal ao condenar um réu que ele sequer conhece pessoalmente? Como se sente o réu ao ser condenado por um juiz que não o conhece pessoalmente? As audiências e sessões por teleconferência são uma solução muito boa, mas não se pode levar o pêndulo para um lado exageradamente. É preciso haver uma fórmula híbrida para as audiências, visto que não é adequado fazê-las apenas virtualmente.

ConJur — A pandemia também intensificou a crise econômica. Como está o orçamento do TRF-2? Será preciso fazer cortes?
Messod Azulay —
Por conta do teto de gastos, não temos tido sequer o reajuste anual do orçamento. De fato, não só não houve reajuste como houve corte desde antes da pandemia. No início de 2019, já tivemos que fazer cortes, principalmente nos contratos de prestação de serviços. E isso é algo que vai continuar, principalmente em 2021.  Diante desse cenário, reduzimos custos, enxugamos contratos de prestação de serviços, racionalizamos as despesas e promovemos adaptações orçamentárias.

Uma medida que adotamos para mitigar o problema foi a migração do antigo sistema processual Apolo, cuja manutenção era caríssima, para o sistema E-proc, que foi desenvolvido sem custos pela Justiça Federal da 4ª Região. O sistema antigo começou a ser desativado na gestão do meu predecessor na presidência, desembargador federal reis Friede. Em 2021, concluímos o encerramento do Apolo, com a migração completa dos processos para o novo sistema. Isso implicou uma economia bastante importante.

ConJur — O senhor foi vice-presidente na gestão anterior, que buscou promover uma maior aproximação do TRF-2 com o Ministério Público e a advocacia, além dos poderes Executivo e Legislativo. Esse empenho de aproximação vai continuar na sua presidência?
Messod Azulay —
Sem dúvida. Cada vez mais buscarei essa aproximação, com vistas ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

ConJur — As execuções fiscais são o grande gargalo da Justiça, especialmente da Justiça Federal. O senhor concorda com a proposta de resolvê-las de maneira extrajudicial?
Messod Azulay —
Concordo totalmente com isso. A conciliação e a mediação são o primeiro caminho para se diminuir o grande acervo da Justiça Federal e os números comprovam isso. E não só sobre execuções fiscais. Na semana de conciliação de 2020, foram feitas 612 audiências, nas quais foram celebrados 514 acordos. Isso quer dizer que 84% dos processos foram encerrados com acordo.

É certo que a legislação tem as suas amarras, que não permite muitas vezes que a União, as autarquias federais e as empresas públicas façam acordos. Mas há limites legais em que é possível fazê-los. A mediação e a conciliação são a primeira porta de saída para tentar melhorar esse represamento de ações que temos. Evidentemente que, se não houver boa vontade dos entes públicos em discutir e negociar, nada disso funciona. Mas conversando com procuradores, percebe-se que eles também querem diminuir os acervos. Sai mais caro insistir no contencioso, no qual há despesas com multas e honorários de advogados. Pedi aos juízes que conversassem com procuradores sobre o assunto em busca de consensos e estratégias para resolver o problema, e isso também vale também para execuções fiscais, considerando que, dependendo do valor, não vale a pena executar.

ConJur — O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma ênfase maior nos meios alternativos de resolução de conflitos, além de outros instrumentos para dar mais força aos precedentes e tentar conter o excesso de processos. Após cinco anos em vigor, o Código de Processo Civil trouxe mais celeridade aos processos?
Messod Azulay —
Sim. Esses recursos, o repetitivo e da repercussão geral, são excelentes. Porém, a avalanche de ações que existem no Brasil não permite que o processo seja julgado com a velocidade que deveria. O Supremo Tribunal Federal não consegue julgar todas as controvérsias que aparecem nos processos, e com o Superior Tribunal de Justiça acontece a mesma coisa, o que permite a ocorrência de distorções. Por exemplo, dois réus respondem por um mesmo fato. Porém, em razão das diferenças de entendimento entre magistrados, câmaras e turmas, um réu acaba absolvido, e outro, condenado. Então, há um problema no sistema, que gera um mal-estar para o Poder Judiciário. Mas a culpa não é do Judiciário. Logicamente a implementação do novo Código de Processo Civil visou a melhorar esse aspecto, e melhorou. Mas a quantidade de processos é tão grande que o Supremo e o STJ não têm tempo de resolver todas as controvérsias a tempo.

ConJur — Como o TRF-2 se posicionará diante da política de valorização do primeiro grau de jurisdição, estabelecida pela Resolução 219/16 do Conselho Nacional de Justiça?
Messod Azulay — 
Sou favorável à segurança jurídica, à previsibilidade. Ainda que o julgado não tenha sido em repercussão-geral ou em recurso repetitivo, penso que devemos seguir a decisão do Supremo ou do STJ, para dar ao jurisdicionado segurança jurídica. Que ele tenha alguma certeza do resultado da sua ação, caso  venha a ingressar em juízo.

Com relação à primeira instância, isso é um compromisso que estou assumindo com corregedor e com os juízes que nos auxiliam. Logo no início da minha gestão, fiz uma videoconferência com os juízes de primeira instância para ouvir suas demandas e sugestões. Percebo que de fato há um distanciamento entre primeiro e o segundo graus e quis dizer-lhes que somos colegas, que o canal está totalmente franqueado para suas reivindicações. É lógico que não podemos premiar um juiz como se faz na iniciativa privada, dando aumentos salariais pela produtividade ou qualidade das sentenças. A valorização, no serviço público, é muito estreita. Mas quando se abre espaço para o diálogo, as luzes aparecem e os juízes se sentem valorizados.

ConJur — Os auxílios que os magistrados recebem vêm sendo questionados. Qual é a sua opinião sobre esses auxílios?
Messod Azulay —
O TRF-2 segue estritamente as normas e determinações do CNJ. Nós não temos, portanto, nenhum tipo de auxílio que não sejam aqueles determinados pelo STJ e pelo CNJ.

ConJur — O Senado aprovou a criação do TRF-6, com sede em Belo Horizonte. Como o senhor avalia esse tribunal? Ele é necessário?
Messod Azulay —
Entendo ser necessário o aumento, de fato, do número de magistrados de segunda instância, diante do volume de demandas atual. Se através da criação do TRF-6 ou não, isso para mim é irrelevante.

ConJur — Diversas autoridades e ex-autoridades do Rio foram presas ou estão sob investigação. A maioria desses processos corre na Justiça Federal. O que o Judiciário Federal pode fazer diante desse cenário de aparente corrupção que se alastrou no estado?
Messod Azulay —
A situação do Rio de Janeiro tem sido muito delicada e o Judiciário não pode se isentar de apreciar os casos. Com isso em mente, penso que o juiz deve manter uma equidistância entre as partes. O juiz tem que analisar os fatos e aplicar estritamente a lei ao caso concreto. E o magistrado não deve falar fora dos autos, sendo o processo o lugar apropriado para a manifestação do julgador. Repito: o caso é trazido e o juiz julga da forma como a Constituição e a lei determinam que faça.

ConJur — No fim do ano passado, na solenidade de posse dos juízes federais substitutos, o senhor criticou "o sistema jurídico falho e rico de imprecisões, que contribui para o atraso na solução dos processos judiciais". Qual o principal problema do nosso ordenamento jurídico e o que pode ser feito para resolvê-lo?
Messod Azulay —
O sistema jurídico tem falhas. O indivíduo ingressa com uma ação e aguarda anos discutindo no processo de conhecimento o resultado final da demanda. Ao fim, há a execução, e o autor considera que conseguirá receber o que lhe é devido. Ocorre que, em inúmeras vezes, ele não consegue receber o que ganhou. Então, quem perdeu está aborrecido porque perdeu, quem ganhou não consegue receber, e ninguém fica satisfeito. No âmbito da Justiça Federal, depois de muitos anos de discussão em um processo previdenciário, por exemplo, o autor por vezes morre antes de receber o benefício. Os herdeiros se habilitam, e não também conseguem receber o benefício. Algo está errado. Recentemente, um veículo de imprensa divulgou um caso de corrupção que tramitava havia 17 anos, com risco de prescrição. Ninguém pode passar quase duas décadas respondendo a um processo, ainda que haja reconhecimento de prescrição. E se não houver, ainda assim não é aceitável que a condenação venha depois de 20 anos. É ruim para o MP, é ruim para as partes, é ruim para todos. Então, o sistema tem imprecisões. E as formas de correção passam pelas escolas da magistratura, pela OAB, mas principalmente por alterações legislativas. A culpa não é do Judiciário.

*A primeira versão desta entrevista, feita no mês de abril, falava de fatos e da percepção da época. O texto foi revisado e atualizado. Pedimos desculpas ao desembargador Azulay e aos leitores.

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