Licitações e Contratos

Lei nº 14.133/2021: Licitações, regulação e normas técnicas

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

24 de setembro de 2021, 8h00

Quando a nova Lei de Licitações, em seu artigo 5º, estabelece, entre os princípios a serem observados, os da legalidade, da eficiência, do interesse público, da igualdade, da eficácia, do julgamento objetivo, da segurança jurídica e da competitividade, fica inquestionável que editais devem parametrizar produtos e serviços com observância de normas regulatórias e ainda normas técnicas que sejam compulsórias.

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Não há legalidade em edital licitação para produtos médico-hospitalares sem observância de normas regulatórias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto ao registro de produtos ou sem observância de normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), quando se trata de equipamentos de combate a incêndio, equipamentos elétricos e outros.

Do mesmo modo, sem observância desses tipos de normas não haverá eficiência, porque a futura compra será nula e colocará em risco a vida ou a saúde de pessoas ou os bens públicos.

Não haverá interesse público nem eficácia em licitação na qual competidores ofertem produtos considerados "piratas" ou "não legalizados", pois esses implicam em infrações de normas como as sanitárias, as de segurança de equipamentos e instalações e outras.

Igualdade e julgamento também não se viabilizam em competição nesses termos, com produtos desiguais e sem um mesmo parâmetro, "standard" ou padrão, que garanta a competitividade de modo real, verdadeiro, de modo a afastar subjetivismos e violação da segurança jurídica.

Feitas tais considerações, deve-se lembrar que não apenas agências de regulação possuem normas com impacto nas licitações, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Anvisa e outras.

Outros entes editam regulações específicas, como o Comando do Exército, a Polícia Federal, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e outros que regulam e fiscalizam mercados específicos.

Existem, ainda, as normas técnicas, como aquelas da ABNT e as do Inmetro, aqui cabendo a distinção entre as que tratam de certificações facultativas e as compulsórias, essas últimas validadas como obrigatórias pela ampla jurisprudência brasileira, porque embora não emanem diretamente de um determinado texto de lei, decorrem de competência estabelecida em lei.

Nesse contexto, é interessante lembrar que, pela legislação esparsa, para área pública ou privada, existem imposições várias como a do artigo 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Dentro do que se pode imaginar por essa regra, tem-se o exemplo de um equipamento de raio-x médico-hospitalar, que precisa de conformidade prévia com normas técnicas perante o Inmetro para depois ser registrado perante a Anvisa, a respectiva agência de regulação.

E assim foi que a Lei nº 14.133/2021 trouxe determinados dispositivos que ligam as licitações aos requisitos de conformidade de produtos e serviços, estabelecidos em normas de regulação ou normas técnicas.

Um primeiro dispositivo que bem evidencia isso está no seu artigo 17:

“Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

(…)

§ 6º A Administração poderá exigir certificação por organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de:

I – estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos;

II – conclusão de fases ou de objetos de contratos;

III – material e corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.

(…)

Vale notar, parametrização a ser observada desde a fase de planejamento da licitação.

Já em sentido de política pública, tem-se a questão das preferências, do artigo 26 da lei:

Art. 26. No processo de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para:

I – bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras;

(…)

Prosseguindo na análise, agora militando contra a banalização de preços e do que é ofertado nas licitações, é interessante atentar para a norma do artigo 42 da lei:

Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios:

I – comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro;

(…)

III – certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada.

§ 1º O edital poderá exigir, como condição de aceitabilidade da proposta, certificação de qualidade do produto por instituição credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

(…)

Apesar de disposições mais simples na Lei nº 8.666/93, a Lei nº 14.133/2021 avançou em explicitar a missão de contratar objetos com qualidade, para isso trazendo a nova lei os parâmetros mínimos para os gestores buscarem esse intento.

No que diz respeito às obras e serviços, a nova lei também inovou, como se observa do seu artigo 64:

Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

(…)

§ 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico.

(…)

Isso milita em favor da igualdade de competição e da segurança jurídica e busca evitar a banalização de preços na área de engenharia, que leva a obras inacabadas ou condenadas ao refazimento ou à perda total.

Já em relação a compras que envolvem comércio exterior, as internacionais, observe-se o artigo 52 da lei:

Art. 52. Nas licitações de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.

(…)

§ 6º Observados os termos desta Lei, o edital não poderá prever condições de habilitação, classificação e julgamento que constituam barreiras de acesso ao licitante estrangeiro, admitida a previsão de margem de preferência para bens produzidos no País e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras, na forma definida no art. 26 desta Lei.

(…)

Nesse aspecto, cabe lembrar que muitos entes exercem competências de regulação no Brasil e, ao mesmo tempo, de anuência nas importações, como se tem nos exemplos de Anvisa, Anatel, Comando do Exército e outros.

Por fim, a lei não poderia deixar de zelar pela parte seguinte dos processos, indo ao cuidado com os termos contratuais e as normas que assegurem qualidade, como se evidencia no seu artigo 92:

Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:

(…)

XIII – o prazo de garantia mínima do objeto, observados os prazos mínimos estabelecidos nesta Lei e nas normas técnicas aplicáveis, e as condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso;

(…)

Em conclusão, não basta considerar normas licitatórias quanto aos procedimentos competitivos, sendo essencial ao gestor público a sensibilidade da compreensão para o necessário zelo pelas normas de regulação e normas técnicas de produtos e serviços, que são instrumentos de um ambiente concorrencial sadio e justo.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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