Opinião

Retorno das coligações às eleições proporcionais: Fla-Flu que ninguém ganha

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24 de setembro de 2021, 15h08

Atualmente é vedado aos partidos políticos a formação de coligações para concorrer nas eleições proporcionais (vereador, deputado estadual e federal), por decorrência do texto previsto no artigo 2º da EC nº 97/2017  [1]; mas o tema ganhou repercussão por se tratar de uma relevante proposta de alteração discutida na reforma eleitoral, em trâmite no Congresso Nacional. 

Embora a proposta tenha sido rejeitada pelo Senado Federal, o tema voltou à pauta legislativa recente, quando a Câmara dos Deputados aprovou o texto base da PEC nº 125/2011 [2], alterando a redação do artigo 17, §1º, da Constituição Federal, atribuindo novamente a faculdade aos partidos políticos na formação de coligação em eleições proporcionais.

"Artigo 17  É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
(…)
§1º. É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações, tanto nas eleições majoritárias, quanto nas proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária".

Dessa forma, em uma dessas idas e vindas legislativas, comuns aos que vivenciam o Direito Eleitoral, está-se a se discutir o retorno das coligações nas eleições proporcionais, o que seria um retrocesso na visão ora proposta.

Inicialmente, é preciso esclarecer que qualquer discussão que venha a ser levantada envolvendo sistemas eleitorais tem de ter em mente uma premissa básica, qual seja: não existe sistema eleitoral perfeito. Todas as formas aplicadas nas democracias atuais que visem a transformar uma "cadeira" numa representação política trazem consigo pontos positivos e negativos.

O sistema proporcional de eleição aplicado no Brasil, por sua vez, não é diferente. Ainda que permita uma equidade na relação entre votação e representação dos partidos políticos — como destaca Jairo Nicolau [3] (2012, p. 47) —, além de atrair a inclusão de partidos menores; doutro lado, contribui com a fragmentação parlamentar — colaborando com a ideia de presidencialismo de coalizão e representa um sistema incompreensível aos olhos do eleitorado.

Entre tantos pontos inconclusivos para afirmar qual o sistema eleitoral seria o mais correto, tem-se um fato incontroverso: o eleitor brasileiro não entende o sistema proporcional. O fato de determinado candidato "arrastar" outros que não possuíram votações significativas e ainda assim serão eleitos, em detrimento de alguns candidatos que tiveram maiores votações e ficaram de fora, foge de um sistema justo ao raciocínio de grande parte dos eleitores brasileiros.

É notório perceber que um dos pontos negativos do sistema proporcional brasileiro está na incompreensão do sistema pelo eleitorado, mas qual a relevância disso para o debate da volta das coligações?

A coligação pode ser traduzida na aliança eleitoral realizada por partidos políticos, que passarão a responder de forma una durante o período eleitoral perante essa Justiça especializada. Ocorre que a formação de coligação que atraia diversos partidos é um expoente para o ponto negativo da incompreensão do sistema eleitoral proporcional.

Isso porque, como explica Torquato Jardim, no sistema proporcional, "o voto, mesmo sendo dado diretamente ao candidato, é primeiramente do partido" (apud Mayara Barreto, 2010)" [4]. Ou seja, se um eleitor votar no candidato A (filiado ao partido X), ele contribuirá para a candidatura B (partido X). Agora, quando analisamos o tema sob a perspectiva das coligações, o eleitor que votou no candidato A (partido X), poderá ajudar o candidato C (partido Y), caso os partidos estejam compondo a mesma coligação.

Aproveitando o termo em alta e trazendo o assunto para "dentro das quatro linhas", a coligação é responsável pela formação de um clube com pelo menos dois times. Ocorre que, para o eleitor, o sistema fica indecifrável, já que não é incomum que partidos que teoricamente não compartilham de semelhantes linhas ideológicas se coliguem, principalmente nas eleições municipais e estaduais. O que vale aqui é sentar na cadeira.

Ora, um torcedor do Flamengo pode não gostar do seu atacante e do seu zagueiro, mas continuará torcendo para o seu time; é o caso do sistema proporcional sem coligação. Mas agora explique para esse torcedor do Flamengo que torcendo para seu time ele poderá "eleger" o Fluminense — como no caso do sistema proporcional com coligação. Não há dúvida de que o retorno da coligação maximiza as dúvidas dos eleitores no sistema eleitoral brasileiro.

Então se levantarão questionamentos acerca da fidelidade dos partidos políticos a linhas ideológicas no Brasil; será que há homogeneidade de ideologia interna no partido?

O questionamento exige extenso debate acerca do Direito Partidário, embora o presente artigo sirva meramente para instigar parte da discussão. Porém, havendo ou não fidelidade ideologia nos partidos políticos nacionais, é preciso destacar que o sistema proporcional prestigia esse elo entre eleitor e partido político.

Portanto, conclui-se que o retorno das coligações ao sistema proporcional brasileiro potencializa a incompreensão do eleitorado com a forma utilizada para o preenchimento das vagas do parlamento. Dessa feita, não ganha o Flamengo, nem o Fluminense, e quem mais perde é o eleitor.

 


[1] "Artigo 2º – A vedação à celebração de coligações nas eleições proporcionais, prevista no § 1º do artigo 17 da Constituição Federal, aplicar-se-á a partir das eleições de 2020".

[2] BRASIL. Câmara Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 125, de 2011. Veda as Eleições próximas a feriado e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara Legislativa, 2021. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;
jsessionid=node01xee2hbto7t4w96xd44aw7abo6106457.node0?codteor=2053866&filename=Parecer-PEC12511-09-082021
. Acesso em: 09 de setembro de 2021.

[3] NICOLAU, Jairo Marconi. Sistemas Eleitorais. Ed. 6ª — Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

[4] BARRETO, Mayara. Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2010. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2010-out-30/eleitor-desconhece-sistema-eleitoral-brasileiro-devido-complexidade>.

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