Sem aval judicial

TJ-RJ inutiliza provas obtidas no cumprimento de mandado de prisão temporária

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22 de setembro de 2021, 13h51

Prova obtida no cumprimento de mandado de prisão temporária, sem flagrante delito ou fundada suspeita, é ilícita. Com esse entendimento, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ordenou o desentranhamento e inutilização das provas derivadas da busca e apreensão sem mandado judicial feita por policiais na casa de Camila Aparecida Rodrigues Jourdan de processos contra ela e seu ex-namorado Igor Pereira D'icarahy. O presidente do colegiado, desembargador Cairo Ítalo França David, ordenou o cumprimento da decisão em 17 de setembro.

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TJ-RJ disse que provas obtidas na busca sem aval judicial são ilícitas
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Os dois foram acusados de planejar atos violentos com a justificativa de que as obras para a Copa do Mundo de 2014, que ocorreu no Brasil, foram superfaturadas. No cumprimento de mandado de prisão temporária de Camila (que no momento estava com D'icarahy), a polícia revistou o quarto dela e apreendeu um artefato explosivo de fabricação caseira, dois artefatos explosivos de plástico contendo líquido com odor de gasolina, uma caixa e um funil.

Com base nessa apreensão, a 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro condenou Camila Jourdan e Igor D'icarahy a 6 anos de reclusão pela posse ilegal de artefatos explosivos. A 7ª Câmara Criminal do TJ-RJ manteve a condenação, mas reduziu a pena. No julgamento, o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, que ficou vencido, aceitou a preliminar da defesa e reconheceu a ilicitude da prova obtida na busca e apreensão e das dela derivadas. Com isso, votou por absolver os réus.

Com base no voto vencido, a defesa de Igor D'icarahy, comandada pelos advogados Luís Guilherme Vieira, Salo de Carvalho e Ana Carolina Soares, apresentou embargos infringentes. Segundo eles, mandado de prisão temporária não permite que a polícia promova busca e apreensão em residência, salvo quando houver fundadas suspeitas da prática de crime em flagrante, conforme fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 280 com repercussão geral.

"A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados", entende o Supremo.

No caso, não existiam fundadas razões que fizessem a polícia suspeitar de situação de flagrante delito a justificar busca e apreensão, alegaram os advogados. Afinal, a polícia decidiu revistar um ambiente da casa Camila Jourdan por ela ter tentado fechar uma porta que estava aberta, aparentando, segundo os agentes, “querer ocultar algum material ilícito”. Contudo, disse a defesa, não havia nenhum elemento que sugerisse a existência de situação de flagrante delito decorrente da posse de artefato explosivo. E não bastam meras suposições, suspeitas e conjecturas para legitimar as buscas, afirmaram os advogados, apontando que houve violação do domicílio da ré (artigo 5º, XI, da Constituição Federal).

A 5ª Câmara Criminal do TJ-RJ aceitou a tese da defesa sobre a ilicitude das provas e absolveu D'icarahy e Camila com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (“não existir prova suficiente para a condenação”).

Porém, a defesa de Igor D'icarahy apresentou embargos de declaração, afirmando que o acórdão foi omisso. Embora tenha reconhecido a ilicitude da busca e apreensão feita na casa de Camila, a decisão não determinou que as provas sejam desentranhadas e inutilizadas, disseram os advogados. De acordo com eles, a medida é necessária para não interferir em outro processo, em que os dois são acusados de formação de quadrilha e corrupção de menores devido à organização de protestos contra a Copa do Mundo de 2014.

A defesa também destacou que o acórdão não citou que Camila e seu ex-namorado foram absolvidos com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”), como fundamentado pelo voto vencido, na apelação, de Joaquim Domingos de Almeida Neto, que conduziu os embargos infringentes.

Provas imprestáveis
Em junho, a 5ª Câmara Criminal do TJ-RJ aceitou os embargos de declaração. O relator dos embargos de declaração, desembargador Luciano Silva Barreto, afirmou que se as provas decorrentes da busca e apreensão sem aval judicial na casa de Camila Jourdan são ilícitas, devem ser desentranhadas do processo, conforme o artigo 157 do CPP.

E se a decisão dos embargos infringentes aceitou a preliminar de invalidade das provas por violação de domicílio, Igor D'icarahy foi absolvido também com base no com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”), já que nada ilegal foi encontrado na sua posse antes da busca, disse o magistrado. E como a situação de Camila é semelhante, o relator estendeu o fundamento da absolvição a ela.

Proteção do domicílio
Os advogados de Igor D'icarahy, Luís Guilherme Vieira, Salo de Carvalho e Ana Carolina Soares, afirmaram que a decisão protege os direitos fundamentais dos cidadãos do Rio de Janeiro. O acórdão, segundo eles, “recoloca o Judiciário fluminense na salvaguarda dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos que têm suas casas varejadas em buscas e apreensões”.

A defesa ressaltou que a decisão reforçou que “buscas e apreensões têm de se dar nos estritos limites da ordem judicial, não podendo os policiais executores, sem mandado judicial, e sem qualquer fundamento concreto antecedente ao início da diligência, sair vasculhando cômodos da casa, objetivando encontrar algo que possa ser ilícito”. “A casa é inviolável, nela só se podendo entrar em raríssimas hipóteses previstas na Constituição”, disseram Luís Guilherme Vieira, Salo de Carvalho e Ana Carolina Soares.

Clique aqui para ler o acórdão dos embargos infringentes
Clique aqui para ler o acórdão dos embargos de declaração
Processo 0228193-48.2014.8.19.0001

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