Opinião

Estimativa de valores dos pedidos não limita montante da condenação trabalhista

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22 de setembro de 2021, 6h35

Desde a vigência da reforma trabalhista (Lei nº 13.467), em 11/11/2017, estabeleceu-se a exigência de atribuir valor aos pedidos formulados nas reclamatórias trabalhistas.

Apesar do novo requisito, nessas demandas judiciais há uma fase própria para o cálculo aritmético dos valores dos pedidos que foram deferidos. Essa fase, chamada de "liquidação de sentença", ocorre após o trânsito em julgado da ação.

Desde o advento da reforma, estabeleceu-se grande controvérsia a respeito da estimativa de valores exigida pela lei na petição inicial, uma vez que parte da jurisprudência se inclinava ao entendimento de que os valores indicados vinculariam o montante da condenação, não podendo a esta superar.

Sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se pronunciou inúmeras vezes no sentido de que o montante condenatório não está adstrito aos valores estimados na inicial:

"Recurso de revista do reclamante. Apelo sob a égide da Lei 13.467/2017. Pedidos líquidos. Limitação da condenação aos valores de cada pedido. Aplicação do artigo 840, § 1º, da CLT, alterado pela Lei 13.467/2017. Transcendência reconhecida. (…) Assim, a discussão quanto à limitação da condenação aos valores constantes nos pedidos apresentados de forma líquida na exordial deve ser considerada apenas como fim estimado, conforme normatiza o parágrafo 2º do artigo 12 da IN 41/2018 desta Corte. A decisão regional que limitou a condenação aos valores atribuídos aos pedidos na inicial configura ofensa ao artigo 840, § 1º, da CLT. Reconhecida a transcendência jurídica do recurso de revista. Recurso de revista conhecido e provido. PROCESSO Nº TST-ARR-1000987-73.2018.5.02.0271, 6ª Turma, ministro relator: Augusto César Leite de Carvalho Data: 14/10/2020.
Agravo de instrumento em recurso de revista – 1 – limitação do valor da condenação – Não se divisa ofensa aos arts. 141 e 492 do CPC, na forma elencada pela alínea 'c' do artigo 896 Consolidado, na medida em que, nas causas sujeitas ao rito ordinário, o montante atribuído à causa não pode ser reconhecido como limite máximo do crédito trabalhista, pois se destina especificamente à atribuição de competência, à fixação do rito procedimental e às custas processuais arbitradas ao sucumbente no objeto da demanda. (…) Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST – AIRR11612-14.2015.5.15.0018 – 8ª Turma, relatora ministra Dora Maria da Costa, 2/10/2020)".

O TST asseverou ainda que a exigência de estimativa de valores na peça inicial possui finalidades tais como como a distinção do rito processual, fixação de custas e honorários advocatícios, entre outras.

No âmbito do estado do Paraná, pairava divergência jurisprudencial entre juízes e até mesmo turmas do Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região, mas, em julho deste ano, instaurou-se incidente de assunção de competência (IAC) com o objetivo de sanar a divergência e uniformizar as decisões dos órgãos fracionários relativas à controvérsia da estimativa de valores da petição inicial em face dos limites da condenação.

No referido julgamento, o TRT-9 concluiu que os valores da exordial devem corresponder a um cálculo aproximado que a parte autora considera como devido em seu favor, ponderando ser improvável que a estimativa corresponda ao crédito eventualmente deferido. Confira-se a ementa:

"Incidente de assunção de competência. Artigos 947, § 4º, do CPC e 55, inciso X do regimento interno do TRT da 9ª Região. Possibilidade de indicação estimada dos valores dos pedidos apresentados na petição inicial (artigo 840, § 1º, DA CLT). Ausência de limitação da condenação aos valores apresentados. Diante da interpretação sistemática e gramatical dos artigos 840, §1º, da CLT e 12, § 2º, da Instrução Normativa nº 41 do TST, conclui-se de forma insofismável que é possível aceitar cálculos simplificados, notadamente considerando que a mera indicação de valores é suficiente para fazer prosseguir a ação, sendo desnecessária – aliás, altamente contraproducente, além de irremediavelmente prejudicial ao amplo acesso ao Judiciário – a liquidação antecipada dos pedidos. Por certo que, em se tratando de uma estimativa, o valor da causa indicado na petição inicial corresponde a um cálculo aproximado do que a parte autora considera como devido em seu favor, sendo improvável que este corresponderá ao crédito eventualmente deferido, até mesmo porque tal definição pode depender da necessidade de se provar fato novo (caso da liquidação por artigos) e também pela variação no tempo em função. Regra geral, o valor efetivamente devido só será conhecido por ocasião da liquidação do julgado, quando os parâmetros de apuração fixados no título executivo se traduzirão em cálculos aritméticos, dos quais resultará, ao final, o valor ou quantum debeatur. Nesse contexto, também não há falar em limitação do valor da condenação aos montantes apontados na inicial, os quais foram apenas estimados. Por fim, é imperioso destacar que a fixação do valor da causa e da condenação no processo do trabalho só são relevantes na fase de conhecimento do processo, na medida em que servem apenas para fixar rito e admissibilidade recursal, sem interferir em questões de competência funcional. Na fase de cumprimento (execução), o valor do pedido é totalmente irrelevante e se desvincula de sua origem na medida em que se apura mediante realização de operações aritméticas o valor devido com acréscimo de juros e correção monetária, sem prejuízo de multas, o que certamente vai elevar o valor do quantum debeatur, e isto não pode significar prejuízo ou decréscimo patrimonial à parte exequente. Desta forma, impõe-se reconhecer a possibilidade de apresentação por estimativa dos valores de cada pedido (artigo 840, § 1º, da CLT), não estando a liquidação adstrita aos valores indicados na petição inicial. (TRT – PR 0001088-38.2019.5.09.0000 – 2ª T. -Relª Ricardo Tadeu Marques da Fonseca- DJe 6/7/2021".

No mesmo sentido, o TRT-3, do estado de Minas Gerais, assentou a Tese Jurídica Prevalecente nº 16, dispondo que no rito sumaríssimo o valor estimado na petição não limita a ulterior apuração do título judicial.

Não se pode olvidar que por vezes a parte reclamante não dispõe de toda documentação para a apuração exata das verbas, ou ainda o valor do pedido depende de determinada prova ou ato posterior.

E mais: cálculos minuciosos já na fase de conhecimento acabam por prejudicar a parte autora, que se vê obrigada a constituir advogados com equipe especializada para a elaboração de cálculos prévios e detalhados.

Nesse contexto, o valor efetivamente devido só será de fato conhecido ao final, por ocasião da liquidação do julgado, quando os parâmetros de apuração fixados no título executivo se traduzirão em cálculos aritméticos.

As decisões regionais estão em consonância com a corte superior trabalhista, e ambas estão alinhadas com a real intenção do legislador celetista, haja vista que a apresentação, por estimativa, dos valores dos pedidos jamais poderia limitar o montante condenatório, este que será apurado em fase própria após o trânsito em julgado da ação.

Em sentido oposto, o TRT-12, de Santa Catarina, concluiu no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 323/2020 que os valores indicados na inicial vinculam o montante auferido na condenação.

Nota-se que, em sua maioria, os tribunais regionais e o TST coadunam com a possibilidade de mera estimativa de valores na inicial sem prejuízo da oportuna liquidação dos pedidos, o que, num futuro próximo, certamente será regulamentado na Justiça do Trabalho a fim de gerar maior segurança jurídica.

Os julgados nesse sentido atenuam o temor de quem demanda reclamatória trabalhista em razão de vultosos valores indicados na inicial, que eventualmente podem gerar maiores prejuízos financeiros como custas e honorários de sucumbência demasiadamente elevados, o que acabava inibindo a propositura da ação. Com a progressiva estabilização jurisprudencial referida, aos poucos se restabelece o direito constitucional de reclamar pelas verbas inadimplidas ao longo do contrato de trabalho.

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