Insignificância mandou lembranças

Indigente será julgado por "furtar" 43 centavos de loja nos EUA

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22 de setembro de 2021, 10h12

O julgamento de Joseph Sobolewski foi marcado para novembro. Em setembro, ele foi preso e acusado de "furtar" 43 centavos de uma loja de conveniência da Exxon no Condado de Perry, na Pensilvânia (EUA). Se condenado, pegará uma pena de 3,5 a 7 anos de prisão e terá de pagar multa.

Jintana Pokrai
O juiz fixou a fiança em US$ 50 mil, a serem pagos em dinheiro. O réu, descrito como "sem-teto", embora tenha o teto de seu carro para dormir, obviamente não tem dinheiro para pagar fiança alguma. Porém, um defensor público pediu a intervenção de outro juiz, que concedeu a liberdade provisória (e sob condições) do réu, depois de ele passar sete dias na cadeia.

A acusação de "furto" pode estar sujeita à interpretação. Sobolewski não teve a intenção de furtar nada. Ele viu um anúncio na porta da loja sobre o refrigerante Mountain Dew: "2 por $ 3". Se duas garrafas do refrigerante custavam US$ 3, uma garrafa deveria custar US$ 1,50, ele calculou. Com o imposto, um pouco mais. Ele colocou US$ 2 no balcão, à vista da encarregada do caixa, e saiu.

Porém, esse era um preço de promoção. Uma garrafa, apenas, custava US$ 2.29 (não US$ 1,50), mais imposto. Assim, ele deixou de pagar US$ 0,43 à loja. A empregada foi atrás dele, quando ele já dava partida no carro, e lhe disse que tinha de pagar o preço total do refrigerante. Ele disse que já havia pagado e foi embora. Ela chamou a polícia, que o rastreou e o prendeu.

Ao ler a notícia no site PennLive, operadores do direito, que lutam para reformar o sistema de justiça criminal do país, apontaram alguns dos problemas: justiça que penaliza duramente delitos de menor potencial ofensivo (ou que não reconhece o princípio da insignificância para delitos de pequena monta, como se faz no Brasil); juízes que fixam fianças em valores absurdos; polícia que prende e leva delitos insignificantes para os fóruns criminais; e a lei "three strikes, you’re out" [três condenações e você está fora (da sociedade)].

Sobolewski tem problemas com essa lei, porque já teve três condenações. A primeira ocorreu há mais de 10 anos, quando ele encheu o tanque de gasolina e partiu, sem pagar. Esse devia ser um delito corriqueiro à época, porque, hoje em dia, paga-se primeiro, coloca-se gasolina depois.

Em dezembro de 2011, ele foi preso por furtar um par de sapatos, que custava US$ 39.99, em uma loja da K-Mart. Por esse delito, ele foi sentenciado a três meses de prisão e a pagar US$ 866 em multas. Pesou contra ele o fato de violar uma das condições de sua liberdade condicional.

Sobolewski também foi preso, junto com a mulher, por tentar furtar suprimentos de artesanato de uma loja da Hobby Lobby. Ele foi acusado de crime, por este ser seu terceiro delito e sua terceira prisão. A fiança foi fixada em US$ 2.000.

Pode ser um caso de contumácia. Mas "fatores de dissuasão (deterrent factors) só deveriam ser considerados em casos em que os furtos se tornam mais graves ou de valores mais altos", disse ao PennLive o diretor do Conselho de Liberdade Condicional do estado, Brandon Flood. "O que mais me incomoda é a falta de critério, porque não se leva em consideração o valor do furto."

"No caso de Sobolewski, não está claro se a situação se encaixa nos elementos da lei estadual para furtos de lojas. Os promotores terão de provar que tudo não passou de um mal-entendido e que o réu realmente teve a intenção de furtar alguns centavos na compra do refrigerante", ele disse.

"Criminalizar uma ocorrência que pode ter sido apenas um mal-entendido sobre 43 centavos é um desperdício do dinheiro do contribuinte, porque o estado terá os custos de processá-lo e de mantê-lo na prisão", Flood acrescentou.

Para a advogada Nyssa Taylor, conselheira de política para a justiça criminal da ACLU Philadelphia, o baixo valor nesse caso é incomum, mas a situação não é. "As prisões estaduais estão superlotadas. Não precisamos prender mais gente por causa disso. É a punição da pobreza e do distúrbio por uso de substâncias."

A porta-voz do Departamento de Polícia da Pensilvânia, Megan Ammerman, procurou isentar os policiais de responsabilidade por essa situação: "Os policiais não podem decidir não acusar alguém em um caso criminal. Apenas as vítimas de certos crimes podem desistir de apresentar queixa".

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