Opinião

Lei impede a Receita Federal de cometer injustiças com setor de cosméticos

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22 de setembro de 2021, 21h00

É fato público e notório que o sistema tributário brasileiro é um ambiente complexo, ininteligível e inseguro, a ponto de ser intitulado como o "manicômio tributário brasileiro".

Entre o sem número de questões conturbadas, existe uma que assusta e afronta as empresas de vários setores, em especial o de cosméticos, que se utilizam de distribuidoras interdependentes para vender seus produtos.

O enquadramento como "distribuidora interdependente" está definido em lei, quase que sexagenária (Lei 4.502/1.964), que, entre outros, enquadra nesse rol a distribuidora que comprar 100% da produção ou da importação de outro contribuinte, isso em relação a padronagem, marca ou tipo do produto.

Ou seja, se um atacadista contratar o fornecimento exclusivo de um determinado produto tributado pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) junto a um terceirista industrial será considerado como interdependente.

Esse enquadramento impõe a observância do chamado Valor Tributável Mínimo do IPI (VTM), o qual, segundo a lei do IPI, será o "… preço corrente no mercado atacadista da praça do remetente…" (artigo 195 do Ripi).

O imbróglio jurídico está na conceituação do termo "praça", que, segundo os mais conceituados autores e jurisprudência, refere-se à cidade/município onde o remetente está instalado.

A interpretação em questão estava consolidada. Contudo, a Receita Federal, em ato parcial e totalmente reprovável, editou a Solução de Consulta Interna (SCI) 08/12 para dizer que praça é o local onde está situado a distribuidora interdependente, mesmo que em outra cidade/município.

Ou seja, na visão fiscalista e míope da Receita Federal, o conceito praça não se limita a cidade/município do remetente, mas, sim, a qualquer local do Brasil onde está a distribuidora interdependente.

Pior, a Câmara Superior do Carf (em decisões dadas em sede do contestável, e não mais vigente, voto de qualidade  Processos 16682.722461/2015-30 e 16682.722760/2016-55) convalidou o entendimento da solução consulta supra, para dizer que praça é o local onde está a distribuidora interdependente, e não o local do remetente.

Com base nesse questionável entendimento, a Receita Federal passou a se valer da chamada reunião de conformidade tributária setorial (RCT) para impor aos contribuintes o acolhimento desse ilegal entendimento sobre o conceito de praça, sob pena de autuação, com a cobrança do valor principal, multa de 75% e juros.

Essa situação foi alardeada pela Receita Federal à imprensa [1], com chamativas manchetes dizendo que pretende cobrar bilhões de reais das indústrias de cosméticos. Ou seja, o inconsistente, abusivo e ilegal entendimento fiscalista foi esparramado na imprensa, desestabilizando todo o setor.

Contudo, o Legislativo brasileiro, através do Projeto de Lei nº 1.559/2015, de autoria do ex-deputado federal William Woo e coautoria do deputado federal Ricardo Izar, movimentou-se para impedir esse abuso de interpretação.

Com efeito, o Poder Legislativo brasileiro se movimentou para inserir no artigo 15 da citada Lei 4.502/64 uma disposição interpretativa para delimitar o conceito de praça, assim dizendo:

"Artigo 15-A — Para os efeitos de apuração do valor tributável de que tratam os incisos I e II do caput do artigo 15 desta lei, considera-se praça a cidade onde está situado o estabelecimento do remetente".

Esse projeto de lei foi efetivamente aprovado pela Câmara dos Deputados, sendo remetido para o Senado, onde recebeu o nº 2.110/19.

No Senado Federal, a Comissão de Assuntos Econômicos, em parecer de lavra do atual presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, foi categórica em dizer que a Receita Federal distorceu o comando legal e causou insegurança jurídica. Vide:

"Com vistas a acabar com a insegurança jurídica decorrente dessa interpretação, é preciso aprovar o PL nº 2.110, de 2019, para dispor textualmente que, para fins de fixação do valor tributável mínimo, 'considerasse praça a cidade onde está situado o estabelecimento do remetente'. Dessa forma, as indústrias deixarão de ser autuadas pela fiscalização, o que reduzirá o litígio tributário e diminuirá a incerteza relativa aos empreendimentos estruturados pelas empresas" (grifos do autor).

Já o relator da matéria no Senado Federal, senador Antônio Anastasia, foi mais contundente ao falar sobre os devaneios interpretativos da Receita Federal, isso para impor obrigações tributárias às empresas. Vide:

"Como bem destacado no parecer da CAE, embora a norma constante do artigo 15 da Lei nº 4.502, de 1964, seja importante para evitar a manipulação de preços tendente a lesar a arrecadação do IPI, o Fisco extrapolou os limites interpretativos para autuar contribuintes. O conceito de "praça" deve inexoravelmente remeter ao conceito de local em que se situa a indústria. Não pode a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRF) extrapolar esse limite geográfico para aferir preços em regiões diversas. Essa conduta esbarra no comando legal do artigo 15, inciso I, da Lei 4.502, de 1964, e gera litigiosidade, como se observa dos precedentes proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a matéria" (grifos do autor).

E tem mais, o senador Anastasia ressaltou que o projeto de lei busca "… não permitir interpretações alargadas, que, no fundo, são contra o texto expresso da lei …", ou seja, ressaltou que o projeto de lei buscou "… evitar interpretações contrárias ao texto da lei…".

Esse tema, tamanha a importância que entrega à sociedade, foi tratado pela agência de notícias do Senado Federal, sendo veiculado o seguinte texto [2]:

"Em seu relatório, Anastasia aponta, também, que órgãos do governo teriam definido nova interpretação do termo. Segundo essa interpretação, 'praça' seria igual a 'país'. Para o senador, o Congresso está sendo obrigado a aprovar um projeto para 'reiterar o óbvio'. Anastasia afirmou que essa pequena questão demonstra 'o clima de insegurança jurídica' do Brasil, o que leva à 'instabilidade tributária" (grifos do autor).

Assim, e com a aprovação nas duas casas desse projeto de lei, uma grande injustiça está sendo desfeita, com o restabelecimento da justiça fiscal ante uma canhestra tentativa de desvirtuação interpretativa para se impor uma cobrança indevida.

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