Opinião

Reforma do CPP e investigação defensiva: paridade de armas e aparente inovação

Autor

  • Flavio Eduardo Cappi

    é advogado do escritório Weiss Advocacia especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2008) e pós-graduado em Direito Ambiental Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2009). 

21 de setembro de 2021, 14h05

Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 8.045/2010 [1], que tem como objetivo a criação de um novo Código de Processo Penal (CPP), em substituição ao código em vigor, datado do ano de 1941. 

Entre as diversas novidades que constam no projeto, uma que tem chamado a atenção dos estudiosos e criado debate é a normatização da chamada investigação defensiva

Chama a atenção, pois trata-se de um instituto que possibilitará a realização pela defesa, em benefício do seu cliente, claro, dentro dos limites da legalidade, de investigação particular para obtenção de provas com o intuito de salvaguardar a tutela de direitos de seu cliente.  

Algumas críticas sobre esse instituto e sua presença no projeto de lei já estão sendo elencadas, oriundas em grande parte de membros do Ministério Público. 

Essas críticas sustentam que a investigação defensiva desequilibrará o chamado sistema de "paridade de armas", isto é, colocará um "poder" na mão da defesa que o Ministério Público não possuirá, haja vista que este depende da Polícia Judiciária (Civil e Federal) para realização da investigação, além de ambos terem seus atos fiscalizados diretamente pelo Poder Judiciário. 

Todavia, essa crítica não nos parece adequada, sendo que na verdade, hoje, o sistema coloca nas mãos da acusação um poder muito maior, como fica bem demonstrado por Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa e Gabriel Bulhões em artigo que trata da investigação defensiva [2]:  

"É inegável a disparidade de armas entre acusação e defesa, não só pela estrutura e cultura inquisitória do processo penal brasileiro, mas também porque, além da polícia, pode o MP investigar diretamente (STF). Sem esquecer que na matriz inquisitória brasileira até o juiz pode determinar a prática de produção antecipada de provas no inquérito (artigo 156, I do CPP)! Então, não existe disparidade de armas? Não há necessidade de fortalecimento da defesa nesta fase?". 

Outro fator interessante sobre o tema é que muitos estão tratando como novidade, todavia sempre existiu na prática o instituto da investigação defensiva, e mais, ela já se encontra normatizada. 

Quanto à normatização, podemos citar o Provimento 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que autoriza a prática pelos seus inscritos, inclusive no seu artigo primeiro conceituando o que é investigação defensiva [3]:   

"Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte". 

No que tange à prática, podemos citar vários exemplos, entre eles o advogado que sabendo existir testemunha que pode beneficiar seu cliente, e que até o momento não consta nos autos do inquérito policial, prepara petição endereçado à autoridade policial requerendo a intimação e oitiva dela (artigo 14 do CPP). 

Outro exemplo acontece em crimes que se baseiem em falsificação, em que por determinação legal é realizada perícia oficial durante a fase inquisitorial, isto é, por meio de perito oriundo da polícia técnico-científica, ou instituto similar, e o advogado, com o intuito de confrontar o laudo oficial, ou mesmo reforçá-lo, caso lhe seja favorável, contrate perícia particular e apresente o laudo nos autos do inquérito (artigo 14 do CPP). 

Mas não só na fase de inquérito policial o instituto da investigação defensiva é utilizado, podemos citar já na fase processual os casos em que a defesa entende ser o réu inimputável na época do cometimento do suposto crime e requer incidente de insanidade mental (artigos 149 a 154 do CPP), e já neste pedido apresenta parecer médico particular que corrobore a condição alegada.  

E mesmo após o trânsito em julgado, já na fase de execução de pena, é possível a realização da investigação defensiva, quando a defesa descobre a existência de testemunhas que eram desconhecidas na época do processo ou mesmo que tenham faltado com a verdade em seus depoimentos, assim o advogado requer ao magistrado a realização de audiência de justificação prévia com o intuito de ouvir essas testemunhas e, assim, possuir a obrigatória prova antecipada que servirá de base para um eventual pedido de revisão criminal (artigos 621 e ss. do CPP). 

Portanto, temos um número significativo de procedimentos realizados pela defesa que já ocorrem e que possuem características de investigação defensiva, sendo todos lícitos e não representando qualquer desequilíbrio na paridade de armas, até por serem realizados dentro de procedimentos e processos em que existe fiscalização pelo Poder Judiciário e o contraditório pela acusação. 

Por derradeiro, acreditamos que a investigação defensiva, ao ser normatizada no novo Código de Processo Penal, auxiliará a mitigar injustiças que ocorrem diuturnamente no sistema penal brasileiro, evitando prisões equivocadas e condenações pautadas em provas temerárias, além da economia ao erário público.   

 


[1] prop_mostrarintegra;jsessionid=node0pby7efjilt8a1uu3xo9rm215x4601135.node0 (camara.leg.br)

[2] ConJur – Investigação defensiva: poder da advocacia e direito da cidadania

[3] OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

Autores

  • é advogado do escritório Weiss Advocacia, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2008) e pós-graduado em Direito Ambiental Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2009). 

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