Eleições 2021

OAB-SP precisa se reconectar com a advocacia, afirma Leonado Sica

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21 de setembro de 2021, 7h35

A OAB-SP está cada vez mais se burocratizando, trabalhando para poucos e pode ser classificada como uma voz sumida no debate nacional.

O diagnostico é de Leonardo Sica, pré-candidato à Presidência da OAB-SP. Em entrevista à ConJur, falou sobre os seus projetos, os principais problemas enfrentados pela seccional paulista da Ordem dos Advogados e diz ter o sonho de fazer com que a entidade volte a fazer diferença na vida do advogado.

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"O advogado tem que voltar a ser o grande protagonista do sistema de Justiça, e o grande defensor do direito cidadão. Hoje em dia o cidadão acha que o grande defensor do direito dele é o promotor. Mas somos nós", argumenta.

Outro problema da seccional paulista da OAB na sua opinião é a falta de transparência. Afirma que a atual tesousaria deu passos em direção a maior clareza na utilização dos recursos, mas diz acreditar que é preciso ir além e gravar reuniões orçamentárias, para que sejam disponibilizadas na internet.

Sica também questiona o silêncio da atual direção da entidade em relação à adoção do voto eletrônico para o pleito que ocorre em novembro deste ano. "Por que São Paulo não implementou o voto digital? Eu vejo como um problema maior do que não implementar voto digital não falar sobre o tema. São Paulo não vai ter o voto digital e não tem uma explicação de porque não vai ter."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Por que o senhor deseja ser presidente da OAB São Paulo?
Leonardo Sica — O nosso projeto e, acima de tudo, o nosso sonho é recuperar e atualizar a relação entre a OAB e a advocacia. Desde a última eleição, eu percorri o estado de São Paulo e, conversando com advogados, a gente percebe uma relação de indiferença entre a OAB e a advocacia.

Falei da última eleição, mas. em 2015, 2016, antes disso, estava na diretoria da Aasp [Associação dos Advogados de São Paulo] e, em todo lugar que eu ia, sempre alguém vinha me fazer uma pergunta, ou às vezes uma espécie de agrado, e falavam que pagavam a Aasp com muito prazer e a OAB com muita dor.

Aquilo me deixava preocupado por dois motivos: primeiro porque a comparação não faz sentido, né? A Aasp é uma entidade importante, de adesão voluntária, mas a OAB é a nossa instituição. A OAB é nossa instituição maior, é um símbolo da democracia brasileira. E, segundo, porque eu percebia nessa frase um descolamento da advocacia com a OAB.

O sentido do nosso movimento é resgatar a proximidade entre a OAB e a advocacia. A entidade está cada vez mais se burocratizando, trabalhando para poucos, uma voz sumida no debate nacional. O advogado tem que voltar a ser o grande protagonista do sistema de Justiça, e o grande defensor do direito cidadão. Hoje em dia o cidadão acha que o grande defensor do direito dele é o promotor. Mas somos nós.

ConJur — Muitos defendem uma atuação apolítica da OAB, tanto no aspecto do conselho federal quanto no âmbito das seccionais. Qual a sua opinião sobre o tema?
Sica — Não há dúvidas de que a OAB tem que ter total distância da polícia partidária. Mas a advocacia é uma profissão com vocação política. Não é? Max Weber fala que a advocacia é uma profissão que se desenvolveu na antessala da política, da boa política. Então nós temos que resgatar também a vontade da classe de participar da política institucional.

Isso só acontece se a OAB for representativa e antes de tudo atender às necessidades e anseios da advocacia. Precisa estar forte no balcão do fórum para cumprir o seu papel político institucional de garantir a democracia. Então o debate político é esse, garantir a democracia, e alertar toda vez que A, B, C ou D ameaçam a democracia.

ConJur —A atual gestão da OAB-SP perdeu o apoio de uma parcela importante dos conselheiros eleitos. Eles, inclusive, tornaram pública a sua insatisfação por meio da "carta aberta a advocacia". Qual a avaliação do senhor sobre o caso?
Sica — Eu li atentamente as cartas de dissidência da atual gestão da OAB. Concordo integralmente com o que está lá. Muito do que esses valorosos diretores, membros de comissão dissidentes dizem, foi dito lá em 2018 pela nossa chapa: voto digital, fim da reeleição para presidente. São compromissos públicos que a advocacia precisa assumir. Quando eles não são assumidos ou quando são assumidos, mas não são cumpridos, o que se espera é o que fizeram esses colegas: denunciem o descumprimento de compromissos eleitorais importantes.

Então foi muito importante porque eles tiveram que jogar luz sobre a escuridão do debate sobre o que se passa com a OAB. A entidade ainda funciona em grande parte como caixa preta, levou para luz o debate público, o debate ético, o debate transparente, e questões que precisam ser conversadas. A gente tem que recuperar do processo eleitoral da OAB a ideia de debater ideias e compromissos.

ConJur — Os últimos tempos foram marcados por violações das prerrogativas da advocacia como desde o cumprimento de mandados de busca e apreensão a escritórios, bloqueio de valores e até agressões de profissionais por parte de agente de segurança. Como será a atuação da defesa dessas prerrogativas em sua gestão? O que pode melhorar?
Sica — A gente propõe a criação, e já propôs em um artigo que está publicado aqui na ConJur, que foi assinado por mim e pela Patrícia Vanzolini. A criação de uma rede imediata de proteção às prerrogativas da advocacia. Mas vou dar um passo atrás. Grande parte do desrespeito que a advocacia enfrenta no dia a dia vem do sumiço da voz da OAB perante à sociedade.

 A OAB não se faz ser ouvida, não se pronuncia, não se posiciona. O resultado prático disso é que a advocacia passa a ser menos respeitada. Então a gente vê a proteção de prerrogativas dentro de um plano que prevê algumas coisas, e vou passar por elas rápido: uma que é assegurar o nosso papel, e defender a continuidade democrática; trabalhar pela renovação; e aí mais precisamente criar uma rede de apoio ao livre exercício da profissão. O que é essa rede de apoio ao livre exercício da profissão? Primeiro, formação técnica.

O advogado precisa receber da Escola Superior da Advocacia uma formação técnica que o faça atuar melhor e defender as próprias prerrogativas

A OAB precisa também prestar atenção e conferir suporte material ao exercício da advocacia. É uma profissão cara de se exercer. Hoje em dia a advocacia está enfraquecida, com uma remuneração rebaixada, com uma remuneração decrescente, e a gente tem que oferecer suporte material, porque defender prerrogativas é defender o livre exercício da profissão. E o livre exercício da profissão exige que o advogado tenha condições materiais de exercer seu mister.  E como isso se faz? Primeiro exercendo o poder de compra. Não é possível que nós, em 350 mil profissionais, tenhamos que comprar internet, que é insumo, sozinhos. Internet, softwares, recursos tecnológicos. Exercendo o poder de compra coletiva vamos poder oferecer esse material para a advocacia trabalhar melhor e de uma maneira mais barata.

ConJur  — É preciso aumentar a transparência na OAB-SP?
Sica — A transparência que a OAB-SP oferece para a advocacia é primitiva, paleozoica. A gente precisa aumentar a transparência de compra. A tesouraria deu uns passos nessa gestão, mas precisa ir além. A gente precisa entender melhor como o dinheiro é usado, como é gasto. E transparência de atuação. Por exemplo: os advogados elegem o Conselho da OAB, que se reúne para discutir, em tese, os temas de interesse da advocacia. Essa reunião tem que ser transmitida, publicada na internet.

A gente tem que dar transparência àquilo que é feito nos processos internos, transmitir a reunião do conselho. E discutir as contas, o orçamento em reunião pública e aberta, e transmitida.

ConJur — Considerando que o número de advogados formados cresce a cada ano, como receber e apoiar a jovem advocacia?
Sica — A gente tem um drama que é o número excessivo de profissionais do Direito se formando ano a ano. Mas esse drama vem de um problema lá de trás, que deveria ter sido corrigido com a contenção da abertura dos cursos. Mas é a realidade. Então temos que dar acolhimento a esses advogados e à advocacia em geral.

A tem algumas maneiras de pensar nisso. Primeiro: a OAB de São Paulo, a advocacia paulista tem que estar na vanguarda. Não só na vanguarda do sistema de Justiça, como na vanguarda da sociedade. O que eu quero dizer com isso? Por exemplo, na última eleição, falamos muito de tecnologia. Trouxemos experts para falar. Dissemos: "a gente precisa abraçar a tecnologia". E olhavam desconfiados. Fomos atingidos pela pandemia e estamos sofrendo aí com audiência online porque não fomos capazes de olhar para o futuro, de entender.

Precisamos diversificar o campo de trabalho dos advogados. Treinado ao litígio, ao processo judicial, que é o advogado tradicional, não encontra mais tanto espaço no mercado de trabalho. Então a gente precisa capacitar a advocacia e o sistema de Justiça para lidar com meios alternativos de resolução de conflitos, e trazer isso para dentro da OAB.

A Ordem precisa ser uma incubadora de centros de mediação, de centros de conciliação, de centros de práticas restaurativas, e treinar advogados para fazer isso. Abrir novos campos de trabalho, que desenvolvem desenvolvimento ético. Tem questões éticas de biossegurança, de biotecnologia, e os advogados precisam ser os porta-vozes dessas questões. A gente precisa treinar os advogados para fazer isso.

E quem tem que fazer isso é a OAB. Não é a academia que vai fazer isso. A OAB tem que assumir o papel de diversificar o campo de trabalho da advocacia, especialmente para os jovens.

ConJur — Quais foram, na sua avaliação, os principais problemas da advocacia durante esse período de isolamento social?
Sica — Um dos graves problemas que a advocacia enfrentou é ficar órfã. A OAB-SP não se pronunciou nas graves questões durante a pandemia. Quantos advogados morreram de Covid? Como ficaram as famílias desses advogados? Qual o amparo que vai ser dado no pós-Covid para aqueles que vão ter sequela? Qual o apoio que a advocacia teve durante a vacinação? As questões estão surgindo e a advocacia está silente.

Além das questões de saúde, e a OAB precisa desse amparo de saúde para a advocacia, a Justiça digital imposta, que é o que nós temos hoje. O modelo imposto é o principal problema que vai sobrar para a advocacia em um pós-pandemia. Estão enfiando goela abaixo da advocacia um modelo de audiência online que é um verdadeiro flagelo para o advogado militante.

O militante tem que se virar em mil para fazer uma audiência acontecer. Tem que colocar testemunha em um link, a parte em outro link. Tem que estar em um link, tudo tem que funcionar garantindo a incomunicabilidade das testemunhas. Todos esses ônus foram transferidos para a advocacia.

ConJur — A OAB-SP ainda não se pronunciou sobre o voto online para as eleições deste ano. O que acha disso?
Sica — Eu volto ao ponto conceitual. A advocacia de São Paulo precisa estar na vanguarda do país. E é por isso que, no começo, antes da pandemia, nós dos Instituto do Movimento 133 fomos ao Conselho Federal e apresentamos um projeto de votação online, o primeiro. Por quê? Porque percebemos que a representatividade da advocacia estava enfraquecida com o atual sistema de votação. E aí o que a gente vê? Vários estados adotaram. O Paraná, nosso vizinho aqui, vai adotar. Então quem deveria estar na vanguarda está na retaguarda.

Além do voto digital depois da última eleição, apresentamos durante a eleição a ideia do Programa Anuidade Zero, em que o advogado pode descontar em produtos e serviços a sua anuidade. De novo: a OAB de outros estados implementaram a anuidade zero. São Paulo, não. Por quê?Vejo como um problema maior do que não implementar voto digital, não falar o tema. São Paulo não vai ter o voto digital e não tem uma explicação de por que não vai ter.

Poderá haver razões, que eu desconheço. Não sou onipotente, nem dono da verdade, mas à advocacia paulista não foi dado o cuidado de explicar por que eles vão ter que, no dia 25 de novembro, sair do escritório para enfrentar trânsito, em um dia de trabalho, largar prazo processual, enfrentar dificuldades de mobilidade para aqueles que têm, de acessibilidade. No interior, se deslocar pela estrada, porque não tem local de votação em todas as cidades. Por que não?

ConJur — A OAB-SP faz um bom trabalho de estimativas de honorários?
Sica — Eu acho que a tabela de honorários da OAB é um instrumento importante para fixar parâmetros. Acho que cumpre bem ao seu papel.

ConJur — Diversas decisões negam o pagamento de honorários a advogados dativos. Isso é prática comum e é possível que a OAB-SP
faça algo sobre?

Sica — É um problema gravíssimo. Existe uma incompreensão, uma má vontade enorme dos juízes com essa questão. Acho que aí o papel da OAB são dois. Um: litigância. Já que a gente é advogado, gosta de litigar, no CPC prevê que as entidades possam se habilitar como amicus curiae nas causas processuais. Então, a primeira estratégia é litigar em guerrilha toda causa que houver redução arbitrária, injusta ou ilegal de honorários advocatícios. Vamos habilitar a OAB nos autos para trabalhar ao lado do advogado.

A segunda é política. A gestão junto às presidências dos tribunais, e talvez aí com a litigância nas costas porque justamente a OAB tem que chegar no tribunal e dizer: "Olha, estou litigando, e vou litigar em todos os casos em que houver redução ilegal dos honorários dos advogados". Chegaremos a um acordo? Vamos fixar uma jurisprudência?

ConJur — Caso eleito, como o senhor gostaria que a sua gestão fosse lembrada?
Sica — Nós temos um sonho de OAB. O Movimento 133 é uma expressão minúscula desse sonho. Toda reunião que a gente tem feito, e a gente tem feito várias pelo estado inteiro, termino fazendo uma pergunta para os advogados e advogadas presentes. Como seria a sua vida sem a OAB? Eu peço para eles nem responderem, porque se não vai ser muito desanimador ouvir responderem entre melhor e igual..

O nosso sonho é que daqui a três anos a gente possa voltar a cada lugar, em cada fórum, em cada subseção da OAB, em cada escritório, olhar para o nosso colega e perguntar: "como seria a sua vida sem a OAB?", e eles respondem "pior. muito pior", porque a OAB serviu como espaço de diálogo, porque me acolheu, me defendeu na hora que eu precisei, me deu formação ou porque simplesmente eu tenho orgulho da OAB, do que a entidade faz.

Então nosso sonho é refazer essa pergunta para cada advogado e ouvir eles falando que "minha vida seria sim pior sem a OAB". Nosso sonho é uma OAB de todas as cores, de todos os lugares, de todos os cantos, representativa, igualitária e aberta. Sem rancor, com compaixão, trabalhando com amizade cívica e ética.

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