Opinião

Indícios mínimos de autoria e denúncia

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20 de setembro de 2021, 6h02

Recentemente, o STJ [1], tendo como sedimentada a questão, entendeu que vigora o in dubio pro societate para a propositura da incoativa penal e, dessa forma, para sua oferta bastariam indícios mínimos e suficientes da autoria e materialidade, sendo que o mais prudente seria recebê-la, de maneira que esclarecimentos quaisquer devidos deveriam vir ao longo da instrução penal.

Não obstante o peso e a autoridade dos precedentes, discordamos ex-rádice desse entendimento.

Fixando-se somente na questão de serem necessários apenas indícios mínimos, temos que isso, somando ao tão querido brocardo do in dubio pro societate (o tal nem mesmo princípio é), dá pleno ensejo a temeridade de se ver instauradas ações penais por provas insignificantes, questões de nonada.

Apenas de passagem, quanto ao famigerado brocardo, vale a lembrança da lição contundente de Tourinho Filho dizendo que falar do mesmo "é desconhecer que num País cuja Constituição adota o princípio da presunção de inocência torna-se heresia sem nome falar em in dubio pro societate" [2].

Já com relação à justa causa prevista no artigo 395, III, do CPP, seguramente, esta não exige tão somente indícios mínimos.

Justa causa ou justa razão ou razão suficiente para sustentar a incoativa há de envolver indícios (não um só) veementes [3], elementos sérios [4], lastro probatório sólido recolhido em fase pré-processual [5], consistentes [6], concretos [7], conjunto seguro e idôneo [8], evidências seguras e idôneas [9], fundados [10], factíveis e manifestos [11].

Bem por isso, Borges da Rosa esclarece que: "O critério jurídico exige que, à semelhança das testemunhas, os indícios sejam pesados e não contados" [12].

Portanto, o nível de cognição do MP ao comparecer com a denúncia perante o juízo penal deve estar baseado em indícios firmes, jamais em mínimos indícios de forma a se evitar o gravame, os rigores do processo penal, a pena de banquillo.

O conceito de justa causa não é o indício ínfimo ou a razão qualquer, como se estes fossem sinônimos ou "irmão siameses" [13].

Conforme a ministra Maria Thereza Rocha Assis Moura [14]:

"A tão só sujeição ao juízo penal já representa, per se, um gravame, cuja magnitude Carnelutti já dimensionava como verdadeira sanção. Desta forma, é imperioso que haja razoável grau de convicção para submissão do indivíduo aos rigores persecutórios. (…) A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate".

Bases sólidas, indícios veementes e sérios…

Nada de mínimos indícios.

Conclui-se que "há, diante disso, um direito fundamental à acusação gizada por um conceito de responsabilidade" [15].

Se há dúvidas, que o MP faça bom uso dos artigos 16 e 47 do CPP ou promova o arquivamento e nunca parta para o processo com base em insignificâncias ou indícios mínimos.

 


[1] BRASIL. STJ. AgRg no RHC 128.824/PR, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/08/2021, Dje 16/08/2021.

[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Ed. Saraiva, ano 2012, Tomo II, pág. 82.

[3] ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro. Ed. Freitas Bastos, ano 1959, Tomo II, pág. 227.

[4] FERNANDES, Antônio Scarance. A reação defensiva à imputação, Ed. RT, ano 2002, pág. 152.

[5] Como afirmado pelo próprio Vice-Procurador-Geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, na Petição 9.760/DF (BRASIL. Procuradoria-Geral da República. Pet. 9.760/DF, Relatoria Ministra Rosa Weber, 29 de junho de 2021. Disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/6/39E4CEBA34233A_pet-mpf.pdf. Acesso em 15/09/2021.)

[6] BRASIL. STF. Inq. 2792, Rel. Min. Carmen Lucia.  

[7] BRASIL. STF. Inq. 3991, Rel. Min. Edson Fachin, Inq. 4146, Rel. Min. Ricardo Lewandowski e HC 107.263, Rel. Min. Gilmar Mendes.

[8] BRASIL. STF. Inq. 4075, Rel. Min. Edson Fachin.

[9] BRASIL. STF. Inq. 3650, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

[10] BRASIL. STF. HC 173.492 – AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

[11] BRASIL. STF. HC 95.270, Rel. Min. Carmen Lucia.

[12] BORGES DA ROSA, Inocencio. Dificuldades na Prática do Direito. Ed. Livraria do Globo, Santa Maria: 1939, pág. 173.

[13] SABINO, Paulo Henrique. Inocentes Condenados. Ed. Lumen Juris, ano 2021, pág. 57.

[14] BRASIL. STJ. HC n° 175.639 – AC.

[15] TABOSA DE OLIVEIRA, André Luis. A acusação responsável como direito fundamental, Ed. Lumen Juris, ano 2015, pág. 217.

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