Non bis in idem

TRF-2 julga indevido imputar crimes autônomos à mesma conduta

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19 de setembro de 2021, 17h54

O ato de pagar propina não pode a um só tempo caracterizar os crimes de corrupção ativa e de lavagem de dinheiro, sob pena de violação ao princípio non bis in idem.

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Para configuração da lavagem de dinheiro necessária comprovação procedência ilícita

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Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região concedeu ordem de Habeas Corpus para trancar uma ação penal quanto ao crime de lavagem de capitais em trâmite na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

Em decorrência da operação tergiversação, que apura episódios de corrupção na Polícia Federal do RJ, a paciente foi denunciada por ter aceitado pagar propina para um delegado da PF para que este não implicasse a empresa daquela num inquérito policial que presidia.

O meio para o pagamento da propina teria sido a contratação simulada de um advogado, membro da organização criminosa, que repassaria parte dos valores ao delegado. Com isso, o advogado emitiu uma nota fiscal em favor do seu escritório, o que viabilizou o pagamento da alegada propina pela paciente.

Com base nessa descrição fática, a paciente foi acusada pelo crime de corrupção ativa e de lavagem de capitais. O impetrante, Bruno Viana, do Sidi & Andrade Advogados, sustentou que a forma dissimulada de entrega de propina não pode configurar o crime de lavagem de capitais, de modo que o ato de dissimulação que caracteriza a lavagem de capitais atribuída à paciente integra a própria tipicidade do crime de corrupção ativa, pois é natural que se a vantagem é indevida, proibida, ilegal, a sua entrega ocorrerá de forma oculta ou dissimulada.

Segundo o advogado, no caso concreto, da forma como os fatos ocorreram e foram descritos na denúncia, as imputações se referem à mesma conduta, violando, assim, o princípio do non bis in idem.

O relator do HC, desembargador federal Marcello Ferreira de Souza Granado, entendeu que o suposto repasse de dinheiro feito pela acusada configura-se, em tese, como crime de corrupção ativa.

Isso porque, para Granado, não é possível deduzir que o dinheiro objeto da alegada lavagem teria procedência ilícita ou que seria proveniente da corrupção passiva imputada ao delegado da PF, salientando-se que a emissão de nota fiscal fraudulenta pela empresa da ré pode até ser, eventualmente, entendida como um outro suposto crime, mas, jamais aquele descrito na denúncia.

Assim, o desembargador concluiu que houve imputação indevida à paciente de dois crimes autônomos relativos à mesma conduta, violando ao princípio non bis in idem, e reconheceu como atípico o fato descrito na denúncia, tido como lavagem de dinheiro.

Bruno Viana ressaltou que o crime de lavagem de capitais constitui o principal mecanismo de excesso acusatório no Brasil, sendo possível notar que os órgãos de acusação se valem do referido tipo penal para inflar acusações, facilitar a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais, inviabilizar a celebração de um eventual acordo de não persecução penal, além de ser funcional para a negociação de acordos de delação premiada. "É muito importante perceber que o Tribunal está atento a esses excessos", concluiu.

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5007961-74.2021.4.02.0000

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