Opinião

O Edifício São Pedro e a triste sina do patrimônio cultural brasileiro

Autor

  • Cecilia Rabêlo

    é advogada mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

19 de setembro de 2021, 9h14

O Edifício São Pedro é um dos primeiros prédios da orla da cidade de Fortaleza. Desde 2015, ele esteve tombado provisoriamente, até a última semana, quando foi publicado decreto pelo não tombamento definitivo do bem.

O São Pedro é um retrato da triste sina da política de patrimônio cultural. Tombam-se bens sem que haja uma política pública por trás dessa ação estatal, sem que sejam pensados os usos que poderão ser dados ao imóvel ou mesmo se há ou não recursos nos cofres públicos para restauro do bem.

Sim, porque o próprio Decreto-Lei 25/37 é expresso ao dizer que, caso o proprietário não tenha condições de restaurar o bem, esse dever recai sobre o poder público que o tombou. Ora, imagine se cada proprietário comprovasse que não tem condições de manter o bem (o que não é difícil, dado os altos custos de um restauro de um bem histórico)? O orçamento total atual dos órgãos de patrimônio não daria conta sequer dos primeiros bens a serem restaurados.

Tomba-se como medida isolada, como se esse ato administrativo fosse capaz de resolver todas as questões que envolvem a preservação de um bem cultural. Tomba-se como se o Direito fosse dar conta da realidade. Tomba-se sem que seja dado qualquer benefício ao bem ou aos proprietários (benefícios lícitos, tais como isenção de IPTU, linhas de crédito facilitado para a restauração do bem, entre outros). Tomba-se e esquece-se do bem.

E o que acontece depois? O bem vai se deteriorando aos poucos, pela ação inexorável do tempo, enquanto a burocracia se arrasta, as disputas poder público versus proprietários se intensificam, processos judiciais são impetrados, a prescrição se impõe pela demora do processo (sim, porque, afinal, é um processo administrativo sobre o qual se impõem as regras legais de prescrição, decadência, contraditório, entre outras). O resultado é o que vemos nos jornais.

O instrumento jurídico do tombamento necessita urgentemente ser (re)pensado, agregando-o a outras medidas capazes de garantir o que a Constituição Federal obriga: a preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Tombamento é um primeiro passo. Mas ele deve ser dado no âmbito de uma política maior de patrimônio cultural da cidade/estado/país. Preservar um bem deve estar atrelado à vida do lugar, aos usos que a sociedade pode dar a ele, fazendo com que as pessoas se apropriem do bem no sentido de desejarem a sua preservação.

Há planejamento prévio para cada ato de tombamento? Com previsão dos custos que ele dará aos cofres públicos, de como aquele bem irá se integrar aos demais bens culturais do lugar, de como será a relação com o proprietário, se há interesse em torná-lo um equipamento cultural (que, no caso, o melhor caminho seria o da desapropriação e não o tombamento isolado, pois o proprietário é livre para dar o uso que quiser ao bem, desde que respeite os limites do tombamento).

Política de proteção de patrimônio cultural não é só tombamento, é muito mais do que isso. É política pública, é orçamento, é atribuição de benefícios lícitos para o proprietário com a finalidade de fazer com que ele cuide do que é, ao mesmo tempo, de interesse dele e de toda a sociedade. Sem isso, vamos continuar tombando para, ao final, ver o bem tombar, mas de velho, de frágil, de esquecimento.

Autores

  • é advogada, mestre em Direito, especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

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