Opinião

O perfil do egresso dos cursos de Direito do Brasil: o que temos? O que queremos?

Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

19 de setembro de 2021, 11h13

Por muito tempo, os cursos de Direito foram conhecidos por reunir a elite intelectual do país. Inúmeros políticos, filósofos, educadores, historiadores, geógrafos, jornalistas, entre outros profissionais, costumavam também ter formação acadêmica em Direito. Só para citar alguns exemplos: patrono da Geografia no Brasil, o professor baiano Milton Santos era bacharel em Direito; patrono da Educação no Brasil, o pernambucano Paulo Freire, mais do que bacharel em Direito, era professor da faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. A lista de famosos é extensa. Diversos presidentes da República, deputados, senadores, diplomatas, entre outros, eram egressos de cursos de Direito, cursados no país ou no exterior. Antes da criação dos cursos de Direito no Brasil, em 11 de agosto de 1827, alguns nacionais privilegiados cursaram Direito em Portugal, especialmente na prestigiada e tradicional Universidade de Coimbra.

Os cursos de Direito sempre tiveram um severo compromisso com uma formação técnica e ao mesmo tempo humanista de seus egressos. No campo da técnica, gravitavam conhecimentos sobre processualística civil, penal, administrativista, constitucional, tributária e outras. Nesses campos imperam a sistematização de ritos e procedimentos indispensáveis ao bom funcionamento das instituições, em quaisquer dos poderes da República. Nesse sentido, um dos mais importantes papéis de um jurista é o de ser um exímio conhecedor do funcionamento do Estado e, assim, um excelente guia para navegar pelos meandros de uma Administração Pública burocrática e de inspiração positivista. Além da técnica, o profissional formado nos cursos de Direito precisa ser um humanista, ou seja, precisa ser um profissional capaz de situar as necessidades dos indivíduos, da comunidade, ou ainda de parcelas da sociedade, dentro de um quadro de possibilidades e de lutas pela realização de anseios legítimos. Sendo assim, os juristas precisam enxergar o Direito, efetivamente, como um fato social, mas, acima de tudo, como um fato social em transformação. A moldura da realidade social não é imutável e, nesse sentido, o Direito segue a mesma lógica. Sendo assim, o Direito acaba sendo um retrato de uma época e sendo assim, todas as suas regulações ao tempo certo fazem sentido, mas, em tempos diversos, podem mudar completamente. Sendo assim, o jurista, enquanto técnico e humanista, deve estar atento às novas demandas. Sendo assim, percebe-se que ser um jurista é muito mais do que ser um advogado, um magistrado, um promotor de Justiça, um professor ou até mesmo um ministro de tribunal superior. Todos esses podem, além da função jurídica que desempenham, ser considerados juristas, desde que conciliem as habilidades de um excelente técnico como as de um humanista, sempre comprometido com o bem-estar coletivo, e não servindo ao próprio ego. O compromisso com a sociedade e com o direito posto deve ser elevado a um patamar tal que o jurista coloque em segundo plano quaisquer outros interesses não republicanos, mesmo que para isso frustre os anseios e os interesses de uma parcela da sociedade. Em quaisquer realidades democráticas a prevalência de uma ideia sobre outras é algo mais do que comum.

Nesse contexto, nos questionamos: qual o perfil do egresso dos cursos de Direito hoje? Alguma mudança precisa ser feita?

Não se responde a questionamentos complexos como esses de forma simplista. Isso porque há diversos cursos de Direito em funcionamento no país, cada um seguindo práticas e políticas educacionais diversas. No entanto, baseando-nos em nas diretrizes curriculares nacionais expedidas pelo Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação, e em nossa experiência como docente de curso de Direito há quase duas décadas, consideramos ser competências fundamentais aos egressos dos cursos de direito:

Ter formação humanística e ética;

 Ter conhecimentos em ciência política e teoria do Estado;

 Ter conhecimento em mais de uma língua estrangeira;

 Ter conhecimentos inter e transdisciplinares;

 Ser conhecedores dos meandros da pesquisa jurídica;

 Ser capaz de interpretar o direito à luz dos fatos sociais, econômicos e culturais, sem fugir da "moldura" imposta pelo ordenamento jurídico pátrio;

 Ter conhecimentos técnicos e práticos, especialmente na área processual;

 Ter conhecimentos em hermenêutica jurídica e teoria do Direito;

 Ter conhecimentos e prática em processos judiciais eletrônicos.

Claro que todos esses conhecimentos e práticas não suplantam a necessidade de sólidos conhecimentos em todos os ramos do Direito, público ou privado, além da exigência de práticas jurídica diversas, oportunizando aos discentes conhecimentos que extrapolem as clássicas atuações em Direito de Família, Direito Penal ou Direito do Trabalho.

Com base nessa sintética opinião, percebemos que os cursos de Direito não deveriam ser enxergados e nem devem se comportar como "cursinhos" preparatórios para o exame de Ordem ou para outros concursos públicos. Antes de qualquer outra competência, os cursos de Direito devem se comportar como uma escola de cidadania, que forma profissionais aptos a aliar a melhor técnica jurídica com uma formação humanista que seja capaz de transformar, em sua atuação profissional, as meras declarações constitucionais em fatos ou em políticas públicas efetivas. Somente assim os cursos de Direito do país contribuirão para que haja um verdadeiro desenvolvimento social e econômico sustentável, na medida em que oferecem à sociedade profissionais (egressos) comprometidos com as liberdades individuais, com os direitos sociais, com o Estado de Direito democrático, com os direitos humanos, com a cidadania e com a ordem social e econômica. Agindo dessa forma, os profissionais do Direito contribuem de forma marcante para a efetivação de direitos fundamentais e para a fruição dos princípios estruturantes de nossa República Federativa.

Autores

  • é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, advogado, geógrafo, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Norte, membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RN e membro-consultor da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Conselho Federal da OAB.

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