Opinião

PEC dos Precatórios, um pesadelo que se repete

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19 de setembro de 2021, 13h14

Ao enviar o projeto de lei orçamentária para o ano de 2022, o ministro Paulo Guedes já anuncia quem é o vilão do orçamento público, busca se eximir da má gestão dos recursos públicos pelo governo federal e joga no colo dos outros um problema que sabe ser seu. A primeira solução, que parecia simples, seria a aprovação de uma emenda à Constituição, com uma fórmula de parcelamento dos débitos, que daria uma folga, ainda que momentânea, para as finanças públicas. Apesar da base de apoio dar alguma esperança para o governo, com a emissão de parecer favorável pelo relator da PEC, sua aprovação pelas duas casas legislativas não é garantida.

Nesse cenário de incerteza, o Executivo joga a batata quente no colo do Judiciário, buscando uma solução mágica que permitiria o parcelamento da dívida sem que restasse configurado o calote. Para tanto, sugere o presidente do STF a edição de uma norma pelo CNJ que valide uma interpretação criativa das normas constitucionais, fazendo uma miscelânia entre as normas que disciplinam o pagamento dos débitos judiciais com aquelas que fixaram o teto de gastos públicos.

A solução da emenda constitucional já foi testada pelo Executivo através da EC nº 62, tendo sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade do parcelamento em razão da violação às cláusulas pétreas inscritas na Constituição Federal, mais especificamente as da separação dos poderes e dos direitos e garantias individuais (artigo 60, §4º, CF).  E sob o mesmo crivo deve ser analisada e rejeitada a atual PEC dos Precatórios. A proposta atual propõe um parcelamento que pode se tornar uma prática na gestão orçamentária, com o agigantamento dos débitos constituídos em precatórios e desvirtuamento completo da finalidade precípua da sistemática de pagamentos dos débitos judiciais pelos entes públicos.

O ministro Luiz Fux, relator da ADI 4357 (que reconheceu a inconstitucionalidade do parcelamento proposta pela EC 62), não descarta a possibilidade de questionamentos judiciais a respeito de uma nova PEC que permita o parcelamento dos precatórios. Contudo, de forma surpreendente, acenou para uma solução bastante heterodoxa, por meio de resolução do CNJ.

De acordo com o ministro, "pegaríamos a dívida no estágio em que ela estava quando surgiu a lei do teto, e aplicaríamos um percentual para corrigir aquele montante daquela época. Em vez de ser R$ 89 bilhões, por exemplo, naquela época tinha R$ 50 bilhões. Deve R$ 89 bilhões, paga R$ 50 bilhões agora e paga R$ 39 bilhões no orçamento subsequente. Isso nos dá boa expectativa de pagamento dos precatórios, o que transmite ao mercado segurança jurídica para prosseguir nesse segmento de aplicações" (palestra do dia 26/8/2021 no evento Expert XP 2021).

A solução, como dá a entender o ministro, passa por uma interpretação bastante elástica da Constituição, que também deve sofrer toda ordem de questionamentos judiciais, tanto por seu conteúdo como pela forma. Afinal, como uma norma do CNJ pode alterar a sistemática de pagamento dos precatórios prevista na Constituição Federal? A resposta é simples e direta: não pode! Essa solução, assim como a EC 62, não constitui violação às cláusulas pétreas da Constituição? A resposta aqui também é simples: constitui, sim!

A solução do problema dos precatórios para o orçamento de 2022 é do Executivo e deve ser por ele enfrentada, não podendo prevalecer esse discurso no terror pregado pelo ministro Paulo Guedes, que imputa ao Legislativo e ao Judiciário a responsabilidade por encontrar uma solução que pare de pé. Os precatórios são débitos resultado de ações judiciais que, depois de anos de tramitação, reconhecem a violação de um direito e impõe ao Estado, somente após o trânsito em julgado, o dever de cumprir com uma obrigação ou mesmo reparar um dano.

Toda ação judicial, não importa se contra o poder público ou entre particulares, tem uma contingência (passiva ou ativa) a ela relacionada, e que constitui um dado importante para a gestão do orçamento (público ou privado), devendo ser conduzida com responsabilidade e numa visão de longo prazo. Afinal, o débito oriundo dos precatórios não surge de um ano para outro.

E justamente na gestão do orçamento foi que o Executivo andou mal. Sabia da existência do problema e deixou para tratá-lo quando já não há mais tempo para uma solução adequada e responsável, criando uma urgência que "justificaria" a adoção de medidas heterodoxas e inconstitucionais.

Mas ainda há tempo para buscar uma solução a partir dos instrumentos previstos no ordenamento jurídico. O primeiro, e mais óbvio, é trabalhar com os programas e políticas públicas já existentes, sem aumento desenfreado de gastos com criação de novos programas. O segundo, um pouco mais trabalhoso, é a gestão dos passivos já constituídos, com propostas de acordo para pagamento de precatórios de grande valor, nos termos da Lei Federal nº 14.507/2020, que inclusive permite o parcelamento em até oito anos. E o terceiro, e para mais longo prazo, uma gestão mais responsável das contingências judiciais, de forma a evitar o agigantamento do passivo judicial, com uma atuação mais estratégica, seja para a diminuição desse passivo, seja para sua redução mediante a realização de acordos.

Deve o Executivo assumir sua responsabilidade e seu papel pela gestão responsável do orçamento, que inclui a gestão dos precatórios, não podendo atribuir a terceiros essa responsabilidade, e muito menos buscar soluções mágicas para resolver o problema que é complexo, sob risco de se criar outro problema mais adiante, assim como o experimentado com a Emenda Constitucional nº 62.

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