Sempre advogado

"Amem o povo e poderão ser bons advogados", ensinava Tristão Fernandes

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19 de setembro de 2021, 10h47

*entrevista publicada originalmente em 11.ago.2021, no último Dia do Advogado

Com 93 anos de idade e 62 de advocacia, Fernando Tristão Fernandes é testemunha privilegiada da profissão celebrada neste dia 11 de agosto. Ele se formou em 1958 e sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil é de 1959.

Tristão foi perseguido, monitorado e preso pela ditadura militar (1964-1985) e, apesar de vivermos uma democracia, diz acreditar que o atual cenário está longe de ser favorável para a advocacia brasileira.

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"A era dos direitos está em crise e com ela a advocacia. Estamos em um embate entre direitos humanos, sociais e políticos e aqueles que flertam com o fascismo, a ditadura, a perda dos direitos sociais, trabalhistas e individuais", afirma em entrevista à ConJur.

Questionado sobre as recentes violações às prerrogativas dos advogados, Tristão não deixa de mostrar uma ponta de pessimismo. "Está vendo como está difícil advogar onde o sistema jurídico, os representantes do sistema jurídico, não têm noção do que o direito tem que ser aplicado?", lamenta.

Apesar das agruras contemporâneas, diz seguir entusiasta da profissão e acreditar que o principal desafio para esta geração de advogados é manter as conquistas alcançadas pela sua.

"A nossa profissão é dura, mas é necessário antes de tudo amar a justiça e exigir a aplicação da lei, mas lei que tem que ser feita por um Congresso eleito pelo povo. Lute e acredite na luta pelos direitos sociais e democráticos. Eu faria tudo igual. Mas entendam que o direito não é só direito ou dogmática, é literatura, história, teatro. Se embrenhem da cultura brasileira e amem o povo e poderão ser bons advogados", ensina.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

ConJur — Com 60 anos de atuação na advocacia, quais foram as principais mudanças na profissão na sua opinião?
F. Tristão Fernandes — O que não mudou é a força de resistência dos advogados. O que mudou foi o respeito à advocacia. A advocacia é maior, é por isso que a OAB precisa sempre ser fortalecida. No passado, entre 1964 a 1985, eles, os militares generais, governaram sem Constituição com atos institucionais, isto é, que eles faziam e não tinha direito nenhum porque não tinha Constituição. Várias vezes renasci, como, por exemplo, em 11 de junho de 1973, quando atiraram em mim. Também fui monitorado pelo regime militar até 1987, isso é incrível, em pleno regime democrático.

ConJur — O que mais incomodava a advocacia no Judiciário antigamente? Isso mudou?
F. Tristão Fernandes — Olha, ultimamente o Poder Judiciário se fechou, há um distanciamento maior em relação ao advogado. Durante o regime militar, eles respeitavam mais o advogado do que hoje, quando parecem ter receio de nos encarar frente a frente. Até recentemente invadiam escritórios de advogados, aquelas operações da Polícia Federal… melhorou, graças ao Gilmar (ministro Gilmar Mendes) no STF. O Supremo está fazendo com que a Constituição seja cumprida. Se não fosse o Supremo, nós estaríamos hoje num estado policial, e ainda há sintomas disso, graves, como a impossibilidade de contato com os clientes por telefone e o fato de se começar a condenar publicamente os acusados antes mesmo da abertura do processo. Mas o Supremo criou precedentes que colocaram em risco a democracia.

ConJur — O advogado é mais valorizado hoje em dia?
F. Tristão Fernandes — Não. A era dos direitos está em crise e com ela a advocacia. Estamos em um embate entre direitos humanos, sociais e políticos e aqueles que flertam com o fascismo, a ditadura, a perda dos direitos sociais, trabalhistas e individuais. A crise no tratamento da advocacia é a crise do direito e da necessidade de democratização do Poder Judiciário. O advogado representa o jurisdicionado, o povo, o cidadão, o indivíduo.

ConJur — O senhor teve atuação marcante na defesa de presos políticos durante a ditadura. Chegou a se tornar um deles. Como enxerga o atual cenário político brasileiro? Nossa democracia está abalada?
F. Tristão Fernandes — Na ditadura eu vivi 21 anos, 1964 a 1985, sob a vigilância diária e permanente dos militares de direita que tomaram conta do poder e que mataram 400 jovens como eu e sumiram com os cadáveres. Uma luta para derrubar os militares, comícios e mais comícios, que então foi eleição e eles foram excluídos. Vinte e um anos sem Constituição. Eles, os militares generais, governaram sem Constituição, com atos institucionais, isto é, que eles faziam e não tinha direito nenhum porque não tinha constituição. A democracia não está abalada, está fissurada. Está sob constante ataque, e o desafio dessa geração é manter as conquistas que minha geração conseguiu. É importante que a luta continue para que nossa luta não tenha sido em vão.

ConJur — Recentemente vimos muitas violações de prerrogativas da advocacia e até profissionais agredidos por agentes de segurança. Isso é mais um sinal da erosão de nossa democracia?
F. Tristão Fernandes — Olha, é um crime fazer isso. É inacreditável que alguém com competência de jurisdição, aplicar o direito, comete o crime desta maneira. Está vendo como está difícil advogar onde o sistema jurídico, os representantes do sistema jurídico, não têm noção do que o direito tem que ser aplicado? Não é o policial, é o juiz, a organização política. Então você veja só, por isso é necessário a OAB estar fortalecida para combater esses abusos. Como disse, a crise da advocacia é a crise do direito. A luta pela advocacia é a luta pelos direitos e não meramente corporativa.

ConJur — Qual o principal conselho que o senhor daria a um estudante de Direito?
F. Tristão Fernandes — A nossa profissão é dura, mas é necessário antes de tudo amar a justiça e exigir a aplicação da lei, mas lei que tem que ser feita por um congresso eleito pelo povo. Lute e acredite na luta pelos direitos sociais e democráticos. Eu faria tudo igual. Mas entendam que o direito não é só direito ou dogmática, é literatura, história, teatro. Se embrenhem da cultura brasileira e amem o povo e poderão ser bons advogados, juízes, promotores porque serão bons brasileiros. Bons cidadãos.

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