Opinião

A possibilidade da recuperação dos clubes de futebol com a Lei 14.193/2021

Autores

  • Filipe Denki

    é advogado e administrador judicial mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) especialista em Direito Empresarial com ênfase em reestruturação de empresas e sócio Lara Martins Advogados.

  • Nathalia Machado

    é graduanda em ciências jurídicas na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) pesquisadora científica acerca do instituto de recuperação judicial e falência estagiária no núcleo de recuperação judicial e falência do Lara Martins Advogados estagiária na Procuradoria da Fazenda Nacional em Goiás participante convidada da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB-GO diretora de ensino na Liga de Estudos em Direito da PUC-GO e monitora da matéria de Direito Empresarial na PUC-GO.

18 de setembro de 2021, 18h14

No último dia 6 de agosto, foi sancionada a Lei nº 14.193, que versa acerca da instituição da sociedade anônima do futebol (SAF), clube-empresa, dispondo sobre as normas de constituição, compliance, recursos para o financiamento da atividade futebolística, tratamento dos débitos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico.

Em virtude da função social dos clubes de futebol, a Lei 14.193/21 visa a viabilizar a subsistência dos clubes esportivos, que possuem passivos milionários e que, com a superveniência da crise causada pandemia da Covid-19, tiveram sua situação agravada.

Com a transformação dos clubes em empresas, a norma possibilita abertura de pedidos de recuperação judicial para negociar as dívidas na Justiça.

A maioria dos clubes hodiernos foi constituída sob a forma de associações, isto é, pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, ao passo que um dos elementos de empresa é o exercício de atividade econômica, isto é, com intuito lucrativo e, em regra, de acordo com a Lei 11.101/05 (Lei Recuperação de Empresas e Falência), somente é possível a recuperação judicial para empresário e sociedade empresária.

Antes da referida lei, havia uma discussão acerca da legitimidade de os clubes de futebol requererem a recuperação judicial: uma corrente, mais conservadora, positivista e literal, defende que somente as entidades desportivas que se constituírem sob a forma de sociedade empresária podem postular recuperação judicial.

Isso porque os clubes de futebol são, predominantemente, associações civis, e, por sua vez, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/05) estabelece que a recuperação judicial é aplicável tão somente ao empresário e à sociedade empresária.

Porém, a segunda corrente, mais principiológica, sistemática e teleológica, entende ser possível juridicamente entidades desportivas, constituídas como associações civis sem fins lucrativos, postularem recuperação judicial, na forma da Lei 11.101/05, invocando a não taxatividade do artigo 2º da LRE e defendendo a aplicação da LRE aos demais agentes econômicos, ou seja, sociedades empresárias de fato.

É o caso do Figueirense, que em março foi o primeiro clube a ter legitimidade para pedir recuperação judicial. O desembargador Torres Marques, do TJ-SC, reconheceu a legitimidade do Figueirense Futebol Clube para buscar recuperação judicial. Para o magistrado, o fato de o clube ser classificado como "associação civil" não o impede de buscar a recuperação judicial, já que as atividades desenvolvidas pelo time constituem típico elemento de empresa. Foi a primeira possibilidade de recuperação judicial de clube de futebol do Brasil.

A Lei 14.193/21 prevê a faculdade do clube ou pessoa jurídica original adimplir suas obrigações diretamente aos seus credores mediante do Regime Centralizado de Execuções ou pela recuperação judicial e extrajudicial, conforme a Lei 11.101/05.

No Regime Centralizado de Execuções, o clube ou pessoa jurídica original concentrará em um único local (juízo) através de concurso de credores as execuções, as suas receitas e os valores, bem como a distribuição desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada.

O clube de futebol que requerer a centralização das suas execuções terá o prazo de até 60 dias para apresentação do seu plano de credores, podendo o Poder Judiciário conceder o prazo de seis anos para pagamento dos credores.

Se o clube ou pessoa jurídica original comprovar a adimplência de ao menos 60% do seu passivo original ao final do prazo de seis anos, poderá obter a prorrogação do Regime Centralizado de Execuções por mais quatro anos.

Na hipótese do clube eleger a recuperação judicial como meio de elidir seu passivo, este gozará de legitimidade para requerer a recuperação judicial e extrajudicial a partir do momento em que se transformar em sociedade na anônima de futebol (SAF).

Na recuperação judicial, o clube de futebol fará a declaração de suas dívidas e de seus credores, apresentará um plano de recuperação judicial (renegociação de dívidas) que será analisado pelos credores, que poderão aceitar, rejeitar ou modificar o mesmo; havendo aprovação (acordo), este será homologado pela Justiça.

Uma inovação trazida pela Lei do Clube-Empresa que é imprescindível à reestruturação de dívidas ou recuperação judicial são os recursos financeiros para essas operações, através do financiamento da sociedade anônima de futebol, que ocorre por meio de emissão de debêntures-fut, que consiste em um título de crédito utilizado pelas sociedades anônimas para captação de crédito no mercado.

Recentemente, o clube Cruzeiro contratou a empresa de investimentos XP para a analisar a captação desses recursos e a viabilidade de transformação do clube em sociedade anônima de futebol.

Já os clubes Vasco da Gama e Portuguesa já propuseram o regime centralizado de execuções com base na noviça legislação, sendo que o clube paulista conseguiu a programação do prazo para pagamento de suas dívidas para seis anos.

Considerando a atividade desenvolvida pelos clubes, que passou mais recentemente por um processo de mercantilização, tornando-se verdadeira atividade mercantil, oportuna foi a lei que criou o clube-empresa, possibilitando a renegociação de suas elevadas dívidas, seja através do regime centralizado de execuções ou pela recuperação judicial ou extrajudicial.

Autores

  • Brave

    é especialista em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera, presidente da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB/GO, membro consultor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, membro dos institutos de insolvência empresarial TMA, Ibajud, Insol e IBR, professor de Direito da Insolvência na Escola Superior da Advocacia(OAB/GO) e na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás (CAM/Acieg) e do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), árbitro e coordenador do Núcleo de Reestruturação e Insolvência Empresarial da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (Cames), palestrante em diversos eventos e escritor de artigos sobre a área de insolvência e sócio do escritório Lara Martins Advogados.

  • Brave

    é graduanda em ciências jurídicas na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), pesquisadora científica acerca do instituto de recuperação judicial e falência, estagiária no núcleo de recuperação judicial e falência do Lara Martins Advogados, estagiária na Procuradoria da Fazenda Nacional em Goiás, participante convidada da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB-GO, diretora de ensino na Liga de Estudos em Direito da PUC-GO e monitora da matéria de Direito Empresarial na PUC-GO.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!