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A recuperação judicial e a estabilidade do dirigente sindical

17 de setembro de 2021, 8h00

Por Pedro Paulo Teixeira Manus

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A estabilidade provisória do dirigente sindical tem sua origem nas negociações coletivas, como cláusula assecuratória do direito ao emprego, que é um requisito essencial para o exercício do mandato sindical.

Isso porque o artigo 529 da Consolidação das Leis do Trabalho exige o exercício da atividade ou profissão, na localidade, por mais de dois anos como um dos requisitos para postular o posto de dirigente sindical e nele permanecer, caso eleito.

Desse modo, se fosse possível a dispensa imotivada do dirigente sindical ficaria a critério da empresa manter ou não a diretoria da entidade sindical profissional, bastando que um dirigente não tivesse a garantia de emprego para impedir sua atuação.

Originariamente, e até o advento da Lei nº 5107/1966, que criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, os empregados alcançavam a estabilidade no emprego após dez anos de serviços para o mesmo empregador, só podendo ser desligados por sentença judicial, nos termos dos artigos 492 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.

Portanto, como forma de evitar a obstrução pela empresa da representação sindical, os candidatos eram portadores de estabilidade, o que lhes garantia o cumprimento do mandato. Tal circunstância impedia na prática que empregados com menos de dez anos de serviços ao mesmo empregador alcançassem a condição de dirigentes sindicais.

Após 1967, com o advento do regime do Fundo de Garantia, que teoricamente era opcional, mas na prática colocou fim no regime da estabilidade, o que foi reafirmado pela Constituição Federal de 1988 (artigo 7º, I e III), os empregados e seus sindicatos constataram a necessidade de obter outra forma de garantia de empego, a fim de viabilizar o exercício do mandato sindical.

Eis então que surge nas negociações diretas entre sindicato profissional e sindicato patronal a criação da estabilidade provisória para o dirigente sindical, apenas para os integrantes da categoria destinatária da norma coletiva, naquela base territorial.

Não obstante, o Decreto-Lei nº 229/1967, que alterou o texto consolidado, passou a reconhecer aos dirigentes sindicais eleitos a denominada estabilidade provisória, como hoje se encontra descrita pelo artigo 543 consolidado.

Cumpre recordar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 8º, VIII, reafirmou a garantia da estabilidade provisória constante do mencionado artigo 543 da Consolidação das Leis do Trabalho, mas daí em diante como garantia constitucional.

Desse modo, gozam os dirigentes sindicais da estabilidade no emprego, como garantia da liberdade para o melhor exercício de seus mandatos, sem o temor da dispensa imotivada como forma de obstar a sua representação.

De outra parte, não se cogita de estabilidade provisória em caso de pedido de demissão, pedido de transferência ou extinção da empresa ou do estabelecimento naquela localidade.

Por outras palavras, a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, ou o encerramento das atividades da empresa naquela localidade, resulta em término da representação sindical pela impossibilidade real do desenvolvimento da representação.

Não ocorrendo a efetiva extinção da atividade empresarial, subsiste a estabilidade provisória do dirigente sindical, como resulta, por exemplo, do caso concreto analisado e decidido pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabaho, em acordão da relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte:

"II – RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DO DIRIGENTE SINDICAL – EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRESENÇA DE TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA E JURÍDICA. A controvérsia gravita em torno da legalidade de a empregadora em recuperação judicial dispensar o dirigente sindical no período de estabilidade previsto nos artigos 8º, III, da CF e 543, §3º, da. CLT. O recurso de revista oferece transcendência com relação aos aspectos gerais de natureza econômica (recorrentes em recuperação judicial) e jurídica (questão nova no TST), nos termos do artigo 896-A, §1º, I e IV, da CLT. O item IV da Súmula/TST nº 369, cuja incidência consubstancia o ponto nodal da controvérsia, prescreve que não subsiste a estabilidade do dirigente sindical quando ocorre a extinção da atividade empresarial na base territorial do sindicato. Ao contrário do que sugerem as recorrentes, referido verbete não possui o condão de lhes alcançar, mesmo porque a extinção das sociedades empresariais possui não apenas natureza distinta da recuperação judicial, mas, também, consequências jurídicas absolutamente diversas. Enquanto a extinção da sociedade empresária representa o seu fim no mundo jurídico, ápice de um processo que, mutatis mutandis, se assemelha à morte da pessoa natural, a recuperação judicial visa justamente a superação do momento de crise, a fim de conservar a atividade produtiva da empresa, os interesses dos credores e os empregos dos trabalhadores. Nesse sentido, é o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, cuja literalidade restou preservada pelo Tribunal Regional. Desta feita, além de não prosperar a invocação dos princípios da isonomia e da legalidade insculpidos no artigo 5º, caput e II, da CF, é irrelevante o fato – incontroverso ou eventualmente confessado – de as atividades da unidade de Sidrolândia, base territorial do sindicato, terem sido interrompidas em 2014 e de que tenham restado apenas 3 vigias trabalhando no local. Ilesos, pois, os artigos 389, 390, §1º, 391 e 393 do CPC. De qualquer sorte, a decisão recorrida não enseja afronta direta à CF, senão pela via reflexa, razão pela qual não há que se cogitar de violação do artigo 5º, caput, II, XXXV, LIV e LV, da CF. Aliás, antes de se perquirir violação frontal do texto constitucional, seria necessário o exame da controvérsia à luz das normas infraconstitucionais que regem a matéria sub judice, como é o caso do artigo 543, §3º, da CLT, do já citado artigo 47 da Lei nº 11.101/2005 e, também, do artigo 219 da Lei nº 6.404/1976, que elenca as formas de extinção das sociedades anônimas. Ademais, o mero fato de o recurso ordinário do autor ter sido acolhido não acarreta afronta aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição. Mesmo porque sequer há notícia de que o Tribunal Regional tenha impedido qualquer manifestação das reclamadas ou o pleno exercício de suas prerrogativas constitucionais com todos os meios e recursos a ela inerentes. Também não houve supressão de nenhuma fase processual, tampouco restou caracterizado qualquer obstáculo ao direito subjetivo de recorrer. Por fim, os arestos apresentados ao confronto de teses são imprestáveis à demonstração do dissenso. O da pág. 372 e o das págs. 376/377 são provenientes de turmas do TST, razão pela qual esbarram no artigo 896, 'a', da CLT. O da pág. 375, oriundo da 18ª Região, bem como o das págs. 377/379, proveniente da 3ª Região, carecem da especificidade fática exigida pela Súmula/TST nº 296, I, porque não envolvem empresas em recuperação judicial. Recurso de revista não conhecido".

Verificamos, pois, que a ocorrência da recuperação judicial não constitui motivo para a extinção da estabilidade provisória do dirigente sindical, pois a atividade empresarial não sofre paralização.

A recuperação judicial tem como finalidade evitar a falência da empresa, daí porque ela mantém sua atividade produtiva, reorganizando sua vida financeira. No Direito anterior a recuperação judicial era a concordata, cuja finalidade, de igual modo, era estabelecer um acordo com os credores, como forma de impedir a falência, que acarreta o desaparecimento da empresa.