Opinião

A prova digital na Justiça do Trabalho

Autores

  • Priscila Fichtner

    é advogada e parecerista doutora em Direito Civil mestre em Direito do Trabalho e sócia do escritório Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados responsável pelo consultivo e contencioso estratégico trabalhistas.

  • Bárbara Silveira

    é advogada pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Desportivo.

17 de setembro de 2021, 17h09

O futuro — e a avassaladora onda digital que o acompanha — definitivamente alcançou a Justiça do Trabalho.

A implementação e a consolidação da utilização do processo digital têm sido um grande avanço no Processo do Trabalho, de modo a permitir que também nessa seara seja possível a utilização dos benefícios que a tecnologia é capaz de agregar em termos de segurança, objetividade, celeridade e realidade.

Basta notar que despachos, audiências e sessões de julgamento virtuais, implementados em período excepcional, de necessário distanciamento social, vieram para ficar, pois trazem facilitação e simplicidade para a prática de atos processuais e, claro, ganho de efetividade.

Em razão dessa linha de avanço da utilização das possibilidades tecnológicas, o tema atual acerca da utilização de provas digitais nas reclamações trabalhistas merece esta breve análise.

Como já restou amplamente divulgado, servidores e magistrados trabalhistas vêm sendo treinados e capacitados para utilizar as provas digitais. Essa capacitação é importante até mesmo para fins de decodificação das provas, o que pode apresentar-se como árdua tarefa inicialmente pela possível quantidade de dados gerados, mas que certamente, se tratados de forma correta e com a perícia necessária, se traduzirá em importante ganho de certeza, segurança e agilidade processual.

De plano, cabe lembrar que prova digital consiste, em resumo, em informações armazenadas ou transmitidas em meios eletrônicos que possuam valor probatório.

A Justiça do Trabalho, sempre atenta ao princípio da busca da verdade real, está na vanguarda, sendo pioneira na utilização dessa ferramenta.

Há muito já se admite em reclamações trabalhistas a prova de fatos via informações retiradas das redes sociais, nas quais o magistrado pode analisar a uniformidade de conduta e de apresentação das partes para o público em geral e perante o Judiciário.

Vale lembrar aqui dois princípios importantes que norteiam o processo em geral e sustentam as novas práticas: o dever de cooperação das partes no processo e o já citado princípio da busca da verdade real. Diversos são os dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) que tratam desse dever, mas vale citar aqui, em especial, os seus artigos 6º ("Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva") e 378 ("Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade").

O atual estágio de avanço tecnológico permite a captura de diversos dados que podem aumentar a eficiência da prova nas demandas judiciais. E por que não utilizá-los?

A exemplo de dados registrados em dispositivos, têm-se os dados de geolocalizações, rastreamento de IP e postagens em redes sociais, entre outros, que trazem informações que podem colaborar para a análise da demanda e a distribuição de Justiça mais equânime.

Vale aqui destacar também, a título de ilustração, que em demandas nas quais se discute horas extras prestadas por empregados externos a prova digital de geolocalização traz subsídios precisos e eficientes para o deslinde do feito, merecendo, pois, ser utilizado. Para tanto, o magistrado poderá, a pedido da parte, expedir ofício para empresas responsáveis por gestão de dados de aplicativos com geolocalização, a fim de analisar os dados que envolvam a localização do reclamante.

Note-se que não se trata do relaxamento do dever legal do empregador de controlar a jornada do empregado, mas de, em determinadas circunstâncias, averiguar a veracidade das informações prestadas, a fim de afastar demandas aventureiras e assegurar o justo direito na sua exata medida. Até porque a prova existe, antes mesmo do ajuizamento de eventual reclamação trabalhista.

Haverá, no caso, apenas a sua integração à lide para que possa ser analisada, de modo a contribuir para o deslinde dos fatos.      

Em se tratando a prova digital de meio lícito, moral e idôneo, não há, pois, o mais remoto fundamento para que não seja admitida e valorada no processo judicial juslaboral.

Outrossim, por vezes, as informações que constam da prova digital são mais precisas e confiáveis do que os depoimentos colhidos. Isso porque as testemunhas podem ser contraditórias ou mesmo podem não se recordar com tanta precisão dos fatos ocorridos, seja por já ter se passado longo lapso temporal entre os fatos e a audiência de instrução, seja porque todo depoimento representa uma visão particular dos fatos, trazendo carga subjetiva.

A primazia da realidade, princípio tão consagrado nessa seara especializada, é o principal objetivo da coleta da prova digital.

Assim, a prova digital, em se tratando de conjunto de informações digitais capazes de dar ciência de um fato a alguém, deve ser admitida no processo do trabalho de forma irrestrita.

Nem se diga que existiria qualquer contrassenso aos ditames previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que, nos termos do artigo 7º, inciso VI, da LGPD, o tratamento de dados pessoais pode ser realizado "para o exercício regular de direitos em processos judiciais". E, inquestionavelmente, o requerimento de coleta da prova digital revela-se o exercício regular de um direito da parte em litígio.

Forçoso reconhecer que o precitado dispositivo da LGPD tona prescindível, inclusive, a anuência da parte contrária no que tange à coleta de prova digital em processos judiciais, desde que posteriormente lhe seja assegurado o contraditório.

O argumento de que na coleta da prova digital haveria violação à intimidade e à privacidade do indivíduo também não se sustenta por diversos motivos. Primeiro porque se por um lado é garantido o sigilo dos dados e informações na rede mundial de computadores de um cidadão, por outro revela-se manifesto que essa proteção não é absoluta, especialmente quando o próprio indivíduo divulga e publica aspectos de sua vida na rede social ou mesmo ativa mecanismos de geolocalização em seu aparelho de telefone celular, por exemplo.

Assim, a coleta de prova referente à geolocalização de um autor de uma reclamação trabalhista não significa invasão à sua privacidade, mas tão somente a averiguação da correção dos dados informados no processo, de modo que a justiça seja distribuída corretamente, com a comprovação de que o então empregado estava em visita a clientes ou realizando outro tipo de trabalho nos horários alegados.

Aliás, o interesse pela produção da prova digital é convergente: as partes deveriam pretender a produção desse tipo de prova, até pela sua objetividade e confiabilidade. Assim, em razão do já citado dever de cooperação e do princípio da boa-fé processual, é de se esperar que as partes concordem com a produção da prova digital de geolocalização. A prova digital é importante tanto para o empregador quanto para o empregado, inclusive para fins da prova do direito à desconexão, tão em voga nesse campo.

Vale, ainda, lembrar que a iniciativa quanto à produção de provas digitais vem sendo institucionalizada e regulada pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Recentemente, já houve a expedição do Ato Conjunto TST/CSJT/CGJT nº 31, de 4 de agosto, que dispõe sobre "diretrizes para a emissão de ordens judiciais dirigidas à Microsoft Corporation por parte de magistrados da Justiça do Trabalho, envolvendo a solicitação de informações de dados armazenados".

O posicionamento da ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST, coloca uma pá de cal acerca de qualquer alegação de que a prova digital seria inadmissível no processo do trabalho: "Vivemos uma transformação tecnológica nunca vista, cuja velocidade das atualizações tem impacto nas nossas vidas, incluindo as relações de trabalho" e concluiu "a revolução 4.0 chegou, e a Justiça do Trabalho precisa estar atenta a esse momento".

O futuro está aí. A utilização da prova digital no Processo do Trabalho é muito bem-vinda e chegou em boa hora, trazendo muitos pontos positivos, em especial, a possibilidade de apresentação, nas reclamações trabalhistas, de dados consistentes e confiáveis sobre os fatos controvertidos, em contraponto com as muitas vezes contraditórias e oscilantes informações passadas por testemunhas arroladas pelas partes.

É certo que a novidade sempre traz questionamentos nas mais variadas searas. E é perfeitamente compreensível que o empregado se sinta, num primeiro momento, invadido com a utilização da prova digital. Tal situação nos remete ao livro "1984", de George Orwel, que nos traz um retrato da sociedade vigiada e que nunca foi tão atual. Todavia, essa é a realidade que vivemos e cumpre a todos nós, operadores do Direito, pensarmos nos limites do abuso ou da regular utilização da tecnologia moderna em benefício da Justiça e da verdade.

Logo, impõe-se sempre indagar sobre a finalidade da coleta da prova digital. Se os dados pretendidos forem utilizados para expor indevidamente o empregado ou a testemunha, o abuso de direito restará claramente configurado. Mas se, ao contrário, forem eles utilizados para auxiliar o magistrado na busca da verdade real, exsurge o legítimo interesse, da sociedade inclusive, na sua utilização sendo perfeitamente cabível e recomendável.

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